993300>De repente, dou com meu raciocínio debruçado sobre a seguinte imagem: adentro de um enorme balcão, contemplo uma centena de indivíduos, mulheres e homens, a movimentarem-se entre documentos, telefones e computadores. Uma dúzia deles atende enfadadamente clientes que estão dispostos ao longo de seis filas e os outros, enquanto mexem e remexem tranquilamente em seus utensílios de trabalho, trocam entre si as últimas dengosas impressões sobre o acabado fim de semana.
Todos eles transparecem a convicção de que são senhores absolutos do seu papel e privilegiados conhecedores daquilo que a maioria das pessoas não conhece. Todos eles, também, enformam uma máquina humana que controla, submete e domina os seus semelhantes.
Enfim, uma cambada de presumidos superdotados, que ao nascerem, como eu, nada sabiam do esconso e terrível mundo que depois, ao conhecerem tudo, inconscientemente produzem, à guisa de paradigmas de subtis Pilatos, que sorriem, lavam as mãos e não se sentem publicamente culpados seja do que for. Cumprem apenas seu dever, olham pela vida e vão todos os domingos à missa escutar a cassete da habitual lengalenga dos santos e pecadores.
Outras cambadas, tais como esta, enformam os vértices dos milhões de pirâmides que impõem às bases a sustentação de suas regaladas vidinhas e muitos destes indivíduos, porque não sexualizaram na noite antecedente, têm-se ainda por muito sacrificados e até fazem greves.
Entretanto e deveras, mais de metade da humanidade sobrevive em mísero inferno e perece em caos horrível à fome. Assim e hodiernamente, mais vale não nascer ou, num ápice, sucumbir em mil bocados sob a explosão de uma bomba.
Não é exactamente assim, pois não?!...
António Torre da Guia
O Lusineiro |