«É muito tênue a fronteira entre realidade e ilusão, e só as crianças conhecem este caminho que leva ao sonho e à fantasia», diz a escritora Rejane Machado, na abertura de seu livro «A Festa da Sardinha e Outras Histórias», destinado ao público infantil. Ela esqueceu que também os poetas têm esse poder de romper as barreiras entre a realidade nua e crua e o sonho ou a fantasia. Graças aos poetas, o mundo ainda vale a pena ser vivido e sonhado. Graças aos escritores como ela, Rejane Machado, que também é poeta no sentido geral do termo, quando escreve ficção como a que acaba de enviar a minha filha de menos de 5 anos, conforme consta na dedicatória: «Para Mecinha, com beijinhos da tia Rejane.»
Como Mecinha ainda não sabe ler, tão logo recebeu o presente, pediu a seu pai que o lesse. Li, da primeira sentada, duas historinhas: «Lobalo e a Festa da Sardinha» e «A Formiguinha Infeliz». Em seguida, passeio-a à mãe. Dona Mécia, para não cansar a criança, no dia seguinte lê mais duas histórias: «A Tartaruga que Queria Comer Cachorro Quente» e «O Tubarão Malvado». Num outro dia de tarde, sentados à mesa da copa-cozinha, que é onde se reúne a família para as comelanças e então se aproveita para as conversas e até uma boa história, foi quando eu me decidi a ler para Mecinha a última história do livro de Rejane Machado: «O Porquinho Guloso».
Depois da leitura e dos comentários, naturalmente Mecinha procurando mais ação - «e daí pra onde foi o porquinho guloso?» - e eu matutando no humor da historinha - «que noivinho tolo, mas finalmente aprendeu!» - d. Mécia me conta a coisa mais engraçada:
- Ontem, depois que terminei de ler «O Tubarão Malvado», Mecinha ficou olhando o envelope que trouxera o livro como se estivesse pensando algo além da história. foi então que perguntou:
- Mamãe, onde mora a mulher que escreveu tanta história de bicho?
- No Rio de Janeiro.
- É perto daqui?
- Não, minha filha, é bem longe.
Imediatamente, com toda a sinceridade de uma criança, ele exclamou:
- Que pena!
Acho que este foi o maior elogio às histórias de Rejane Machado, partindo de uma ouvinte, futura leitora.
Rejane escreve com simplicidade e humor, o que dá uma abertura enorme para seus «causos» de bichos. Não preciso dizer mais nem mostrar, mesmo porque o espaço de jornal é muito pequeno.
É preciso dizer também que, depois da leitura da história da formiguinha, fomos assistir a um filme também sobre «formiguinhas» e foi um barato. Começa que a gente nem ia assistir a filme de formiguinha nenhuma. Entramos foi meio baratinados no «Teresina Shopping», onde há três cines, e compramos o bilhete que valia pra qualquer um dos filmes. Mas, ao passar em frente ao cinema onde estava passando o filme da formiguinha, tive que entrar, por insistência dela, Mecinha, e vê-lo até ao fim.
Ela ficou muito satisfeita.
Já há tempos ninguém tinha sossego, por causa de suas caçadas no jardim, atrás de embuás (gongolôs), lagartas, lagartixas, calangos, cavalos-de-pau, gafanhotos, louva-deus e até pequenas aranhas e quantos outros insetos possam aparecer nas paredes, na calçada, nos canteiros de flores...
Recentemente estivemos em Salvador, e sabem qual foi o seu primeiro desejo? Conhecer o Zoológico.
- Mas nós já estamos no Zoológico, filha.
- Não, papai, eu quero ver é os macacos de verdade.
- Tá bom.
Fomos e passamos meio dia por lá, vendo e conversando com zebras e tigres, preguiças e raposas, tartarugas e cobras, sem esquecer os veados.
Agora, em casa, ninguém tem mais sossego, pois Mecinha quer, a toda hora, brincar com insetos e outros bichos. Fala deliciosamente em possuir gatos, cachorros, cavalos... Achamos que ela, se continuar, irá ser veterinária ou coisa que o valha. É um Deus nos acuda. Ninguém no mundo gosta mais de animais do que ela, está visto.
Mas deixemos Mecinha de lado, por enquanto, e voltemo-nos para a escritora.
Rejane Machado promete outros livros para crianças: «Histórias de Bichos e Gentes» e «O Médico das Flores». O público infantil é virgem e por isto o melhor do mundo. Ele precisa ser formado com boas histórias, não de «exemplo e proveito», mas bem humoradas, bem contadas, para alegrar e adoçar a vida, humanizando a educação, antes que a televisão, com suas xaropadas e gororobas, o envenene. Quem não gosta de festa e de brincadeiras?
Rejane Machado de Freitas Castro é professora de Literatura, com mestrado em Literatura Brasileira pela Universidade Federal Fluminense e doutorado em Filologia Românica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E desde 1958 que colabora com artigos para jornais como o «Diário de Notícias», «Jornal do Brasil» e outras publicações culturais. Na literatura entreou na coletânea de «Contos» (Liv. São José, Rio, 1969) e prosseguiu com «Dimensão das Pedras (Ed. Cátedra, Rio, 1973). É essencialmente contista, mas escreveu um romance, «Informação a um Desconhecido», que espera ser publicado brevemente por editora carioca. Uma curiosidade: A apresentação ou prefácio é meu, o que não acrescenta nada ao livro mas aumenta nossa amizade.
Na literatura, como na vida, existem coisas gratificantes assim.
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*Francisco Miguel de Moura é escritor brasileiro, mora em Teresina.