Tomei conhecimento de minha periculosidade ao ler edição do jornal “Correio Braziliense”, em que dama da sociedade brasiliense, freqüentemente citada nas colunas sociais da Corte, respondia a indagações do entrevistador.
- Qual o perfume de sua preferência?
- Chanel 5.
- Onde gosta de passar as férias?
- Paris.
- Seu livro de cabeceira?
- O Pequeno Príncipe.
- Costureiro?
- Dior.
- Artista predileto?
- Richard Gere.
Até aí, tudo bem. Eu também aprecio a mistura do Chanel 5 com o perfume natural da mulher amada.
Não discuto, outrossim, a preferência por Paris, Dior ou Richard Gere e os livros de Saint Exupéry estão entre os que mais gosto de ler.
O golpe veio com a resposta à próxima pergunta.
- O que mais a agride ou incomoda?
A entrevistada tinha muitas respostas à sua disposição, como o terrorismo, a fome no mundo, as guerras, as torturas, a violência contra as crianças, as drogas, o aumento da criminalidade nas grandes cidades e a corrupção.
Para minha surpresa, a socialite retrucou prontamente:
- O que mais detesto é pessoa que molha biscoitos no café com leite, antes de engoli-los.
Foi como se eu fosse atropelado por um tanque de guerra.
Entre mim e Bin Laden, a destacada figura de Brasília não tinha qualquer dúvida sobre quem deveria ser mais odiado: o traumatizado autor deste artigo.
Desde então, não consigo dormir como antes, perseguido pela culpa e pelo remorso, e a depressão impede-me de bom desempenho no trabalho. E o pior é que não tenho coragem de encarar meus filhos.
E descobri, ainda por cima, ter sido totalmente dominado pelo vício de molhar biscoitos no café com leite.
Realmente, tento controlar-me ao sentar-me à mesa e iniciar o desjejum e ver a xícara do delicioso líquido adoçado por algumas colheres de açúcar, mas não consigo fazê-lo.
Juro que faço o possível para comer os biscoitos sem mergulhá-los antes na bebida colocada à minha frente, mas quando assim ajo a guloseima não me atrai, mostrando-se insípida e seca.
Quando menos espero, a mão avança e banha o confeito, levando-o rapidamente à boca de seu perturbado condutor.
Ah, que delícia! Úmido, macio, ele termina seu percurso desmanchando-se entre meus dentes, fazendo-me esquecer, por uns poucos minutos, o crime cometido.
Faço isso escondido, longe dos olhos de todos. Temo seja meu vício percebido por minha companheira, que, certamente, me abandonaria se soubesse de minha fraqueza.
E o mais grave é que escondo segredo que pode complicar ainda mais a situação: tenho o hábito de derramar o café com leite quente no pires e tomá-lo, após alguns sopros, no próprio recipiente.
O que pensará a distinta personalidade de um homem que age desse modo?