Carlos Alberto Di Franco
A formidável cobertura pela imprensa da eleição do papa Bento XVI revela alguns sinais importantes. O primeiro deles, sem dúvida, é a notável unidade dos cardeais. A surpreendente rapidez do processo eleitoral foi um testemunho inequívoco de que João Paulo II, ao longo dos seus quase 27 anos de pontificado, investiu generosamente na construção da unidade da Igreja. A eleição meteórica do então cardeal Ratzinger foi, no fundo, um forte chamado à unidade e à continuidade.
O papa Bento XVI foi descrito por seu antecessor como “íntimo colaborador” e “estimado irmão”. Durante a celebração das bodas de prata episcopais do cardeal Ratzinger, em 20 de abril de 2002, João Paulo II elogiou o serviço prestado por seu fiel colaborador, com o seu “incansável compromisso em benefício da verdade, que conduz os filhos de Deus para a liberdade autêntica”. As palavras do falecido papa, afetuosas e agradecidas, definem bem o perfil do novo papa: um defensor da verdade que conduz à autêntica liberdade.
Bento XVI, à semelhança de João Paulo II, é um brilhante intelectual que aposta na força libertadora da verdade. Na segunda-feira passada (18/4/2005), o então cardeal Joseph Ratzinger, ao celebrar a missa de abertura do conclave, foi claríssimo a respeito do que espera dos católicos: “Ter uma fé clara, segundo o credo da Igreja, é freqüentemente catalogado como fundamentalismo, ao passo que o relativismo, isto é, o deixar-se levar ‘ao sabor de qualquer vento de doutrina’, aparece como a única atitude à altura dos tempos atuais. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que usa como critério último apenas o próprio ‘eu’ e as suas vontades. Nós, ao contrário, temos um outro critério: o filho de Deus, o verdadeiro homem. É ele a medida do verdadeiro humanismo. Não é ‘adulta’ uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é antes uma fé profundamente enraizada na amizade com Cristo. É esta amizade que se abre a tudo aquilo que é bom e que nos dá o critério para discernir entre o que é verdadeiro e o que é falso, entre engano e verdade.”
Alguns, equivocadamente, vislumbram fervores conservadores no pensamento e na ação do novo papa. Desejariam, como escrevi recentemente, um papa que deixasse de ser cristão para ser mais bem aceito? Pretenderiam que, perante o deslizamento do mundo para baixo, com a glorificação de aberrações ideológicas e morais, o papa exercesse sua missão acompanhando a descida, cedendo a tudo e se limitando a belos discursos de paz e amor, e a um ecumenismo em que todos os equívocos se pudessem congraçar, porque ninguém acreditaria mais em coisa alguma, a não ser em “viver bem”?
Num mundo que diviniza a liberdade como único bem, Bento XVI, como teólogo e ex-prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, não se cansou de proclamar que a liberdade, desvinculada da verdade, se deturpa e acaba se transformando em semeadura de egoísmo pessoal e coletivo. Sem o referencial verdade, sem a referência a valores objetivos, a vida social desliza para o relativismo mais completo.
Como o fizeram seus antecessores e, sem dúvida, o farão seus sucessores, Bento XVI se entregará à missão de erguer muito alto o facho da verdade cristã, como luz clara, inequívoca, difícil, mas possível, que oferece o único referencial autêntico pelo qual, mesmo sem o saber, milhões de homens e mulheres anseiam.
Os críticos, poucos, embora inflados por certas orquestras midiáticas, estão na contramão do sentimento da sociedade. Certa vez, Hans Küng, ex-teólogo católico e expoente da minoria contestatária ao papado, foi curiosamente interpelado por um pastor protestante. “Tudo o que o senhor pede para o catolicismo – abolição do celibato, ordenação de mulheres, etc.” –, sublinhou o pastor, “nós já temos. Como é possível, então, que os nossos templos estejam muito mais vazios que as igrejas católicas?” Küng não conseguiu esboçar nenhuma resposta. A realidade dos fatos desnudou a inconsistência das suas teorias teológicas. A onda impressionante de devoção popular em que se transformaram o funeral de João Paulo II e a eleição de Bento XVI, um espetáculo multicolorido e com forte presença jovem que tomou conta do Vaticano, mostra de que lado o povo está.
UM DEFENSOR DA
VERDADE QUE
CONDUZ À AUTÊNTICA
LIBERDADE
Ao contrário do que alguns têm deixado cair, Bento XVI não é uma figura humana rígida e fria. O jornalista J. A. Dias Lopes, ex-correspondente da revista
Veja e atual colunista do jornal
O Estado de S. Paulo, em artigo carregado de sensibilidade, relembra um encontro casual com o então cardeal Ratzinger. “Mostrava-se simpático e agradável. Em nenhum momento me fez sentir diante do prelado que todos afirmavam ser um homem taciturno e implacável, inclusive eu, antes de conhecê-lo pessoalmente.” E concluiu Lopes: “Acredito que Ratzinger, agora Bento XVI, não mudará a Igreja. Preservará as linhas básicas do pontificado anterior, do qual foi coadjuvante. Sendo homem inteligente e culto, além de grande teólogo, deverá ser um bom papa.”
O pontificado de Bento XVI será, estou certo, um testemunho de fé, convicção e coragem. Ao contrário dos que dentro da Igreja Católica cederam aos apelos da secularização, o novo papa sempre acreditou que a firmeza na fé e a fidelidade doutrinal acabarão por galvanizar a nostalgia de Deus que domina o mundo contemporâneo. Acredita que o esgotamento do materialismo histórico e a frustração do consumismo hedonista prenunciam um novo perfil existencial. Na visão do novo papa, o terceiro milênio trará o resgate do verdadeiro humanismo.
Carlos Alberto Di Franco (difranco@ceu.org.br), diretor do
Máster em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e Representante
da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, é
diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda.