Meio avesso a livros onde circulam idéias de religiosos, fui surpreendido durante a leitura de Terceiro Mundo, do sacerdote Manuel de Unciti y Ayerdi, um professor espanhol de Teoria da Comunicação e Deontologia Profissional da Escola de Jornalismo da Igreja Católica.
Firme em suas convicções sem ser chato, o autor desfila informações sobre as desigualdades entre os países industrializados, notadamente o G-7, e os países que um dia foram colonizados pelas potências econômicas que regem os destinos de boa parte da humanidade através do FMI.
Unciti revela entre tantas outras coisas alguns dados sobre o Brasil, onde segundo aponta, teria acontecido um genocídio sem que toda nação tenha conhecimento disto. Trata-se do episódio de Eldorado dos Carajás, onde morreram oficialmente 23 pessoas, mas segundo informações prestadas pelo jesuíta, o número de desaparecidos chegaria a 200.
No bojo das afirmações ainda está o informe de um possível suborno envolvendo policiais do Estado do Pará para eliminar dez dos principais líderes naquela tragédia.
O sacerdote-professor cita como fonte a Rede Globo de Televisão.
O fato por si já é estarrecedor, e todos sabem que o Pará é conhecido internacionalmente por violência no setor rural. Recentemente morreu uma irmã norte-americana que estava envolvida com os trabalhadores rurais. A morte é tão comum para o pessoal do Terceiro Mundo que se tornou banal para as autoridades.
Aliás, no tocante às autoridades o posicionamento do padre é bem claro. Questiona as autoridades que legalizam a imoralidade em prol de propinas de grupos internacionais.
Questiona mesmo a dívida externa do Terceiro Mundo, toda contraída por ditaduras sanguinárias e corruptas na América, Ásia e África, sempre abençoadas pelas nações democráticas do ocidente.
O livro passa longe da responsabilidade da Igreja Católica no processo de colonização dos povos. Ninguém pode esquecer a história da evangelização que conferiu grande poder ao Estado Pontifício durante séculos.
Ainda assim, partidário das idéias do teólogo Leonardo Boff, Unciti tem uma pregação humanista, preocupado mais com a dignidade dos homens do que com qualquer ideologia aprendida em seminários a favor de um poder temporal. Um livro surpreendente, carecendo apenas de referências bibliográficas para facilitar o trabalho de pesquisadores, que poderia ser discutido amplamente em centros acadêmicos por estudantes de quaisquer cursos.
Para quem desejar conferir, o livro é das Edições Paulinas, de 1999. Ajuda a refletir sobre o futuro nas relações entre países ricos e pobres em qualquer momento da história.