Ele só enxerga o próprio umbigo, em torno do qual gira e presta reverência o Planeta Terra. Falo de sua excelência, a Autoridade. Assim, maiúscula. Qualquer autoridade que se deixe embriagar pela prepotência e pelo abuso de poder. Elas pululam por aí e o Brasil está cheio de exemplos daqueles que exercem sem limites seus podres poderes, como diria Caetano. Em regra, não possuem uma biografia elogiável.
Esse tema tão fascinante quanto delicado, não me sai da cabeça desde que assistí à notícia do estúpido assassínio de um funcionário de supermercado pelo juiz Pedro Percy, no interior do Ceará. Segundo a reportagem, a explosão de violência aflorou quando o magistrado recebeu a informação da vítima de que não poderia entrar, após chegar à loja no final do expediente.
Penso que há três características fatais para a carreira pública de quem dispõe do poder: a ambição desmedida, a incapacidade de aceitar frustrações e a falta de humildade diante das próprias falhas, que é a mais humana das carências. Autoridade que é "otoridade" reage a um "não" como se fosse ofensa pessoal, a colocar em concordata o seu pestígio. Atua assim com o homem comum, mas é, em regra, manso e subserviente com os pares e os superiores, quando igualmente arrogantes.
Essas pessoas buscam na função um terreno fértil para extravasar os seus recalques. A possibilidade de intervir no destino de outros não lhes anima a uma atuação responsável e moderada.Em vez disso, fazem do drama alheio palco para a egolatria de que são equivocados portadores.
Estou longe de advogar posturas demagógicas ou o anarquismo que anulam a autoridade. Tudo o que penso foi recentemente dito, no discurso de posse da procuradora de Justiça Janeide de Oliveira Lima, ao assumir bem assumido a Corregedoria Geral do Ministério Público:"Não há mais espaço para os que se atribuem uma auto-importância e uma singularidade desmedidas. Isso é delírio narcísico, como nos mostra na própria limitação e incompletude da condição humana".
Na parte que me toca, a magistratura, lembro que o amadurecimento e a idade nem sempre andam juntas. No dramático exemplo do Ceará, o juiz algoz era um sexagenário. Normalmente, a "juizite" que acomete alguns jovens iniciantes na carreira logo é curada com uma boa supervisão. Difícil é lidar com os desvios de personalidade daqueles mais idosos, sedimentados ao correr da vida. Por isso, defendo que devemos identificar os vocacionados muito cedo, a partir de estágios no Poder Judiciário para estudantes universitários. Outras profissões fazem assim. Será que somos mais importantes?
Retomo a lição da lúcida procuradora de Justiça:"Há de ser rechaçado o deslumbramento de agentes políticos, tem-se de procurar um antídoto contra o veneno da auto-referência, perseguir um modelo ativista, sem protagonismo. Afinal, importante é somente o que se pode fazer de útil e prestimoso no brevíssimo tempo de cada um".
O País está mudando e não aceita mais a reencarnação de deuses com os pés de barro. Ou se exerce o poder como instrumento do justo e do bem comum ou se vale dele para praticar o mal e o egoismo. A quem perseverar na segunda opção, aconselho a leitura atenta dos versos de Guilherme Arantes: "a manhã, mesmo que uns não queiram, será de outros que esperam o dia raiar".
Og Fernandes - Desembargador
Diário de Pernambuco - Opinião - Recife,18/03/2005 - Pág. A3
