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Artigos-->Brasil, na visão do vovô Jeovah -- 06/02/2005 - 08:33 (Jeovah de Moura Nunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Brasil, na visão do vovô Jeovah







Li o artigo de José Salles, escritor, editor e historiador, publicado no Comércio de 21.01.05, intitulado: Brasil na história do tio Agostini. O trabalho é apenas uma manifestação contrária e acirrada ao artigo do vereador Rafael Agostini que saiu no dia 16.01.05. Se Agostini fez uma matéria “água sem açúcar”, o José Salles caprichou no açúcar, tornando-o ainda mais salgado para quem é um historiador. Queremos dizer que o Salles não foi equilibrado, pendeu apenas para um lado. Teceu elogios ao então marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, ao general Ernesto Geisel e chamou de decisiva a atuação das Forças Armadas na madrugada de 31.03.64. Além disso, o dito escritor relacionou todas as atuações dos chamados “terroristas” num período pequeno, que vai de 1964 a 1968. E lamentou as torturas, como se estas fossem apenas algo inevitáveis. Esquece flagrantemente de que a tortura continua e faz parte de nossa cultura cristianizada. Belos cristãos somos nós!



Para se conhecer os acontecimentos daquela época não precisamos de datas e dos fatos registrados. A gente tem que viver a época. Eu vivi e vi muita coisa que até Deus duvida. Fui contemporâneo das ações dos grupos revolucionários. Naquele atentado ao jornal “O Estado” os terroristas fracassaram. Um casal num “fusquinha” parou em frente ao prédio do Estadão, ali próximo à rua Silva Jardim. A bomba ia ser atirada dentro da entrada do prédio. A jovem estava segurando-a sobre o colo. Mas, a bomba explodiu. A moça perdeu as pernas e ficou a gritar de dentro do carro. O rapaz morreu. Não contaram o que fizeram com ela após a chegada da polícia. O prédio do jornal teve apenas como prejuízo as vidraças quebradas. Muitos atentados ficaram apenas no fracasso, visto que boa parte dos que lutavam contra o regime era despreparada, sem armas e sem dinheiro.



Conheci de perto o marechal Castelo Branco. Levei muitas vezes o bafo de seu hálito. Servia então no BGP, Batalhão da Guarda Presidencial em 1964. Havia, certa vez, um rapagão de quase dois metros. Não me lembro mais do nome dele. Tinha orgulho de ser fuzileiro e envergar o uniforme do Exército. Eu já tinha minhas dúvidas. Um dia o presidente foi passar em revista o nosso grupo. Aparentava nada ter o que fazer na qualidade máxima de presidente da República. Ele sempre fazia isto. Naquele dia, porém, demorou-se mais do que o costume. Punha a cara dele próximo da nossa. Claro que por ser baixinho não alcançava a altura de soldados paulistas, verdadeiros gigantes em meio aos anões de Goiás. Ficou com raiva quando se aproximou de nosso colega de Piracicaba. Penso que em razão de sua altura. Mas, descobriu um defeito em nosso amigo: tinha um ombro um pouquinho mais baixo que o outro. Discutiu com seu general, ajudante de ordem na frente da tropa perfilada. Depois saiu nervoso e ficou atrás das vidraças do palácio. O general gritou com nosso tenente, e este berrou com nosso sargento. Logo chegou um jipe e levou nosso amigo. Nunca mais o vimos.



Imagino que o articulista Salles nunca assistiu a uma prisão na época ditatorial. São cenas inesquecíveis e machuca porque não existe regra. Levava-se qualquer transeunte desavisado. E tudo debaixo de pancadaria de dois, três e até dez homens da polícia política, ou militar. São Paulo, pelos idos de 1968 era um inferno, ou um imenso campo de luta de pessoas armadas contra pessoas desarmadas. Os jovens de hoje continuam assistindo a mesma pancadaria. Só que interessante, não existe ditadura. É como se o livro de Zuenir Ventura “1968, o ano que não terminou” legasse o mesmo pesadelo a nosoutros nos dias atuais. Naqueles dias torturavam-se apenas os presos políticos. Os presos comuns assistiam a tudo extáticos, apavorados e preocupados com o término daquilo tudo, posto que representava a vez deles. Assim, a inteligência da inteligência da polícia política não soube avaliar até onde os presos comuns poderiam aprender a arte da guerrilha urbana. Misturavam-se presos políticos com presos comuns. E deu no que deu. Os presos comuns aprenderam a lição dada por mestres e mártires e fazem hoje o que se fazia naqueles anos.



Há alguns dias foram descobertos e presos muitos carrascos de formação, assassinos pagos pelo Estado numa unidade da Febem, onde menores eram torturados. A sociedade sabe, conhece muito bem o problema e não o ataca de forma mais eficaz. Pelo contrário tem muita gente que apóia o problema, assim como esses articulistas, que parecem também serem pagos para escrever, ou melhor, copiar dados publicados no passado, sem terem vivido na carne o problema. Sem terem pelo menos assistido, como assisti. Tanto que só voltava para minha casa no centro, depois de pegar trens e ônibus para bairros distantes, fazendo ziguezagues por toda Sampa, no intuito de enganar quem me seguisse, já que eu era jovem e tinha certo envolvimento. Quem quiser saber mais sobre o problema, aconselho procurar o padre Lancelot, um herói vivo na luta contra esse câncer, que é a tortura no Brasil de todas as épocas. Problema histórico, cultural e enraizado na sociedade de tal maneira, criando até monstros espancadores de mulheres e crianças dentro dos lares.



Jeovah de Moura Nunes

poeta, escritor e jornalista

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