Será a poesia apenas a concretização do mundo num verdadeiro culto à plenitude das coisas e dos objetos, de tal ordem sob tão forte tensão emocional que coloca o eu/sujeito em função permanente com o objeto, vulgarizando o ser como centro do universo? Bem, essa parece ter sido a filosofia que vincou os chamados “concretistas”, quando se fizeram súditos do reinado do real, em poesia. Ora, ela já serviu à virulência do realismo, ascendeu ao parnaso e transfigurou-se para além do real, freqüentando o mundo do supra-humano em idealidade ultra-sensível, grotesca e macabra em “O Corvo”, com seu criador Edgard Allan Poe.
Hoje, exatamente no novo tempo onde o que mais sucede ainda é o inesperado, a perplexidade das mudanças, numa época do reinado absoluto das comunicações, muitas vezes sobrepostas à razão, e, por isso mesmo, de ideologização do absurdo, a poesia perde, de certo modo, suas características realísticas e surrealísticas, e já superou o mundo do concreto, para alinhar-se também ao lado da mídia, não como o único fim escatológico supremo de preservação do ser/objeto, mas como meio válido de que se vale o eu-poético para manifestar as reflexões e irreflexões sobre o mundo/objeto e se afirmar como uma crítica poemática do próprio ser no e para o mundo.
Creio que é sobre esse principal eixo que gira e vem-se polarizando a poesia, ou a “nova poesia nova” do piauiense FRANCISCO MIGUEL DE MOURA. Se não em toda a sua obra – já considerável em seus seis livros publicados a partir de 1966, com “Areias” – pelo menos é o que se vislumbra neste “POEMAS OU/TONAIS”, edição de 1991, da Gráfica e Editora Júnior Ltda., Teresina – PI.
Composto de três partes, “POEMAS OU/TONAIS”, do autor de “LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO” e de “PEDRA EM SOBRESSALTO”, se propõe estabelecer o diálogo poemático do eu-manifesto com a (ir)realidade do mundo cotidiano. No primeiro momento desse tempo tríptico em que se divide o “corpus” lírico, prevalece a temática do amor/paixão, espécie de introdução, em que o poeta verbaliza seu canto numa fragmentação eminentemente subjetiva. No segundo, espécie de contraponto ou cântico do eu-rarefeito, erige-se uma estrutura, não de diálogo, mas de monólogo de eiva silogística onde as “premissas” e a própria conclusão se confundem dialeticamente em função do estilo proposicional e metafórico, de seu (con) texto disjuntivo – Ou. Em terceiro estágio sincrônico, os “TONAIS” dão os tons, expõem as tonalidades, e a tessitura poemática converte-se num...
“caminho para dentro até o fundo
como quem caminha ao sol-posto”,
labirinto de idéias, vazões e sentimentos que fazem do eu poético um espelho por onde reflete seu mundo de sofrência interior e os resultados de sua vivência, sob a égide do refulgir lírico e o crivo literário da escritura alegórica. Reside aí o cerne do cântico trifásico da construção original de FMM, com seu depoimento crítico, como o resultado de sua (ir)reflexão.
Acresça-se a tudo isso, o tratamento propedêutico estritamente literário que FMM dá ao corpo verbal dos poemas, onde sobressaem a imagem, o tropo, a virtuosidade do signo e o depuramento lingüístico.
No resto, é a policromia de que se traveste a poética do autor de “Universo das Águas” e “Quinteto em mi (m)”, neste seu último exemplário lírico. E diz o poeta logo no início:
“trovão
trama de luz
caminho aberto
à chuva breve
de lembrança (a)mar...”
Pois o poeta vai urdir, doravante, a trama do amor/paixão e pede:
“mister amor,
um momento, please!
em meu favor
vazio...
plenitude é um pouquinho de nada
o dia fugindo dentro da noite
e as paredes brancas de cio.”
E o segredo de sua paixão eólica se revela em:
“amar sem dizer-te
ouvir sem falar-te
andar sem encontrar-te
sumir...”
Já em silogística disjuntiva, o poeta filosofa:
“eu sou o diferente
tu és a indiferença
não nos encontraremos a fio...”
Sim, porque
“um infinito flui”.
descartável
entre a água e o navio.”
Por final, na consumação do tempo poético (e mágico?) que estruturou nos seus “TONAIS”, FMM reverbera:
de repente
se arma um parêntese
entre o que quero e mereço
e o dia me despede
de todos os desejos
de repente
sou
o afogado que morre de sede.”
E a conclusão maior a que se chega desse diálogo/oblação/reflexão, é o poemeto que enfeixa a “trama de luz que nos urdiu o autor de “SONETOS DA PAIXÃO”:
“minha busca em palavra
lavra meu ser
- agrava.
meu fazer em poema
escreve meu ser
- problema.
minha vida em poesia
vence meu ser
- adia.
mordo a metáfora de cada dia.”
(Ensaio publicado na revista “LAVRA”, nº 7, em 1992 – Brasília-DF)
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*Murilo Moreira Veras é poeta e crítico de literatura, mora em Brasília.