A realidade histórica não se deforma porque é passado. Porém, em muitos casos, se encarrega de influir no presente e inviabilizar o futuro. Estamos falando das ações do homem no tempo, não apenas do tempo em si. A partir de nada não se constrói nada porque há falta de sentido. Condeno a linguagem pela linguagem, a forma pela forma. Eleja-se um objeto distinto, ela própria não serve, vai virar filosofia da linguagem, ciência da linguagem, qualquer outra coisa, e não literatura, e não arte, e não política, e não saber, e não religião. A filosofia da linguagem é para estudar e conhecer o homem – o agente da linguagem e de todas as instituições sociais. Mesmo a pesquisa científica tem um objeto. Digamos que seja o bem da humanidade, ou sua destruição. Ou a busca das origens e dos fins do homem. Dizem que a forma evolui. Se estiver dentro de um contexto e quiser alcançar um objeto, acredito que se transforma, evolui, se renova, acompanha seu tempo e até o ultrapassa. Mas, sem critério, vira massa mole, fácil de ser levada para onde quer que se vá. Boiará no vazio. Já os conteúdos praticamente não mudam, permanecem. É a parte essencial da realidade. Considerando-se o processo forma x conteúdo, basta o alterar de um para o mudar do outro.
Eis que é razoável a busca de um caminho. Como vivemos num mundo plural e ao mesmo tempo uno, universal, é legítimo acompanhar as particularidades. A política, no seu sentido maior, porque prega o bem comum, por exemplo. A religião, a filosofia, a arte, porque são sociais: assuntos que consomem o homem e sua vida. A particularidade maior do momento é que, politicamente, se tornou impossível considerar a humanidade sem ferir o assunto Bush x Bin Laden. Outros pares contraditórios podem ser encontrados como “civilização” ocidental cristã e “civilizações” orientais. Mas fiquemos com o primeiro par, pois indicado por pessoas, o que os particulariza mais. Não que os Estados Unidos sejam uma nação má. O que se observa é que sua cultura é uma colcha de retalhos, em virtude do tempo de existência e da imigração que a sustenta. Não que os muçulmanos, de modo geral, inclusive a própria religião, sejam maus por natureza. Não há natureza humana nem boa nem má. Bush como Bin Laden são fundamentalistas, isto é, seguem dogmaticamente a letra da lei, não o seu espírito. São perigosos para a humanidade. Por que é que existem guerras? Querem chegar a uma forma perfeita, sem alterar o conteúdo: é a ditadura, a “revolução”. São ambas contra o homem. E vêm os desconcertos, as incongruências, as destruições em nome da criação. Não deveria existir, “a guerra não é necessária”, diz o nosso filósofo Roland Corbisier, falecido esta semana: 09/02/2005. “Pode-se fazer revolução sem guerra, transformando a essência, como têm feito as democracias desde os gregos, os inventores”. Como o único tempo que existe é o passado, e a história política do homem tem sido feita de guerras e conquistas geralmente sangrentas, só há um meio de mudar a história: com idéias coerentes, senso ético, sentimento de solidariedade. A arte, a ciência e a filosofia fazem a história do homem sem apelar para a guerra. Tem-se medo é da “infinita a capacidade dos intelectuais de se curvar diante do poder, seja ele fascista ou socialista”, como disse o filósofo Roberto Romano.
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*Francisco Miguel de Moura está lendo “Ana Karênina”, de Leon Tolstói. Endereço eletrônico: franciscomigueldemoura@superig.com.br