Não confundir pensar a cultura com fazer a cultura.
Sérgio Paulo Rouanet, crítico, filósofo e diplomata brasileiro dos mais conhecidos, acredita que se deve pensar a cultura sobretudo sobre dois aspectos: o local – a forma de fazê-la, e há de levar em conta as raízes populares, mas sem esquecer as grandes obras clássicas da literatura, da música e da filosofia; e o global – ou seja, como influir e como se deixar influir, sem render-se à cultura de massa, que tem produzido resultados deploráveis.
Rouanet abre seu ensaio, inserido na Veja de 5.1.2005, abordando a idéia equivocada de se fazer cultura isoladamente, como se uma determinada nação no mundo de hoje pudesse desligar-se da cultura internacional. Cultura é tradição, como política, como os outros aspectos da vida intelectual do homem. A incomunicabilidade é a pior forma. Não se diversifica, não se renova, todas as formas culturais tendem a degenerar, morrer. “O nacionalismo cultural” diz Rouanet, “uma das ideais mais perigosas que jamais afligiram o planeta, está ressurgindo em toda parte como reação ao processo de globalização. A idéia é perigosa, porque a idealização da própria cultura tem como corolário a desvalorização da cultura alheia, o que estimula as rivalidades nacionais e as guerras, e também porque a invenção de um inimigo externo comum cria falsas solidariedades e silencia contradições internas”.
No caso particular do Brasil, nossas maiores contradições internas são, entre outras, o baixíssimo deficit educacional e a estrutura de poder da sociedade brasileira, que, como sabemos, emperra a economia, atrasa os processos políticos e diminui o grau de simpatia que poderíamos ter diante das nações mais desenvolvidas. Uma dessas simpatias mais desejadas é a dos Estados Unidos, por ser a nação mais poderosa, e sobre ela adverte Rouanet: “Opor-se ao unilateralismo de Bush é dever de todas as pessoas de bem, mas é preciso velar para que essa crítica política não se degrade em xenofobia cultural”.
Resta-nos melhorar muito, muito mesmo, o nosso nível educacional, levando nosso povo a ler e entender tão bem um Machado de Assis, um Graciliano Ramos, uma Clarice Lispector, quanto Joyce, Cervantes ou Sartre; e atualizar nossas estruturas de poder e de administração, o que vale dizer políticas, jurídicas, econômicas e sociais. Sem isto, o Brasil perderá a chance de contribuir para a cultura mundial e continuará apenas o país do futebol e do carnaval, por mais que se façam festivais de violeiros e de folguedos, e que o governo continue incentivando os reisados, os bumbas-meu-boi e os são-gonçalos locais. Isto é fazer cultura sem pensá-la. E no mundo de hoje é inteiramente inviável.
Já sobre o capítulo da invasão dos estrangeirismos em nossa língua, fala Sérgio Rouanet, é um problema complexo sem dúvida, mas não se resolverá com decretos nem leis. Deverá ser vigiado, mas sempre de olho na elevação cultural do povo, que, ao fim e ao cabo, é quem vai resolver de modo satisfatório.
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*Francisco Miguel de Moura é escritor brasileiro, mora na cidade de Teresina.