O artigo publicado no Comércio de sábado, dia 16 de outubro, de autoria do renomado advogado Ruy Martins Altenfelder Silva, além de outras grandes qualificações funcionais, é mais um daqueles aranzéis sonolentos, que nós leitores – sem qualificações – temos de engolir, ouvindo para compensar, um pássaro engaiolado em seus gostosos trinados. É o típico trabalho entusiasmado, que enxerga apenas o lado da classe dominante e desatende ecumenicamente, os braços de quem produz a riqueza da classe dominante. Tanto que o trabalhador, no entender do capital, nada produz. Quem produz é o dono do capital, tachado de: produtor rural, produtor industrial, produtor disso e daquilo.
Não discordamos das apresentações do Dr. Altenfelder, quanto aos 35% do PIB nacional, representado pela indústria brasileira, no que concerne às exportações. É óbvia a necessidade de qualquer país do mundo, não apenas o nosso país, de exportar e exportar cada vez mais. Isto deveria ser o trivial na economia brasileira. Tanto quanto forem possíveis as exportações trarão uma massa maior de rendimento à população.
Agora, vejamos quem é esse povo. Não é definitivamente a maioria dos trabalhadores. Os mesmos que ajudaram, de uma maneira ou de outra, as exportações das empresas. Existe algo que nossos capitalistas adoram sua permanência definitiva no país: o salário mínimo. Afinal a riqueza deles se deve não apenas as exportações, mas ao péssimo pagamento aos seus trabalhadores.
Uma força-trabalho mal remunerada remunera muito bem qualquer empresário. Ou seja, um custo desprezível pelo trabalho de indivíduos, neste gigantismo industrial brasileiro dá ao empresário facilidade de ser bem sucedido até sem exportação. Esquecem de que o valor baixo estimula o desempenho de um trabalho mal feito, sem vontade. Daí a certeza de que o emperramento e sucateamento das indústrias se devem quase sempre a essa atitude, economicamente antiquada.
Devemos sim mobilizar a política industrial brasileira, mas com um empresariado mais atualizado e consciente de que o trabalho escravo, utilizado hoje com grande modernidade nos países asiáticos pode gerar alguma riqueza para o país protagonista, porém não é permanente, nem possui sustentação definitiva. E isto não é o que queremos para o nosso país. Porque neste caso, se a indústria cresce em razão do aumento de sua renda, o trabalhador esmorece em razão de sua péssima renda. Este aviltamento da renda é responsável afinal pela não qualificação do trabalhador. Se este ganhasse o suficiente para investir na atualização do próprio conhecimento, sem necessitar de socorros sociais, quase sempre injustos, uma vez que nem sempre existem vagas para todos, em razão do enorme contingente mensal de jovens que surgem inexoravelmente, teríamos então uma qualificação completa dos trabalhadores. Claro que uns mais que outros, dependendo do potencial de cada um, posto que a qualificação de uma pessoa não é apenas pelo seu conhecimento tecnológico, mas também pelo perfil que apresenta até no que concerne aos vícios.
É importante destacar que não estamos a falar da velha arenga do capital x trabalhador. Não. Isto na atualidade ficou enfarruscado pelo excesso de zelo de um socialismo sem futuro. Tanto que ficou atolado no passado. O melhor socialismo do mundo é aquele em que as empresas crescem, progridem nos seus investimentos, tanto da produção quanto na socialização de seus trabalhadores. E a única socialização do trabalhador é uma renda que o dignifique. O resto não passa de lengalenga.
A persistência do articulista Rui Altenfelder em manter a coesão da indústria, em enaltecer a consolidação do peso da indústria como setor que desenvolve e agrega tecnologia, exporta, cria empregos e riqueza, sendo também parceira da sociedade na mobilização cívica por um futuro melhor é muito válida para o progresso da própria indústria, do setor financeiro em que as indústrias também estão envolvidas e dos bancos. Mas, não é em absoluto para o trabalhador. Para a massa de trabalhadores. Só foi lembrado do trabalhador quando citou a frase: “cria emprego e riqueza”.
É nisto que não concordamos. A indústria, o comércio e todos os esforços sociais que geram riquezas são ótimos para o desenvolvimento e o avanço no progresso de todos, desde que haja uma reflexão séria e não as papagueadas que extrapolam os longos debates no Congresso, objeto dos políticos que fingem se importar com o miserável salário dos brasileiros, mas aprovam todos os anos um vergonhoso método de dar continuidade a uma escravidão branca, mesclada por um, dois ou três salários-mínimos que se paga de mão fechada aos trabalhadores: o povo brasileiro.
Esta é a lengalenga que a gente vê pela manhã constantemente nos jornais: um lobby permanente a favor do capital e um esquecimento total do trabalhador, que não pode sequer custear seu conhecimento tecnológico em busca de melhores salários. É a velha lengalenga que nos leva a nada ao quadrado.
Ainda bem que os pássaros não zombam de mim com seus gorjeios garganteados em suaves volatas, pelas manhãs. Só assim mesmo para suportar essas opiniões seculares.
Jeovah de Moura Nunes
poeta, escritor e jornalista
(autor recente de s/ 4° livro, intitulado: "MEMÓRIAS DE UM CAMELÔ")