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Artigos-->A REVOLTA DA CANETA -- 31/07/2005 - 11:23 (Jeovah de Moura Nunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A REVOLTA DA CANETA







Não gosto muito de falar de mim.

Bom, vocês sabem que isto no fundo é uma mentira. Todos nós gostamos de falar de nós mesmos. Comigo não é diferente. Mas, vejamos: todos sabem que isto significa a exposição de nosso egoísmo, o qual é sempre latente e pronto para saltar no colo do público leitor. Mas, necessário se torna falar de vez em quando de si próprio, uma vez que não temos psicólogos de plantão, em razão sempre da impossibilidade de pagamento. Falar de si próprio acalma nossa vontade e expõe nossos anseios, trazendo também as explicações muito naturais, de nosso comportamento ao escrever. Principalmente, nós que escrevemos. E não escrevemos à-toa. Escrevemos movidos por força maiores. Algo que não controlamos e está além de nossas possibilidades de impedimentos. Muitas vezes fiz esforços para não escrever, mas essa força interior moveu-me de forma indelével para agarrar a caneta e sair dançando com ela no papel, construindo orações e períodos intermináveis.



Meus leitores sabem que não sou tão suave ao escrever. Carrego no meu peito a revolta de um escritor nascido em país errado, onde não se dá valor à cultura do pensamento e sim à cultura do bundalelê. Ora, pensar faz parte da raça. Caso contrário não teríamos um cérebro tão dinâmico. E apesar desse dinamismo existe muita gente por aí com a ferocidade dos trogloditas. No Brasil, a força ainda vence a inteligência. Os trogloditas vencem facilmente na vida, porque este é um país ainda em construção, (até quando não sabemos). Os mãos finas (eu), escritores tentando ganhar a vida, ainda passam necessidades prementes. As editoras não aceitam originais de escritores não consagrados. E julgam antecipadamente a obra do escritor desconhecido: o saco de lixo. Praticam uma espécie de ditadura das mais cruéis. Perdi muitos originais tentando acreditar em editoras, que depois descobri serem safadas.



Enviei, certa vez, os originais de um romance de aproximadamente 500 páginas, para uma conhecida e famosa editora. Nunca mais tive notícias daquele romance. Anos depois, li um artigo no “Estadão” de um conhecido romancista, onde dizia ele com minhas próprias palavras sobre a saga inesquecível na defesa do território brasileiro, na ocasião da invasão do Paraguai. Era o tema de meu referido livro. Isto não teria importância para mim, se o conhecido escritor não fosse a coqueluche da tal editora. Ele era e acho que ainda é subsidiado pela mesma conhecida e famosa editora para a qual tive o azar de enviar meus originais, os quais nunca mais tive notícias deles.



Isto é o Brasil! Não são apenas os políticos que fazem a festa da roubalheira neste país. Os empresários também. E a gente tem que generalizar porque os bons não aparecem. Cadê, por exemplo, as boas editoras? Não sei, nunca vi e nunca tive notícias delas. Se houvessem boas editoras a gente receberia alguma carta pelo menos para dizer: ô escritor idiota! Nós estamos aqui! Venha nos conhecer. Procure-nos!



Mas, não tenho a coragem de procurar. Já fiz isso no passado. Elas são retraídas. Elas se escondem dos escritores. Elas na maioria dos casos são chulas, não gostam do classicismo. Elas especulam. Elas não apreciam escritores pobres. Tem que ter um nome pomposo, procedente de famílias tradicionais. Se vier da pobreza não tem chance. Tanto que as pessoas famosas que não são escritoras, conseguem a façanha de escreverem livros e venderem que nem latas de cerveja em festa de peão. Livros que não dizem nada e falam de assuntos sem a menor importância. Mas, isto os leitores descobrem depois. As próprias bundalelês escrevem livros, sem nunca terem feito um pequeno curso de ortografia, que dirá uma gramática mais profunda. Elas e eles aproveitam apenas a fama que têm para também se “projetarem” no mundo da “cultura”, ganhando mais alguns rios, ou córregos de dinheiro. Somente a História fará seu julgamento daí algumas centenas de anos.



O próprio Paulo Coelho processou, ou está ainda processando, (a Justiça sempre tarda e sempre falta no Brasil), uma editora que teve o mesmo comportamento para comigo, isto é, aplicou o golpe do baú ao não devolver os originais do romance daquele famoso escritor brasileiro. Aliás, foi com o seu primeiro livro “O Alquimista”. Paulo Coelho teve todo o trabalho ingrato de reescrever o famoso romance. E sabemos que reescrever não é igual a escrever. Talvez seja por isso que Paulo Coelho deixou o Brasil e partiu para as grandes, as honestas, as realistas, as que pagam bem e as profundamente éticas editoras do mundo todo, principalmente da França. Já lançou livros até nos países árabes porque tem a certeza de que lá os negócios são sérios, não cheirando a “bundalelês” como em nosso país.



A exemplo de Paulo Coelho também reescrevi meu romance, que não é famoso porque sequer saiu do arquivo em mídia. Nunca foi publicado. De vez em quando aciono o CD e vejo minha heroína pedindo para viver nos livros da vida. Pedindo para ser lida e imaginada pelos leitores. Pedindo para viver a vida que ela vive na cabeça das pessoas. Pedindo para o público conhecer o herói esquecido na distante fronteira, lugar onde antes ainda era território paraguaio. Pedindo para seu amado ser conhecido. Ela pede. Ela grita de dentro do CD e ecoa sonoro em meus ouvidos de escritor frustrado. É terrível este sentimento. É terrível ser brasileiro! E não poderia ser diferente a não ser que eu fosse apenas mais um peão, ingerindo sua cachaça em um bar qualquer. Coisa que já gosto muito de fazer.



É um pouco tarde agora para a publicação desse romance. Tenho-o arquivado a sete chaves em CD. Contudo, a idade avança. Sou um homem fraco. Não tenho uma longevidade de italiano. Reconheço isto. Estou beirando os 61 anos. Caso perceba a presença da dona Morte, destruirei meus trabalhos. Todos eles. Se não pude usufruí-los de suas vidas imaginárias não deixarei que essas ratazanas das editoras tripudiem sobre meus personagens, enchendo suas burras particulares de muito dinheiro. Casos estes, que acontecem regularmente no Brasil.



Com relação a minha família, meus livros não significam nada, posto que ainda não renderam um centavo para o bem-estar dela. Pelo contrário, quatro livros já publicados e pagos pelo meu bolso, sem ajuda de ninguém. Embora tenha material para mais quinze livros, prometi a minha pobre esposa que chegarei apenas ao quinto. O resto será destruído para sempre, tendo em vista que escrever no Brasil é perda de tempo e de dinheiro.



Talvez tenha sido meu nome o culpado de tudo. Sempre imaginei que meu pai bebeu alguns alcoólicos antes de escolher meu nome. Jeovah é um nome que está mais para pastores e padres do que para escritores. Se eu houvesse montado uma religião, estaria hoje podre de rico. Todos nós sabemos que as religiões no Brasil são a maconha, a cocaína e o ópio do povo. Pululam religiões aqui mais do que aguardente. E, no entanto o país não se salva dos ladrões em todos os níveis sociais, principalmente dentro das igrejas.

Daria tudo para meu nome ser pelo menos “André Karalho a Quatro”. Quem sabe vendesse livro adoidado. Mas, agora no fim da vida tenho que levar em frente este nome esdrúxulo e que afinal é uma barra. Serviu até para o meu grandioso desemprego em épocas de pleno emprego.



Mas, acredito em um Pai grandioso de todas as coisas. Grande na Sua essência repleta de bondade. Tanto que surgiu como num passe de mágica a era da informática. Os tempos em que todos nós podemos dar a mão ao redor do planeta. Podemos conversar com qualquer um. A própria barreira da língua vai se afunilando, levando-nos à compreensão da palavra escrita, mesmo sendo uma nova forma de se comunicar. A internet é uma bênção do Alto. Derruba todas as pretensões dos canalhas de plantão em usufruir lucros absurdos na comunicação, quando esta deveria ser grátis, posto que a comunicação é um dom do Filho de Deus na Terra. O que não se podia fazer há alguns anos atrás, hoje podemos. Para nós, os escritores, caiu como uma luva essa nova forma de comunicação. Podemos enviar uma banana para as editoras, as quais estão chocadas com todas essas novidades, que afinal tiram o sono delas. É uma mudança que chegou para ficar. Os anjos celestes (espíritos superiores) trabalharam muito bem nesta nova concepção humana de comunicação. Hoje, posso me sentar numa cadeira em frente à telinha do monitor e escrever versos, artigos, pensamentos para o mundo inteiro. Coisa imediata. Sem a demora de intermináveis revisões, porque o próprio computador faz a revisão na hora. Tudo que aprendi nas escolas do passado caiu no abismo da iniqüidade, porque no hoje não existem abismos, existe apenas uma escalada infinita no rumo de um futuro, que parece ter pressa de chegar, porque sem dúvidas alguma coisa vai acontecer de grandioso mais para frente.



...descem lágrimas de meus olhos quando escrevo tais coisas...



E fico feliz com isso porque escrevo com muita paixão. Tenho muita paixão no que faço. Escrever é minha vida. Se pudesse escreveria o dia inteiro. Tenho plena certeza que depois de deixar este pobre corpo velho, vou escrever bastante através de um médium psicográfico. As pessoas não se livrarão de mim tão fácil! E vou querer um médium psicográfico que conheça muito bem a prática da antiga datilografia, porque escrevo direto no teclado do computador com muita rapidez, visto que não se pode perder o próximo pensamento que ameaça surgir.



Tão diferente do tempo da caneta.

Por falar nisto, lembrei-me do Doutor Kaneta. Hoje decidi colocar a história do Doutor Kaneta na Usina. Ela está em meu livro “Memória de um camelô”. É a última do livro que vou colocar aos leitores da Usina. Afinal, preciso vender o livro! Entendem!



Pois é, usineiros, carrego em meu peito muita revolta pelo que já passei, nestes últimos quarenta anos como escritor. Sem chance, sem oportunidades, com o agravamento de ser nordestino pobre, vivendo em meio ao enorme orgulho dos paulistas. Hoje repasso essa revolta aos livros publicados e nos originais de livros a publicar. Não é por querer. A coisa sai assim espontânea, sem viver o sentimento de revolta. Somente depois que vou ler o texto é que descubro a revolta. Quantos e quantos textos tive que destruir, face à enorme discrepância do assunto encetado.



Quanto aos meus livros não me importa mais se serão ou não vendidos. Se serão ou não publicados. Só me arrependo de uma coisa: ter sacrificado a minha família, investindo em meus livros, ao invés de investir na minha família. Será que eles já me perdoaram? Não sei. O que sei é que não perdoarei à cultura brasileira fajuta por isto. Se pelo menos as bocas dos cinco mil e tantos secretários de culturas municipais, dezenas de secretários de culturas estaduais e esse ministro da cultura, que mais parece um boneco polichinelo, se pelo menos as bocas dessa gente se calasse ainda teríamos um pouco de dignidade com a cultura. Mas eles mentem DESCARADAMENTE! Mentem VERGONHOSAMENTE! Fazem a cultura deles, elitizada e sem o acesso do público mais humilde.



É em razão dessas coisas que a revolta cresceu dentro de mim e passou para a caneta. Não me orgulho de ser um escritor revoltado, mas também não me envergonho disso. Porque isso tem uma causa e todos nós convivemos com essas causas.

Quando cheguei em São Paulo em 1953 fui morar no interior. Conheci os preconceitos e as discriminações dos paulistas. Em São Simão fomos praticamente expulsos da cidade por sermos nordestinos. Em Jaú conheci a discriminação racial. Negros e brancos não se misturavam. Havia, nos idos anos cinqüenta e sessenta um “footing”, assim chamado como o local onde moças e rapazes marcavam encontros. Uma loja de móveis colocava duas caixas de sons de um lado e de outro da marquesa, (laje que avançava sobre a calçada) e punha a tocar os discos de sucessos da época. O jovem mulheril passava a andar de um lado para o outro do quarteirão e nós rapazes íamos apreciar. Era um programão naquele antigo conceito. Muita gente arrumou casamento ali naquelas calçadas. O primeiro amor. A primeira namorada. Tudo ali era o primeiro. A primeira vez.

Mas, havia três correntes de jovens mulheres. Três andanças de um lado para outro. Na calçada principal sob a laje e próximo ao som das caixas ficavam as riquinhas brancas, que nós rapazes pobres nem sequer tínhamos a coragem de observá-las. Atravessando a rua chegava-se à calçada do jardim da matriz. Ali ficavam andando de uma esquina para a outra na mesma calçada as brancas pobres. E mais acima as mulheres negras.



Eu era jovem e aquilo me era familiar. Só o tempo tornou aquilo uma vergonha para mim. Os da mesma idade nos dias que correm não gostam de falar naquilo. Fogem da conversa. Não enfrentam seu passado. Eu sempre enfrentei o meu. E procuro sempre falar do assunto para que não aconteça mais. Em hipótese nenhuma. Quem foge do assunto ainda é preconceituoso.



Havia também, aqui em Jaú, os clubes dos brancos e dos negros. No clube dos brancos não entravam negros. Nos clubes dos negros não entravam brancos. O único branco, que entrou no clube dos pretos fui eu. Tinha muita amizade com um rapaz negro, apelidado de “Pederneiras”. Talvez porque fosse ele de origem daquela cidade. Não sei ao certo. Mas, por causa de minha amizade com ele fui rejeitado por inúmeros rapazes brancos. Um dia ele me convidou para entrar no clube dos pretos. Eu aceitei porque já estava de paquera com uma mulatinha linda de morrer. E sabia que ela freqüentava o clube. O clube inteiro parou quando adentrei o grande salão. Pederneiras puxou-me para uma mesa vaga e sentamo-nos. Veio o garçom e aconselhou que eu saísse. Pederneiras mandou o garçom calar a boca e trazer uma cerveja pra nós. A mulatinha olhava para mim e ria muito como se eu fosse uma graça de palhaço. O fato é que depois de uns goles de cervejas, que se misturou às cachaças ingeridas anteriormente, deu-me coragem e fui tirar a mulatinha para dançar. Ela topou e saímos rodando pela pista repleta de bons dançarinos.



Alguns minutos depois alguém tocou em minhas costas. Ao virar-me recebi um soco no queixo que me fez rodopiar. Mas, não caí. Era o irmão da mulatinha. Lembro-me de não ter reagido. Apenas comentei:



-Vamos brigar lá fora em respeito ao ambiente familiar.



Lá fora houve bate-boca e murros pra todo lado. Até que o Pederneiras conseguiu convencer o irmão da mulatinha de que eu era inocente. Estava ali a convite dele. No final eu e o rapaz que me agredira nos tornamos grandes amigos. Para mim, espontaneamente não conseguia, como não consigo ainda hoje, distinguir o preto do branco.



Um dia, o novo amigo me perguntou:



-Ô Jeovah! Por que você não é como os outros brancos?



Estávamos em frente da piscina onde um dia Pelé fora convidado a se retirar porque era negro. E até hoje Pelé nunca mais pisou na cidade de Jaú. Pedi ao amigo para me emprestar seu canivete. Fiz um pequeno corte em meu polegar esquerdo. Um broto de sangue surgiu. Pedi-lhe para fazer o mesmo. Ele incontinenti obedeceu.



-Veja! Nossos sangues são da mesma cor!







(Jeovah de Moura Nunes)



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