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Artigos-->ESTUDO ACERCA DA PROSOPOPÉIA DE BENTO TEIXEIRA. -- 24/03/2005 - 11:02 (Jayro Luna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Texto adaptado do capítulo II.1. da minha dissertação de Mestrado “Retórica da Poesia Épica Brasileira: De Bento Teixeira a Sousândrade”. São Paulo, FFLCH/USP, 1997.



Quando se fala em Bento Teixeira, em geral, citamos a informação de ser o primeiro escritor a publicar livro na literatura brasileira e iniciador do período que chamamos de Barroco no Brasil. É o que fez, por exemplo, Ferdinand Wolf em seu O Brasil Literário, publicado em 1863, que a respeito de Bento Teixeira diz:



"Bento Teixeira Pinto, nascido em meados do século XVI em Pernambuco, passou por ser o mais antigo poeta brasileiro em língua portuguesa, embora se não conheça mais do que o título de uma de suas publicações, A Prosopopéia, escrita em oitava rima e dedicada a seu compatriota e amigo, o governador de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho. Esta poesia, hoje muito rara foi impressa em Lisboa por Antônio Álvares em 1601, com a Relação do Naufrágio (...) que fez Jorge Coelho vindo de Pernambuco em a nau Santo Antônio em o ano de 1565."

(WOLF, Ferdinand. O Brasil Literário.p.24-25)







Ferdinand Denis no seu Resumé de l Histoire Littéraire du Portugal suivi du Resumé de l Histoire Littéraire du Brésil (Paris, 1826), uma das primeiras obras de História da Literatura Brasileira, já considerava Bento Teixeira o nosso primeiro poeta (p.529).

Oliveira Lima em Aspectos da Literatura Colonial Brasileira (Leipzig, 1896), coloca também Bento Teixeira como iniciador de nossa literatura, mas acrescentando um juízo de valor menor à obra do poeta. Oliveira Lima julga o período até o século XVIII, como uma contribuição pouco menos que nula (p.40 e p.61).

A História da Literatura Brasileira, de José Veríssimo, coloca a obra de nosso primeiro poeta como já contendo o gérmen de um sentimento nativista:



"O germe nativista de que a Prosopopéia, de Bento Teixeira, ao expirar do século XVI, é já o primeiro indício e a Ilha da Maré, de Botelho de Oliveira, no final do século XVII, um mais visível sinal, gérmen desenvolvido, podemos dizer nutrido, do calor bairrista de Rocha Pita, e relevado nos poetas do fim do século XVIII, completa com a primeira geração romântica a sua evolução. E resulta da índole claramente nacionalista, mas ainda, patriótica, da literatura de após a Independência."

(VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. p.6-7)





Afrânio Coutinho observa que os autores que colocam o início de nossa literatura como sendo a publicação de Prosopopéia, em 1601, pertencem a uma corrente crítica, a que chama Coutinho de "Fonte Nativa", ou seja, nacionalista, buscando ver em todas as produções escritas do passado, o que elas têm de representante de uma literatura nacional, incluindo aí nessa corrente os dois franceses citados acima, Wolf e Denis. Em oposição haveria a "Tese Portuguesa", que colocaria no máximo em Gregório de Matos o início de uma literatura brasileira, havendo autores que a colocam em Cláudio Manuel da Costa, como o fez Almeida Garrett:



"Mui distinto lugar obteve entre os poetas portugueses desta época Cláudio Manuel da Costa: O Brasil o deve contar seu primeiro poeta [em "antiguidade", acrescenta em nota de rodapé], e Portugal entre um dos melhores."

(GARRETT, Almeida. Parnaso Lusitano, Paris, 1826, pp.53-54)



Acrescenta Coutinho que a questão só ficou razoavelmente resolvida com a obra de Sílvio Romero, em 1888. Sílvio Romero vem concordar com a cronologia de Ferdinand Wolf e dos românticos brasileiros, como Gonçalves de Magalhães.

Ao lado da questão de colocar Bento Teixeira como marco inicial ou não da Literatura Brasileira, havia a questão de se definir a autoria da Prosopopéia, o que parece hoje definitivamente solucionada, e também a questão sobre o local de nascimento do poeta, o que como já vimos na citação de Ferdinand Wolf, seria ele natural de Pernambuco, hoje é dado como certo que tenha nascido no Porto, por volta de 1561.

Sofrendo a família perseguições por parte da Santa Inquisição por motivo de prática de judaísmo, ao Brasil chegaram em 1567, sendo o menino Bento ainda muito criança. Era filho de Manuel Álvares de Barros, cristão-novo e Lianor Rodrigues, cristã-nova. Depois de passarem pelo Espírito Santo e Rio de Janeiro, veio a perder os pais na Bahia, por volta de 1579. Casou-se com Filipa Raposa, cristã-velha em 1583, e em 1584 estabeleceu-se como professor de retórica em Olinda. Em 1588, por motivos financeiros, transfere-se para Iguaraçu. A esposa começou a traí-lo e acusava-o de "mau cristão e judeu" . Sendo acusado de blasfêmia, foi a auto-de-fé em 31/07/1589, conseguindo a absolvição. Voltou para Olinda. Em 1594 matou a esposa devido a adultério e sendo também levado a processo por judaísmo. Em 1599, confessou e abjurou o judaísmo, obteve liberdade condicional, mas morreu ainda na prisão em julho de 1600. A Prosopopéia, publicada em Lisboa, pelo livreiro Antônio Ribeiro, recebeu do próprio editor o seguinte julgamento crítico: "algumas rimas de ânimo mais afeiçoado, que poético." Só em 1872, Varnhagen descobriu um exemplar do poema na Biblioteca Nacional de Lisboa, e, no mesmo ano, Ramiz Galvão, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, quem também promoveu a reedição, em 1873, colocando no seu julgamento crítico "que não é grande o mérito poético da Prosopopéia". Sílvio Romero viu no poema a primeira manifestação de nacionalismo literário "que nunca mais a pátria haveria de abandonar" , além de "uma censura aos reis descuidados e inúteis, cousas que se folga de encontrar no mais antigo poeta nascido no Brasil." Foi com base nos seguintes versos, ao que parece, que Romero fez tal julgamento:



"Mas quem por seus serviços bons não herda,

Desgosta de fazer cousa lustrosa,

Que a condição do Rei que não é franco,

O vassalo faz ser nas obras manco."

(estrofe XX)



Posteriormente José Veríssimo deixou a Bento Teixeira apenas a colocação de primeiro poeta, mas Afrânio Peixoto chegou a colocar que a obra tem versos, como os da estrofe LXXXVII, em que existe tal sublimidade que "bastam para fazer da Prosopopéia mais do que um canto bastardo camoniano" ("Prefácio" em Bento Teixeira, Prosopopéia, 1923, p.15)

J. Galante de Sousa afirma concordar com Antônio Soares Amora, que via no poema forte influência camoniana e um documento para o estudo da épica portuguesa. Galante ainda acrescenta:



"Concordamos com Antônio Soares Amora, quando denuncia o defeito de visão crítica que somente tem enxergado no poema a descrição do Recife de Pernambuco, como se nessa parte residisse o tema de maior interesse da Prosopopéia. Aquelas quatro estrofes, à força de serem consideradas documento do carinho do poeta para com o Brasil, tornaram-se página antológica, em prejuízo do exame de outros aspectos, como a concepção heróica ou épica que sugeriu e instruiu a criação do poema e lhe ditou toda a sua orgânica; as fontes do poema, episódicas e poéticas; a posição do autor em face d Os Lusíadas (poema no início de sua carreira de influências) e em face doutros modelos, antigos e contemporâneos. "

(SOUSA, J. Galante. Em Torno do Poeta Bento Teixeira.p.25)





O poema de Bento Teixeira é composto por 94 estrofes em oitava rima, que pode, em linhas gerais, serem assim apresentadas:

Proposição (estrofe 1);

Invocação (estrofes 2-6);

Narração (estrofes 7-16);

Descrição do recife de Pernambuco (estrofes 17-21);

Canto de Proteu (est.22-92);

Fala de Netuno (estrofe 93);

Epílogo (estrofe 94).



O poema tem como herói principal Jorge D Albuquerque Coelho, governador de Pernambuco, a quem inclusive o poema é oferecido. Desse modo o fato não tem distância histórica em relação ao poeta, o que contraria uma das regras clássicas com relação à produção de poemas épicos, que tomam como modelo o fato de Homero ter escrito seus poemas sobre fatos ou lendas que teriam ocorrido 400 anos antes, apontando assim que o narrador não deve estar envolvido com os acontecimentos que narra, tem que demonstrar distanciamento e manter uma isometria formal e, ao nível de sua narração, uma constância no ritmo de seu canto.

Jorge D Albuquerquer Coelho era irmão de Duarte Coelho, filhos de Duarte Coelho, que vindo de Portugal, expulsou os franceses da região e se casou com D. Beatriz, mãe do herói e do irmão. Com a ajuda do tio Jerônimo de Albuquerque lutam os irmãos contra os indígenas na região. Derrotados os índios, os irmãos partem para Portugal, para lutar contra os árabes, porém, sofrem naufrágio, atribuído no poema a Vulcano, considerado o pai dos índios, após invadir e dominar com artimanhas o reino de Neptuno. Com astúcia conseguem superar o naufrágio e chegando a Lisboa, visitam templos e partem com D. Sebastião para a batalha de Alcácer-Quibir, Jorge dá a Dom Sebastião seu cavalo para que escape dos mouros. Os dois irmãos caem prisioneiros dos árabes. Duarte morre e Jorge, após conseguir fugir dos mouros, retorna ao Brasil, agora como único herdeiro da capitania de Pernambuco.

O que podemos desde já destacar é que o herói do poema é natural do Brasil, ao contrário das épicas do período seguinte literário, o Arcadismo, em que os heróis dos poemas são portugueses. É evidente, porém, que Basílio da Gama e Santa Rita Durão apresentam um indianismo complexo e suficiente até para fazer sombra aos feitos de seus heróis principais, veja-se o caso de Cacambo, p.ex., enquanto que em Bento Teixeira, os índios são somente os bárbaros a que se deve fazer frente. A esse respeito, sobre o caráter do herói, escreve Anazildo Vasconcelos:



"Quanto à questão da brasilidade, a Prosopopéia adota a ótica cultural do colonizador na estruturação do relato, alienando a sintonia histórico-cultural do Brasil com o mundo. A descrição do Recife figura como um cenário à margem do relato, o índio, mencionado ocasionalmente, é o barbaro que precisa ser domado. O herói proposto é o colonizador, e seus feitos estão espacial e temporalmente afastados da realidade do colonizado. O fato de ser governador de Pernambuco não é explorado, pois isso não constitui atributo heróico do personagem que desenvolve a ação guerreira na luta pela independência de Portugal."

(DA SILVA, Anazildo Vasconcelos. Formação Épica da Literatura Brasileira. p.26)



Em Confissão, Poesia e Inquisição, Luiz Roberto Alves faz um trabalho sobre as circunstâncias do processo da Santa Inquisição contra Bento Teixeira e procura demonstrar que o poeta seria um representante típico do intelectual brasileiro , que em diversos momentos de nossa história teve que se ajeitar entre as contradições do sistema político e produzir a obra possível, como, p.ex., lembramos agora de um exemplo de nossa época, fez Chico Buarque ao assinar como autores de sua música uns certos Julinho de Adelaide e Leonel Paiva. Nesse sentido Luiz Roberto Alves nota que a fala de Proteu tem semelhança com a fala de um réu do Santo Ofício fazendo sua confissão:



"Tal desenvolvimento do foco narrativo, repetimos, lembra e se reforça mutuamente: poema/confissão. Identicamente ao réu do Santo Ofício, Proteu inicia o seu discurso convencendo-se e procurando convencer sobre a verdade do discurso em ação. Veja-se a estância XXIV. Aliás, ninguém melhor para descobrir as veredas acomodadas do que aquele capaz de se metamorfosear; só pode falar a verdade quem (se) muda; só o mutável pode chegar a uno. Até o Albuquerque profetiza o valor da mudança, e isto na estância LIX."

(ALVES, Luiz Roberto. Confissão, Poesia e Inquisição. p. 142)





Na estrofe XXXV vemos que o poeta pode estar se referindo também à sua própria sorte, ou só podemos ler ali os feitos de seus heróis dentre os quais a morte de Duarte e o desaparecimento de D.Sebastião? É interessante notar que enquanto Camões canta os feitos do herói de uma jovem nação, como diz Alves, "recebedora da obediência de Netuno e Marte"(p.142), Teixeira produz um poema em que procura "dar forma a lances da individualidade problematicamente sintonizada com um contexto sócio-hierárquico."(p.142-143):



"Ó Sorte tão cruel, como mudável,

Por que usurpas aos bons o seu direito?

Escolhes sempre o mais abominável,

Reprovas e abominas o perfeito.

O menos digno fazes agradável

O agradável mais, menos aceito.

O frágil, inconstante, quebradiça,

Roubadora dos bens e da justiça."

(estrofe XXXV)



O poema de Bento Teixeira já abre com uma pequena novidade, o poeta recusa as musas da tradição em favor de uma inspiração de fonte católica, o que segundo Anazildo Vasconcelos é só um jogo retórico. Observemos, porém, que o poeta deve realmente ter utilizado e muito dos seus conhecimentos de retórica, tendo em vista a sua situação real, sempre de tensão, provocada pela Santa Inquisição.



"As délficas irmãs chamar não quero

Que tal invocação é vão estudo;

Aquele chamo só, de quem espero

A vida que se espera em fim de tudo.

Ele fará meu Verso tão sincero,

Quanto fora sem ele tosco e rudo,

Que por razão negar não deve o menos

Quem deu o mais a míseros terrenos."

(estrofe II)

E se foi um jogo retórico a abertura, como toda a estrutura do poema ao cantar os feitos do governador da capitânia em defesa do império português, podemos também ver que foram os feitos de um herói nativo do Brasil em defesa do império português, o que já é suficiente para propor polêmica dentro de uma corte como a portuguesa:



"Que eu canto um Albuquerque soberano

Da fé da cara Pátria firme muro

Cujo valor, e ser, que o Céu lhe inspira

Pode estancar a Lácia e Grega lira"

(estrofe I)





É difícil e problemático afirmar que Albuquerque seja brasileiro, se esse adjetivo pátrio designar um sentimento de apreço e de identificação com a terra. Albuquerque era um português nascido na colônia, mas se por um lado isso representa uma nacionalidade deslocada em relação ao Brasil, também para o português, Albuquerque não é plenamente um lusitano. Observa o professor Anazildo que o modelo camoniano se faz presente na mudança de voz na narração, pois em Camões, Vasco da Gama vem narrando até encontrar Adamastor, o gigante passa então a assumir a narração, sendo que o navegador só recobra a narração no final para encerrar o episódio. Em Bento Teixeira, o poeta abre o poema, logo dá a palavra a Proteu, que conta os feitos de Albuquerque, retomando Teixeira a narração só no final para encerrar o poema.

Acrescenta ainda o professor Anazildo uma análise breve de como o poeta se utilizou da mitologia grega:



"Bento Teixeira, não recebendo uma matéria épica pronta, processada ao nível do real por uma aderência mítica, tenta completá-la literariamente, lançando mão da mitologia pagã clássica. O esforço é inútil, pois a mitologia pagã clássica, esvaziada como linguagem mítica em face da cristianização do mundo, era então incapaz de desrealizar um fato histórico do século XVI. A utilização dos deuses para a criação do cenário mítico em que se dá a fala de Proteu, constitui um recurso retórico apenas, e não integra o personagem, que, despojado da condição mítica, impossibilitado de agenciar o maravilhoso, não alcança a qualificação épica do herói."

(SILVA, Anazildo Vasconcelos. Formação Épica da Literatura Brasileira. p.24)



Enquanto o professor Anazildo refere-se à utilização de personagens da mitologia pagã clássica como um mero recurso retórico, dando assim um sentido pejorativo, nós entendemos que é justamente aí que reside o grande mérito do poema. Em Camões as figuras mitológicas apresentam-se a todos os personagens que se envolvem na ação, como é o caso do gigante Adamastor ou das ninfas na Ilha dos Amores, seguindo o poeta luso os passos dos clássicos, afinal Ulisses e seus navegantes enfrentaram Polifemo e também tiveram encontros com a feiticeira Circe, bem como um momento de descanso numa venturosa ilha. Em Bento Teixeira, o poeta é o único a tomar contato com as divindades mitológicas diretamente, sendo por isso uma experiência individual. O poeta aqui aproxima-se da figura do profeta, que ouve a revelação e comunica posteriormente ao seu povo.

No poema de Bento Teixeira a fala de Proteu soa como uma profecia, os verbos colocados no futuro do presente descrevem a ação dos heróis como se elas ainda não tivessem acontecido, sendo o poeta aquele que ouve a revelação. Por esse aspecto o poema do judeu/cristão-novo tem algo da forma de uma centúria do judeu/cristão-novo Michel de Nostradamus . Eis aí um outro artifício retórico, no qual o poeta constrói um poema como se fosse uma profecia ditada por uma divindade pagã sobre o herói de um reino cristão, tendo, porém, o poeta invocado o Deus cristão para bem escrever seus versos. Lembremos que o dom de profetizar era considerado pela Santa Inquisição como prática de bruxaria, motivo que se comprovado, poderia levar o réu à morte pela fogueira. Bento Teixeira apresenta-nos um poema que permite, sob esse aspecto, uma interpretação tão ambígua quanto a negação de Galileu Galilei no tribunal da Santa Inquisição.

O fato de somente o poeta tomar contato na narração com o séquito de divindades mitológicas faz com que a estória narrada passe necessariamente pelo estilo de seu narrador, afinal quão diferentes se mostram os mesmos acontecimentos da vida de Jesus narrados pelos diferentes apóstolos.

Bento Teixeira, que abre o seu poema com uma invocação cristã, no entanto, entrega a narração dos feitos de seu herói a uma entidade pagã. É como se reconhecesse, em concordância com antecedência de quase um século com Boileau, que o épico verdadeiro não pode ser um épico cristão, primeiro porque, como diz Boileau, "Os mistérios terríveis da fé de um cristão não são susceptíveis de ornamentos alegres. O Evangelho só oferece ao espírito, por todos os lados, penitência que deve ser cumprida e tormentos merecidos. E a mistura criminosa das ficções dos senhores dá o ar da Fábula mesmo às verdades do Evangelho."(BOILEAU, Poética.p.47).

Ressalte-se, no entanto, que a obra de Dante e a de Milton confirmam a existência de uma linha épica cristã a trabalhar sobre mitos cristãos que foi, no entanto, ignorada por Boileau. A Divina Comédia e O Paraíso Perdido trabalharam com mitos cristãos em grau diverso de Tasso (Jerusalém Libertada) e de Ariosto (Orlando Furioso) que, por sua vez, fizeram da ação de seus heróis elemento de confirmação do poder da fé cristã. A Prosopopéia só faz uma invocação cristã, é um poema sobre um nobre a defender a coroa portuguesa e não o reino de Deus.

Além disso, seria ainda menos crível que o poeta recebesse a narração dos fatos por meio de algum santo, o que igualaria o poeta a um ser bem-aventurado. Em termos de época barroca e sobre a égide da Santa Inquisição, não seria uma estratégia boa e só nesse ponto concordamos com o efeito retórico aludido por Anazildo Vasconcelos, porém não se resume apenas numa saída elegante para uma fraca matéria épica, mas, sim, uma solução retórica para uma questão jurídico-religiosa, como também uma saída pela palavra poética sob um regime de opressão de idéias e, nesse ponto concordamos também com Luiz Roberto Alves, para quem o poeta Bento Teixeira assemelha-se aos intelectuais brasileiros que tiveram que arranjar meios estilísticos para dizerem o que queriam dizer em época de regime ditatorial.

Quanto aos índios, Bento Teixeira coloca-os como descendentes de Vulcano, deus a intentar contra os irmãos Jorge e Duarte, convencendo Netuno de permitir um naufrágio.



"Porque Lémnio cruel, de quem descende

A Bárbara progénie e insolência,

Vendo que o Albuquerque tanto ofende

Gente que dele tem a descendência,

Com mil meios ilícitos pretende

Fazer irreparável resistência

Ao claro Jorge, varonil e forte,

Em quem não dominava a vária sorte."

(Estrofe XLV)

Vulcano é um deus da mitologia grega e colocando os índios brasileiros como seus descendentes está inserindo os bárbaros, tratados com desprezo no poema, ao lado de personagens com genealogia na esfera da tradição clássica. Assim o modo como o poeta coloca os índios no poema, se nos baseamos apenas nos acontecimentos narrados pelo poema, refletem um anti-indianismo, por outro lado e o espírito barroco sempre tem um outro lado, o simples fato de inscrever Vulcano como pai da raça indígena, não se deve somente a uma alusão à cor da pele dos selvagens tropicais em relação ao deus do fogo, mais que isso, é a inserção de um país, sem tradição, sem ainda nenhum caráter nacional, mera colônia rude e selvagem, no âmbito da tradição literária, diferenciando os índios da terra em relação aos colonizadores, mas igualando-os por inscrevê-los dentro da mesma esfera mitológica.

No início da fala de Proteu, vemos que o pai de Jorge e Duarte Coelho, o primeiro governador da capitania e fundador de Olinda, Duarte Coelho (pai) tratou os índios com vistas à catequização e como conseguiu expulsar os franceses.



"O braço invicto vejo com que amansa

A dura cerviz bárbara insolente

Instruindo na Fé, dando esperança

Do bem que sempre dura e é presente;

Eu vejo com rigor da tesa lança

Acossar o francês, impaciente

De lhe ver alcançar uma vitória

Tão capaz e tão digna de memória."

(estrofe XXVIII)

Notemos a exploração da polissemia da palavra "dura" - “dura cerviz bárbara / bem que sempre dura”. Efetivamente Duarte Coelho buscou a simpatia dos chefes indígenas da região, foi após a paz conseguida com as tribos da região que a capitania prosperou, notadamente na lavoura de cana-de-açúcar.



"O primeiro grande problema da capitania de Pernambuco foi naturalmente a indiada. Duarte Coelho, inteligentemente, procurou captar a amizade dos mais influentes chefes indígenas como Itabira, Itagibe e o famoso Uiraubi (depois Arcoverde)."

(SOUTO MAIOR, A. História do Brasil. p.57)

Já os irmãos Jorge e Duarte Coelho são apresentados no poema como tendo sido mais duros com os índios, adotando política semelhante à do alcorão - converta-te pela fé ou pela espada -, terminando por dominar os indígenas completamente, povo de quem Bento Teixeira diz que não sobrarão mais memórias do que as que ele escreve.



"O Princípio de sua primavera

Gastarão seu distrito dilatando,

Os bárbaros cruéis e gente Austera,

Com meio singular, domesticando.

E primeiro que a espada lisa e fera

Arranquem, com mil meios d amor brando,

Pretenderão tirá-la de seu erro,

E senão porão tudo a fogo e ferro.



Os braços vigorosos e constantes

Fenderão peitos, abrirão costados,

Deixando de mil membros palpitantes

Caminhos, arraiais, campos juncados;

Cercas soberbas, fortes repugnantes

Serão dos novos Martes arrasados,

Sem ficar deles todos mais memória

Que a qu eu fazendo vou nesta História."

(estrofes XXX-XXXI)

Felizmente não vingou essa profecia do poeta. Bento Teixeira, apesar do episódio da descrição dos recifes de Pernambuco, demonstra insensibilidade para com os índios, contrabalançando uma eventual demonstração de apreço pela terra com um sentimento de desprezo pelo nativos dessa mesma terra. No entanto, a colocação de Vulcano como pai dos índios é literariamente já um ponto a descontar no saldo negativo com que ele via a colônia.

Na estrofe em que Vulcano invade os mares, vemos como o poeta domina o procedimento barroco de colocar antíteses. Vulcano, o deus do fogo, dominando o Reino de Netuno, deus dos mares. Aqui o sentido lúdico mostra-se mais claramente pela expressão "novo jogo". Vulcano buscará com "palavras tais", "as quais procurará por em efeito" para conseguir de Netuno "mostras d amor brando e aceito". Ou seja, é a alusão à própria retórica, arte do convencimento, da eloqüência.



"Estas palavras tais, do cruel peito,

Soltará dos Ciclopes o tirano,

As quais procurará por em efeito,

As cavernas descendo do Oceano.

E com mostras d amor brando e aceito,

De ti, Netuno claro e soberano,

Alcançará seu fim: o novo jogo,

Entrar no Reino d Água o Rei do fogo."

(estrofe LIV)



No final do episódio, após o herói Jorge conseguir com entusiasmado discurso levantar os brios dos marinheiros e assim superarem a dureza do mar, o jogo de contrários surge para demonstrar a derrota de Vulcano.



"À cidade de Ulisses destroçados

Chegarão da Fortuna e Reino salso,

Os Templos visitando Consagrados,

Em procissão, e cada qual descalço.

Desta maneira ficarão frustrados

Os pensamentos vãos de Lémnio falso,

Que o mau tirar não pode o benefício

Que ao bom prometido o Céu propício."

(estrofe LXVIII)

Observemos o jogo de ambigüidades extraído da sintaxe. 1-Os heróis (sujeito oculto) chegarão destroçados pela Fortuna (deusa da boa ou má sorte). 2-O nome próprio "Ulisses" é invariável em número, daí podemos subentender "os Ulisses destroçados" chegarão como chegou Ulisses às praias de Ítaca, náufrago. 3-Os heróis (suj.oculto) visitarão os templos em procissão descalços. Logo vemos nesse "descalços" mostra de devoção cristã, no entanto, lembremos que eles chegaram destroçados, portanto, podemos subentender, descalços também. Ou seja, estar descalço é decorrência do mau fado, da devoção, ou de ambos? 4-Por fim, a antítese exemplar: o mau (substantivo) não consegue tirar nada de bom (em benefício próprio) do bem (substantivo), estando o benefício (algo bom) prometido a quem é bom (adjetivo).

A crítica desde Varnhagen tem visto no poema um mero poema laudatório à exceção, talvez, somente de Afrânio Peixoto e Sílvio Romero. Mas o poema tem elementos a demonstrar uma habilidade retórica em favor de um poeta em difícil situação política.

Atentemos como surgem as figuras mitológicas do poema. Onde estando o poeta só na praia, já ao fim da tarde, presencia o surgimento de um estranho espetáculo, figuras mitológicas e monstruosas surgem do mar e se dirigem à praia em volta do poeta. O fato aparentemente apenas mágico, maravilhoso, é também de múltiplas significações. O surgir do mar também se refere a surgir de um tempo remoto e se como diz o poeta na invocação: "As délficas irmãs chamar não quero/ Que tal invocação é vão estudo"(est.II), agora o poeta presencia a visão da existência das figuras mitológicas. Recurso para dar ao poema um tom épico, inscrevendo o maravilhoso pagão? Pode ser, mas pode também ser uma metáfora de sua situação de cristão-novo, como era a de muitos na colônia, tendo de negar suas crenças e assumir incondicionalmente o catolicismo. No poema o poeta abre negando a validade da mitologia clássica, mas ela surge do mar e assume a voz da narração:



"Tudo estava quieto e sossegado

Só com as flores Zéfiro brincava (...)

Quando ao longo da praia, cuja área

É de marinhas aves estampada (...)

Do mar cortando a prateada veia

Vinha Tritão em cola duplicada (...)

Se sentou numa pedra cavernosa (...)

Toca a trombeta com crescido alento."

(est.7-10)



"E Netuno gemer no mar profundo.

O qual vindo da vã concavidade,

Em Carro Triunfal, com seu tridente,

Traz tão soberba pompa, e majestade,

Quanto convém a Rei tão excelente.

Vem Oceano, pai de mor idade,

Com barba branca, com cerviz tremente,

Vem Glauco, vem Nereu, Deuses Marinhos

Correm ligeiros Focas, e Golfinhos.



Vem o velho Proteu, que vaticina

(se damos à velha antiguidade)

Os males a que a sorte nos destina,

Nascidos da mortal temeridade.

Vem numa, e noutra forma peregrina,

Mudando a natural propriedade,

Não troque a forma, venha confiado

Senão quer de Aristeu ser sogigado.



Tétis, que em ser formosa se recreia,

Traz das Ninfas o coro brando, e doce,

Climene, Efire, Opis, Panopéia,

Com Beroe, Tália, Cimodoce,

Drimo, Xanto, Licórias, Deioêa,

Aretusa, Cidipe, Filodoce,

Com Eristéia, Espio, Semideas,

Após as quais cantando, vêm Sereias."

(est.12-15)





Notemos a habilidade de Proteu em mudar de forma e sua relação com o jogo retórico. Portanto, extrair múltiplas significações da fala de Proteu é já algo sugerido pela figura deste narrador -"o velho Proteu, que vaticina" / "Vem numa, e noutra forma peregrina" / "mudando a natural propriedade".

A seguir faz o poeta a descrição da praia, a famosa descrição dos recifes de Pernambuco. Na descrição, ao explicar a origem do nome "Pernambuco", o poeta utiliza conhecimentos da língua indígena e na estrofe seguinte o poeta, sutilmente, critica a pouca atenção da coroa com a capitania, quando reclama um forte para a proteção da baía.



"Em o meio desta obra alpestre dura,

Uma boca rompeu o Mar inchado,

Que, na língua dos bárbaros escura,

Pernambuco de todos é chamado.

De Paraná, que é Mar; Puca, rotura,

Feita com fúria desse Mar salgado,

Que, sem no derivar cometer míngua,

Cova do mar se chama em nossa língua.



Pera entrada da barra, à parte esquerda,

Está uma lajem grande e espaçosa,

Que de Piratas fora total perda,

Se uma torre tivera suntuosa.

Mas quem por seus serviços bons não herda

Desgosta de fazer cousa lustrosa,

Que a condição do Rei que não é franco

O vassalo faz ser nas obras manco."

(estrofes XIX-XX)



Depois de acomodados os deuses, ordena Netuno que Proteu profetize. E durante a fala de Proteu, vez por outra, o poeta retorna para nos falar do modo com que Proteu narra suas profecias, como na estrofe XLIII ou na estrofe LXXIII:



"Um pouco aqui Proteu, como confuso

Estava receando o grave dano,

Que havia de acrescer ao claro Herói

No Reino aonde vive Cimotoe."

(est.XLIII)





"Anteparou aqui Proteu, mudando

As cores e figura monstruosa,

No gesto e movimento seu mostrando

Ser o que há de dizer cousa espantosa.

E com nova eficácia começando

A soltar a voz alta e vigorosa,

Estas palavras tais tira do peito,

Que é cofre de profético conceito: "

(est.LXXIII)





"Proteu confuso", "mudando as cores e figura monstruosa". O duplo sentido da palavra "figura": A configuração, a imagem do próprio corpo de Proteu e/ou a fala retórica de Proteu.

Notemos que são as figuras mitológicas que vêm ao encontro do poeta cá numa praia tropical e não o espírito do poeta que se vê arrebatado a visitar a morada dos mesmos. Podemos dizer que o poeta ao mandar uma corte de deuses mitológicos para uma praia brasileira estava inserindo nossa terra entre as possibilidades de cenário poético na forma da tradição.

Aliás, uma das tônicas de uma crítica que olhe o passado com olhos para além do cronológico, do diacrônico, é a capacidade de ver nos escritores antigos elementos que interessem ao tempo contemporâneo, mesmo que tais elementos não fossem objeto do autor, mas estando eles lá, tornam o texto revigorado para uma nova época. É o que supomos entendem Roman Jakobson e Haroldo de Campos como crítica sincrônica . Assim, quando Augusto e Haroldo de Campos apontam nas invenções vocabulares de Sousândrade um procedimento "sintático-ideogrâmico" não estão atualizando o processo criativo do poeta para uma linguagem moderna? O mesmo não faz Luiz Busatto ao ver em Jorge de Lima de Invenção de Orfeu uma "linguagem quase cinematográfica"? Porém ressaltemos: A crítica não deve utilizar-se desse procedimento sincrônico para ver somente o que se quer ver, mas deve sempre pesar os elementos observados dentro do conjunto da obra para atestá-los como válidos. É natural também que cada época acabe por compor um paideuma característico, um recorte próprio do passado, assim, p.ex., as obras dos filósofos gregos tiveram peso e utilidades diferentes na Idade Média e no Renascimento.

Desse modo também ousaremos e fecharemos nosso estudo sobre Bento Teixeira com uma comparação. Cremos nos permite os versos do poeta. Atentemos para os versos finais, em que o poeta encerra seu poema com a descrição da partida dos deuses para o mar ao término da narração de Proteu:



"Aqui deu fim a tudo, e brevemente

Entra no Carro de cristal lustroso;

Após dele as demais Cerúlea gente

Cortando a veia vai do Reino aquoso.

Eu, que a tal espetáculo presente

Estive, quis em Verso numeroso

Escrevê-lo por ver que assim convinha

Pera mais perfeição da Musa minha."

(estrofe XCIV)



Notemos os versos 5 e 6 da referida estrofe: "Eu, que a tal espetáculo presente / Estive..." O poeta conta que toda participação dos deuses, desde a saída deles do mar, aliás, com direito a toque de trombeta por intermédio de Tritão, a acomodação das figuras mitológicas na praia, a narração de Proteu e a fala de Netuno - em que promete que em hinos a posteridade vingará Jorge d Albuquerque Coelho da tempestade sofrida - e por fim, a entrada das figuras no mar compõem o que hoje chamaríamos de um desfile de carnaval com direito a samba enredo (Canto de Proteu), evolução (manobras dos deuses do mar à praia e vice-versa), invocação (pedido de Netuno para que Proteu cante) e um canto de sereias entre outras coisas. Olhemos ainda para o título da obra "Prosopopéia", isto é, a personificação. No Carnaval, as fantasias e os carros alegóricos são personificações de figuras de uma mitologia própria. Os passistas não se fantasiam costumeiramente desde figuras mitológicas a seres inanimados, desde bananas dançantes ao deus do mar, Netuno? Tudo já foi fantasiado na passarela do samba. Assim, temos no Carnaval a alegoria, que é a representação por intermédio da fantasia. Sob essa alegoria uma prosopopéia, que é a personificação de seres inanimados ou conceitos.

Affonso Romano de Sant Anna apresenta uma diferença entre a alegoria de um carnaval parodístico e do carnaval parafrásico. No carnaval parodístico ocorre a crítica e a ruptura da hierarquia, uma relativização dos valores, uma inversão do cotidiano, "fazendo a superposição do sacro e do profano, do velho e do novo" (Paródia, Paráfrase & Cia.p.79), citando como exemplos o bloco dos sujos e dos clóvis. Já o carnaval parafrásico existe um desejo expresso de autenticidade, de evocação da idéia representada.



"No carnaval parafrásico, quando os bailarinos de uma ala de escola de samba desfilam imitando os nobres franceses ao tempo de Luís XV, eles estão levando a sério aquele empreendimento. Todo o esforço é para tornarem-se o mais possível parecidos com o modelo. O mesmo vale para as alas das baianas, dos capoeiristas, dos índios, etc. A intenção é a cópia, a imitação e a mimesis. Mesmo as comissões de frente, que apresentam de smoking, chapéu de coco e bengala, não estão fazendo uma paródia, nem operando um deslocamento. Estão se esforçando por representar a nobreza e a aristocracia do samba, sintomaticamente, à maneira dos senhores brancos, ricos e poderosos. (...)

Por isso, essas escolas de samba, em que pese à exuberância e ao arrebatamento que provoquem no espectador, convertem-se em ilustradoras e dramatizadoras de quadros ideológicos de nosso cotidiano."

(SANT ANNA, Affonso Romano. Paródia, Paráfrase & Cia. p.80)

Nessa nossa ousadia de ver elementos carnavalescos na Prosopopéia, evocamos aqui a capacidade de uma visão carnavalesca do mundo se articular sobre a linguagem do sonho, como é a cena em que Bento Teixeira presencia o cortejo dos deuses marinhos, sendo através desse cortejo que o poeta saberá dos acontecimentos que envolverão a vida do herói de seu poema.



"A percepção carnavalesca do mundo, integrada pela literatura e pela arte, originou produções que, absorvendo a ambivalência do carnaval - seu sincretismo, sua excentricidade -, implicaram uma linguagem estruturada segundo a lógica do sonho. Assim como na cena carnavalesca misturam-se jogo e sonho, discurso e espetáculo, em que se manifestam os interditos e sua transgressão, na carnavalização da linguagem são dramatizadas as palavras."

(FAVARETTO, Celso. F. Tropicália: Alegoria, Alegria. p.93)



Bento Teixeira escreveu o primeiro desfile pagão do Brasil, um desfile de deuses marinhos, pois vindo ao Brasil, só desse modo os deuses gregos poderiam se apresentar, fazendo evoluções e canto na praia. Quis o destino que o primeiro livro da literatura brasileira se assemelhasse em enredo a um desfile de carnaval. É verdade que o carnaval não existia no Brasil como festa popular e tão pouco havia alguma festividade popular representativa do país à época de Bento Teixeira. Gregório de Matos fez alusões à festa do entrudo, mas à época de Bento Teixeira elas deviam ser bem modestas . Porém se pensarmos no significado religioso do carnaval e na situação difícil por que passava o réu-poeta ante a Igreja, veremos que a colocação não é de nenhum modo esdrúxula. O desfile presenciado pelo poeta em sua criação foi uma espécie de sonho maravilhoso, que permitia ao gênio criador colocar um valor épico e, ao mesmo tempo, epifânico na cotidianeidade de uma vida dura e rústica de uma colônia sem maior prazer que a observação passiva da natureza entre os momentos de descanso do constante labor. E foi num desses momentos de descanso, que surgiu diante do poeta o primeiro desfile do país, o bloco de Netuno, deus do mar. Bento Teixeira posiciona-se como Chico Buarque em "A Banda" ou "Vai Passar", isto é, narrador-espectador de um espetáculo alegórico. O título do poema é já uma alusão à retórica, um sinal de que o poema é um jogo, uma brincadeira, com sutilezas e encantamento, como um baile de máscaras, até o desvelar do rosto dos mascarados. Ou como diz a letra do samba-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para o carnaval carioca de 1995:



"Bravos navegantes portugueses

Encontraram o Eldorado Tropical,

Nosso chão.

Rezaram a primeira missa,

Abrindo as portas pra religião.(...)

E aí no meu país em louvação,

Sagrou-se a mistificação,

Com tantas festas e a livre louvação."





FIM



PS.:(faltam as referências bibliográficas... em breve serão colocadas)
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