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Artigos-->Paulo Okamoto, aquele que paga as contas de Lulla -- 01/09/2005 - 15:59 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PETISTA REVELA ESQUEMA DE CORRUPÇÃO DO PARTIDO



Luiz Maklouf Carvalho

Jornal da Tarde - 26 / 05 / 97



"Lula, no mínimo, no mínimo foi conivente com todo esse processo"



Paulo de Tarso Venceslau



PAULO DE TARSO VENCESLAU, EX-SECRETÁRIO DAS FINANÇAS DE CAMPINAS E SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, CONTA TUDO SOBRE AS RELAÇÕES DA DIREÇÃO DO

PARTIDO COM AS ADMINISTRAÇÕES PETISTAS. E FAZ GRAVES ACUSAÇÕES CONTRA ROBERTO TEIXEIRA, COMPADRE DE LULA, E PAULO OKAMOTO, RESPONSÁVEL PELO CAIXA DO PT



Está aqui, a cavaleiro, para fazer graves acusações à direção nacional do Partido dos Trabalhadores - talvez as mais graves em toda a sua história -, um quadro político que carrega nas costas, com muito orgulho, uma decisiva participação naquela que foi a maior façanha da luta armada na época da ditadura militar, o seqüestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, a 4 de setembro de 1969. O ex-guerrilheiro da Ação Libertadora Nacional (ALN), preso político torturado, com cinco anos e meio de cadeia no lombo, chama-se Paulo de Tarso Venceslau, tem 53 anos, é economista, quadro etista respeitado e pertence ao conselho editorial da revista do partido, Teoria & Debate. Já foi secretário de Finanças de duas das mais expressivas administrações petistas - as prefeituras de Campinas (gestão Jacó Bittar - 89/92) e São José dos Campos (gestão Ângela Guadagnin - 93/96) e ocupou uma diretoria da CMTC na gestão da prefeita Luiza Erundina (89/92).



Tem, portanto, além de qualificadas informações internas, autoridade, cacife, coragem e respaldo para dizer o que vai dizer sobre a corrente política que hoje detém a hegemonia da direção do PT - leia- se Articulação - e sobre os dois mais importantes dirigentes do partido: Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente de honra, e José Dirceu de Oliveira e Silva, o Zé Dirceu, presidente de direito.Registre-se aqui, antes que Paulo de Tarso desengatilhe sua metralhadora, uma singular ironia da história - a de que o seqüestro de Elbrick, pelo qual ele e outros guerrilheiros arriscaram a vida,tinha, como objetivo principal, libertar da cadeia lideranças universitárias, entre elas José Dirceu. Foi o seqüestro que o levou para o exílio - como um dos quinze presos políticos trocados pelo embaixador.



Na longa entrevista que se segue, toda ela gravada, Paulo de Tarso vai dizer que o PT tem uma banda podre. Regida por dois maestros - Lula e Zé Dirceu -, afinada pelo trabalho dos "bate-paus" Paulo Frateschi e Paulo Okamoto (a quem também chama de "coletor" do dinheiro público) e azeitada pela omissão de músicos ilustres da cúpula do partido.



Por que Paulo de Tarso vem a público para tão severas acusações?

Porque, segundo ele, todas as instâncias máximas do PT ignoraram solenemente, por pelo menos dois anos, denúncias fundamentadas e auditadas contra uma empresa privada que presta serviços sem licitação a diversas prefeituras do partido.



A empresa chama-se Consultoria para Empresas e Municípios (CPEM) e, como a entrevista deixará sobejamente claro, tem ligações no mínimo nebulosas com uma pessoa muito cara (sem trocadilho) a Lula: o bem- sucedido empresário Roberto Teixeira, aquele que entre outros favores diversos lhe empresta até hoje a confortável casa em que mora de graça há oito anos (o aluguel, pelos preços de mercado, está em torno de R$ 1.400 mensais). Roberto Teixeira é compadre de Lula - padrinho de seu filho caçula, Luís Cláudio.



O compadre Teixeira e a CPEM cruzaram o caminho de Paulo de Tarso em 1990 - quando era o secretário de Finanças do prefeito de Campinas Jacó Bittar. Roberto Teixeira estava lá, no gabinete do então petista, para vender a contratação da CPEM, sem licitação, e faturar alguns milhões de dólares. Oferecia um trabalho técnico de alavancagem do ICMS - em tese útil -, mas se recusava a entrar no processo licitatório. Paulo de Tarso não concordou - e Jacó o trouxe a São Paulo, para uma reunião com o compadre Lula, que então se revelou um árduo defensor da contratação pleiteada pelo compadre Teixeira. Paulo de Tarso achou estranho, mas em Campinas a CPEM não levou.



O tempo passa, a barba cresce, e temos que em 1993 o economista é indicado por Aloízio Mercadante e José Dirceu para a Secretaria de Finanças de São José dos Campos, prefeitura petista de Ângela Guadagnin. Quem aparece? A CPEM. E desta vez como a maior credora da prefeitura. Entenda-se: por contrato celebrado com a administração anterior, de Pedro Ives, do PRN, o partido do presidente Fernando Collor de Mello, a CPEM já tinha levado US$ 10,5 milhões - e ainda era credora de mais US$ 5,5 milhões. Paulo de Tarso sustou imediatamente o pagamento do cheque. Desconfiado, vasculhou a documentação, descobriu uma série de fraudes, acionou o Ministério Público, pediu uma auditoria independente. O imbróglio foi noticiado à época - mas então, por se tratar de ano eleitoral, Lula candidato a presidente da República, Paulo de Tarso calou-se sobre os bastidores.



Os quais, agora revelados, acusam a participação direta de Lula em negociações que visavam a proteger a CPEM e o compadre Roberto Teixeira, garantindo-lhes a fortuna de que se achavam credores e permitindo, assim, que parte dela fosse desviada para os cofres do PT. Segundo Paulo de Tarso, o "bate-pau" (palavras dele) Paulo Okamoto, responsável pelas finanças do partido desde 1989, foi informado passo a passo das denúncias que iam sendo apuradas contra a empresa representada pelo compadre Roberto e seu irmão Dirceu Teixeira. Quando a coisa engrossou, Paulo de Tarso sofreu uma estranha ameaça - o carro em que estava foi bruscamente fechado na Rodovia dos Trabalhadores -, ouviu que Lula e a Articulação estavam com ele por aqui e foi ao próprio Baiano (apelido com que tratava Lula) acertar os ponteiros, mostrar seu dossiê contra a CPEM, explicar que ela era uma empresa inidônea, que estava lesando os cofres públicos.



Sempre segundo Paulo de Tarso - que dentro do partido é carinhosamente tratado por PT -, Lula mandou-o conversar com o compadre Teixeira e com o irmão Dirceu, sempre eles a aparecer quando a CPEM estava na parada .



A história é longa, como verá o leitor.

PT, o ex-guerrilheiro da ALN, foi rifado da administração de Ângela. Passou então a lutar para que as instâncias máximas do partido investigassem suas denúncias - de resto cacifadas pela condenação judicial da CPEM a devolver os US$ 10,5 milhões aos cofres de São José dos Campos e, ainda mais, pelo relatório da auditoria independente Boucinhas & Associados. A conclusão do relatório diz: "A remuneração paga à empresa contratada para recuperação do índice de participação do município foi maior que a devida." Mesmo assim Paulo de Tarso não conseguiu nada.



A 23 de março de 1995 foi a um cartório e registrou uma carta endereçada ao presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva. É uma carta séria - que vai publicada na íntegra na página seguinte -, mas mesmo assim, sempre segundo Paulo de Tarso, nenhuma providência foi tomada. A carta foi enviada às mais ilustres lideranças do partido - incluindo senadores, deputados federais, executiva nacional e diretório nacional. Não deu em nada.



No último dia 9 de abril - "em comemoração aos dois anos de aniversário de absoluto silêncio e conivência com as falcatruas de nossos dirigentes", como grafou num PS ao pé do texto original - a carta foi novamente enviada. "Nada, nada e nada", diz ele. O silêncio foi rompido como a entrevista que se segue.



JT - Em 1995 você manda, via cartório, uma carta ao então presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, com uma série de denúncias relativas às prefeituras do partido, especialmente a de São José dos Campos, onde você foi secretário de Finanças. Qual era o conteúdo básico dessa carta, e o que foi que aconteceu de lá para cá?



Paulo de Tarso Venceslau - A carta foi registrada em cartório em março de 95 - e se refere a fatos acontecidos durante o ano de 93. Fatos acontecidos na prefeitura de São José dos Campos, onde eu era secretário da Fazenda.



Por que você não tornou esses fatos públicos naquela ocasião?



Primeiro porque estávamos no final de 93, já iniciando praticamente o período eleitoral de 94. Eu, na minha formação de esquerda, não tenho vocação pra levar água pro moinho da direita. Esse foi o fator mais importante: evitar que a direita fizesse uso de algumas informações delicadas sobre fatos em São José dos Campos. 95 era um ano não eleitoral - e eu praticamente já tinha esgotado todos os encaminhamentos dentro da estrutura partidária.



Que encaminhamentos?



Eu já tinha duas pessoas que em tese estariam me representando no Diretório Nacional - duas pessoas por quem eu tinha o maior respeito e acreditava que iriam levar o caso pra frente.



Quem eram?



Um era o Aloízio Mercadante e o outro era o Gilberto de Carvalho. O Aloízio é conhecido: foi candidato a vice do Lula, deputado federal muito bem votado, com um papel muito grande no impeachment do Collor e meu amigo de velhos carnavais. Gilberto eu conheci mais na militância, junto aos trabalhos populares, e é uma pessoa que eu reputava de uma integridade muito grande, porque tinha o cargo efetivo, que era o de secretário-geral do PT. Eu achava que com essas duas pessoas eu estaria bem representado.



Por conta disso você ainda acreditava numa solução interna?



Acreditava, porque eu sempre tive uma formação política muito disciplinada. Eu não encaminhei nada fora das estruturas partidárias - e nesse processo eu sofri algumas grandes decepções.



Qual é o núcleo central das acusações que você faz nessa carta?



O envolvimento de uma empresa, chamada Consultoria para Empresas e Municípios (CPEM), com base em São Bernardo do Campo. Quando eu assumi a Secretaria da Fazenda de São José dos Campos, essa empresa era a maior credora. Eu já conhecia essa empresa dos tempos em que fui secretário da Fazenda de Campinas, à época do prefeito Jacó Bittar, então do Partido dos Trabalhadores. Em Campinas eu sofri pressões para a contratação dessa empresa e não contratei.



Que tipo de pressão?



A pressão era que fosse contratada sem licitação - simplesmente por notória especialização. E isso por um serviço que o corpo técnico da prefeitura, com contabilistas de segundo grau, tinha condições de fazer.



De quem é essa empresa, a CPEM?



É de um pessoal de São Bernardo do Campo. Mas era apresentada nas prefeituras petistas pelos irmãos Teixeira - o Roberto Teixeira e o Dirceu Teixeira. Esses dois personagens é que representavam essa empresa, especialmente o Roberto Teixeira, que era o mais linha de frente, sempre insinuando que era uma empresa que contribuía com o PT e que no fundo o partido sairia beneficiado.



Como foi feita essa pressão em Campinas - à época do prefeito Jacó Bittar?



Essa empresa surgiu em Campinas no início dos anos 90. Eu estava lá desde 89, como secretário de Finanças. No início de 90 eu sou chamado numa reunião no gabinete do prefeito Jacó Bittar, onde se encontrava o sr. Roberto Teixeira, com a proposta de fazer esse trabalho de revisão do valor adicionado, que é o principal componente no cálculo do ICMS.



Mas o que fazia o Roberto Teixeira em Campinas, numa reunião com o prefeito Jacó Bittar?



A conclusão óbvia é a seguinte: se eu fui chamado nessa reunião é porque ele estava vendendo os serviços dessa empresa.



Ele tinha algum cargo na prefeitura?



Nem na prefeitura de Campinas nem na direção do PT. Nessa época eu nem sabia que ele era militante. Já o conhecia, porque depois da campanha presidencial de 1989 eu tinha estado na casa do Lula, a que ele mora em São Bernardo, que é uma casa do Roberto Teixeira. Então eu sabia quem ele era e que tinha relações com o Lula. Mas ele não tinha nenhuma relação partidária. Eu nunca soube que tivesse militância ou cargo dentro do partido. A única função que na verdade eu sei que ele tem é a de compadre do Lula. Com essa cancha de ir a Campinas e participar de uma reunião com o prefeito para tratar das finanças públicas.



A reunião era com o prefeito, autoridade máxima, mais uma pessoa de confiança dele que era o Salvador Botione, o Roberto Teixeira, uma outra pessoa que não me recordo e eu.



O Teixeira lhe foi apresentado como o quê?



Como uma pessoa que teria possibilidades de prestar bons serviços para alavancar as finanças de Campinas. Em nome dessa empresa, é claro, a CPEM.



O que o Roberto Teixeira oferecia em nome da CPEM?



Aparentemente era uma atividade extremamente vantajosa, porque ele se escondia atrás de um pseudocontrato de risco. Se não conseguisse alavancar não ganharia nada.



Traduza isso para os mortais comuns.



O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é a principal receita de municípios industrializados, como é o caso do ABC, de Campinas, de São José dos Campos, Guarulhos. Em geral, o ICMS é 50% ou mais da receita dos municípios. Então você imagina que esse bolo do ICMS, a cota-parte, seja 100. Se ele conseguisse alavancar de 100 para 150, por exemplo, ele ganharia 20% sobre esse plus de 50 a mais que ele tinha conseguido. Suponhamos que nesse ano tivéssemos 100 - e que a revisão feita por essa empresa tivesse elevado para 150. Dá um plus de 50 - 20% de 50 é 10. Então ele ganharia 10. Esse é que é o esquema.



Isso sem licitação, sem nada.



Sem nada. E nessa época eu insisti. Falei: "A minha posição é que o contrato seja feito só com licitação. E mais: está havendo um treinamento da equipe interna da prefeitura, para que essa equipe faça o trabalho do filé-mignon." Numa cidade como Campinas, se você selecionar as 100 maiores empresas, você já tem praticamente mais de 90% do valor adicionado, que vai ser a base do cálculo do ICMS. Então esse filé, que são as grande empresas, teria condições de ser trabalhado com a equipe interna. Não teria problema nenhum. Feito esse trabalho da equipe interna, o restante, o "osso", como se diz,seria licitado. Em Campinas foi isso o que acabou sendo feito.



O que aconteceu depois dessa reunião?



Depois dessa conversa o Jacó, favorável à contratação sem licitação, não se deu por satisfeito. Me trouxe a São Paulo, na primeira sede do governo paralelo, ali na Vila Mariana, e aí, uma noite, tivemos uma conversa com o Lula. Eu, ele e o Jacó. O Lula mostrando as vantagens da contratação, a visão dele sobre isso.



O que você achou?



Que ele estava profundamente equivocado. Mas naquele momento eu evidente debitei na conta do equívoco. Equívoco, por quê? Porque o Lula é amigo do Roberto Teixeira, pode ter comprado um peixe errado, uma informação equivocada. Eu disse a ele que não tinha nenhum problema em contratar a empresa, desde que ela ganhasse a concorrência. E a empresa dizia, através do porta-voz que era o Roberto Teixeira, que não participava de licitação.



Qual foi o resultado final de Campinas?



Nós fizemos o filé-mignon, melhoramos o índice de arrecadação, e a empresa que ganhou a concorrência trabalhou com 3,5%, ganho muito inferior aos 20% que a CPEM propunha. Então nesse momento em que eu estou lá a CPEM fica fora.



Nessa conversa com o Lula ficou claro que ele sabia que o Roberto Teixeira agenciava a CPEM junto à prefeitura?



Sim. Não havia nenhuma dúvida. Até porque o Lula morava na casa do Roberto Teixeira, eram amigos.



Por que você atrapalhou o negócio?



Primeiro porque a empresa, por meio do Roberto Teixeira, insistia em ser contratada sem licitação - coisa que eu não concordei.



E o Roberto Teixeira tinha algum argumento em especial para defender essa preferência de escapar da licitação



Tinha, mas era frágil. Era a questão da notória especialização. Ou seja: empresas que tenham condições de executar serviços de altíssima sofisticação técnica, o que lhe dá condições, portanto, de receber quase que um carimbo de notória especialização. Assim você fugia dos trâmites normais de um processo de licitação.



Você não concordou com a alegada notória especialização da CPEM?



Não. Primeiro, porque não era um serviço altamente especializado. Segundo, porque eu tinha uma equipe técnica da prefeitura capaz de fazer isso. E terceiro porque era muito dinheiro que eu poderia estar abrindo mão, a custo zero, terceirizando um serviço que rendia muito dinheiro. Essas as razões. Não seria conveniente e poderia abrir um flanco muito grande, sem nenhuma segurança sobre a legalidade disso.



A essa altura você já imaginava que havia corrupção, desvio de recursos para o partido, coisas do gênero?



O que se insinuava no momento - e lá em Campinas se falava isso com todas as letras - era que a CPEM, o Roberto Teixeira, repassariam parte desses recursos para o PT.



Por que você diz que isso "se insinuava"? Foi uma ilação sua - ou resultado da conversa com o Lula?



O próprio Roberto Teixeira sempre disse isso. Essas coisas não são ditas assim: "Olha, a gente ganha e nós vamos dar tanto pro PT." Não é assim. É assim: "Olha, nós costumamos colaborar com os partidos, com o PT." Foi uma coisa muito fluida. Afinal de contas o Roberto Teixeira não me conhecia e não sabia qual seria a minha reação. Eu conheço isso porque sofri pessões de grandes empreiteiras, em vários momentos, sempre com insinuações muito parecidas. A diferença que tinha é que era o compadre do Lula, e com o Jacó a tiracolo, do lado, pra reforçar a idéia de que dali sairia alguma contribuição.



Semelhante ao esquema das empreiteiras - você disse.



Semelhante a essa maneira insinuante que as empreiteiras têm. Não havia diferença. Quem trabalhou na área de finanças sabe como é que são essas insinuações.



O fato é que como secretário das Finanças você criou um impasse.



É. Era uma irregularidade e eu não contratei. Contratei uma empresa que ganhou a concorrência.



Como você avaliou a postura do Lula nessa reunião que vocês tiveram?



A postura do Lula aqui em São Paulo foi pra pressionar, tentar me convencer de que era um bom negócio para a prefeitura. Ficou como se fosse uma conversa: os argumentos dele e os meus argumentos. Não houve uma pressão maior de dizer contrata. Ele tentou me convencer de que era um bom negócio. Eu tentei mostrar pra ele que não era um bom negócio.



Então é nesse momento que você toma conhecimento da existência dessa empresa.



Com certeza. Foi aí que eu tomei conhecimento e fiquei sabendo dessas relações com dirigentes do partido. Porque naquela época o Jacó era um petista notório. Mais o Lula, e mais um pessoal dirigente que estava ali por perto.



Depois de Campinas você vai trabalhar na CMTC, gestão da Luiza Erundina, e depois na Prefeitura de São José dos Campos.



Isso. Fui indicado para secretário das Finanças de São José. Curiosamente indicado pelo Zé Dirceu e pelo Aloízio Mercadante, na gestão da prefeita Ângela Guadagnin, encerrada no ano passado. Antes de assumir eu já estava trabalhando com os números disponíveis. Não era uma situação fácil e logo num primeiro momento eu quero saber quem são os credores da Prefeitura.



Não me diga que a CPEM era um deles.



Era - mas eu chego lá. Veja bem que o prefeito anterior - o Pedro Ives, do PRN, partido do Collor - tinha emitido uma série de cheques no dia 30 ou 31 de dezembro de 92, em pleno feriado bancário. Um verdadeiro absurdo. Minha primeira providência foi sustar os pagamentos - e já pedir à diretoria de finanças um levantamento dos credores para estabelecer critérios de pagamento, até porque não havia dinheiro suficiente para a folha que venceria dali a 15 dias.



Não tinha dinheiro em caixa.



Então veio a listagem dos credores?



Veio. E a CPEM era o maior credor.



De serviços prestados ao governo Pedro Ives, do PRN?



Exatamente. Era credor de dívidas do governo anterior, onde fazia exatamente aquele mesmo tipo de trabalho. Quando a CPEM apareceu, eu já desconfiei que ali tinha alguma coisa errada. Mas demorei um mês e pouco pra chegar no fio da meada.



O que os números diziam sobre a CPEM?



Que ela já tinha recebido cerca de US$ 10,5 milhões. E que ainda teria a receber, como crédito em aberto na prefeitura, US$ 5,5 milhões. Pô, eu não sou ingênuo. Se você imaginar que o orçamento de São José dos Campos, na época, era em torno de US$ 100 milhões, era muito dinheiro. Era o preço de todo o anel viário da cidade e mais alguma coisa. Era o preço do hospital municipal e ainda sobrava dinheiro. Era um volume de recursos fantástico, muito grande.



O que você fez?



Eu sabia que tinha coisa ali, mas não estava conseguindo ver. Um belo dia, manipulando as folhas Dipam (NR: Declaração para os Índices de Participação dos Municípios, impressos que calculam o valor adicionado), eu descubro o pulo do gato.



Dê um exemplo genérico, para facilitar o entendimento.



Vamos dizer que você tenha tenha uma indústria têxtil em que o faturamento final foi 200 e a tua entrada de 100. Significa que você adicionou 100 no teu processo de produção. Você vendeu por 200 e o teu custo foi 100. Entrou 100. É o valor adicionado - que no caso do ICMS é o valor mais importante do cálculo da cota-parte, porque corresponde a 80% do cálculo do ICMS, da cota-parte e do bolo geral do Estado. Então é fundamental. É aí que a coisa se delineia - porque o resto é receita própria (ISS, IPTU, essas coisas, taxas). A cota- parte depende da receita do município, do número de habitantes e tem um índice comum para todos os municípios.



Você ia explicar o pulo do gato da Dipam.



É. Todas essas empresas fazem essa declaração, a Dipam. Nem são obrigadas a fazer, mas fazem. O que acontece: folheando esse valor adicionado, essas folhas, de repente bati o olho numa empresa chamada Kodak do Brasil, uma das grandes empresas de São José dos Campos. E vi um erro grosseiro. Eram duas folhas idênticas, poderiam ter sido substituídas como foram, mas era um valor 100 vezes maior. A primeira coisa que eu pensei foi em mudança de moeda - mas moeda em geral não é 100, é mil. De repente caiu a ficha: está aqui o problema, uma pista.



O que você fez?



Imediatamente chamei minha equipe e falei: "Está aqui o problema; pode ser a grande pista." Nomeei uma comissão de sindicância e imediatamente informei o Paulo Okamoto, que era o homem, o coletor dessas partes com os fornecedores, prefeituras. Falei pra ele que tinha problemas com a CPEM. Falei, por causa daquela ligação, que ele estava cansado de saber.



Vamos por partes: o papel do Okamoto como coletor já era conhecido?



O Okamoto era aquela figura que circulava pelas prefeituras petistas, sempre tentando ver alguma forma de arrecadar algum recurso pro partido.



E como é que você sabia disso?



Eu sabia porque eu fui secretário. Ele foi presidente do PT estadual e logo depois que ele deixou a presidência ele passou a exercer essa função. Saber se tinha alguma forma, se eu conhecia algum fornecedor que poderia contribuir, sempre buscando informações com as prefeituras, com as empresas públicas. Esse papel dele era evidentemente conhecido dentro das administrações petistas. Nessas alturas do campeonato ele já não tinha cargo nenhum. Mas ele vivia circulando pelas administrações petistas.



Mesmo sem ter cargo partidário.



Mesmo sem cargo. Enquanto ele era presidente do PT estadual, ele tinha lá suas razões para estar viajando, para ir a Campinas, Piracicaba, Santos, não importa. Mas nesse momento ele não era mais nada, não tinha cargo nenhum, como não tem até hoje. E ele continuou. Ele era o homem de confiança do Lula, o homem das finanças do Lula...



O homem da caixa preta...



O homem dos mistérios, ligado a recursos. Uma pessoa que tratava de intermediar recursos pro partido.



Ou seja: ele via a viabilidade de desviar dinheiro das prefeituras para o caixa do partido.



Poderia nem ser desviando ou não. Se desviasse tudo bem, não importava a forma. Porque muitas vezes você pode ter alguém que queira colaborar, contribuir. Ele buscava as mais diferentes formas, legais ou não legais. Isso era patente.



Tão patente que quando houve o problema com a CPEM, em São dos Campos, você o chamou?



Claro. Chamei porque envolvia figuras muito próximas de Lula. Como já ficou claro, eu sabia da relação do Roberto Teixeira com o Lula, e da relação do Roberto Teixeira com a CPEM.



Então você, um quadro disciplinado partidariamente, respeitador do centralismo democrático, chamou o homem certo.



Chamei e informei. A reação dele foi: "Não tem problema nenhum. Pode ir fundo nas investigações. Não temos nada com isso." Ou seja: em tese me liberou para ir fundo, coisa que eu iria mesmo, de qualquer forma. Mas ele falou: "Não tem problema." Eu falei: "Se tem, é bom se cuidar, porque estamos com umas pistas razoáveis aqui."



Como é que as coisas seguiram?



Quando terminou o resultado da comissão de sindicância, já pegando dados mais concretos, eu tornei a falar com ele. "Olha, estou aqui com um dossiê, da comissão de sindicância, e já está comprovado que tem problemas com essa empresa." Ele disse: "Não, não tem problema, não temos nada." Tá bom. Isso tudo muito rápido, muito rápido.



Em que mês está rolando isso?



Abril de 1993. Quando acontece uma reunião em Ribeirão Preto.



Que reunião?



Reunião com os secretários de Finanças das administrações petistas. Quem está na reunião? O Paulo Okamoto, que não é dirigente do partido, não é nada. O que estava fazendo na reunião dos secretários de Finanças das prefeituras do PT? A prefeita de São José foi junto. Pallocci (prefeito de Ribeirão Preto) e o secretário de Finanças dele estavam lá, com vários outros secretários.



O que aconteceu na reunião?



Eu lanço um alerta, baseado no primeiro dossiê da sindicância. Falei: "Olha, cuidado com essa empresa aqui, porque ela vende gato por lebre. Nós em São José dos Campos já fizemos uma sindicância que mostra irregularidades dessa empresa, apresentada como uma empresa com ligações com o PT." Já alertando os outros secretários para não caírem no enventual engodo de contratar a empresa. Era início das administrações petistas, 93. Ribeirão Preto estava começando, São José começando, São Joaquim da Barra começando. Era a primeira reunião do gênero. Então eu me senti na obrigação de colocar, de alertar.



O Okamoto não deve ter gostado.



Não gostou. E é muito curioso porque, terminada a reunião, eu fui admoestado pelo Paulo Okamoto. Disse que eu tinha falado demais. Como falado demais? É uma reunião do partido, só tem administrações petistas. Ele falou: "Mas tem secretário aí que não é do PT." O fato é que ele não gostou. Não saiu satisfeito. Isso é abril de 93, o processo está andando, eu já estou procurando uma empresa de auditoria.



Quais eram as irregularidades, objetivamente falando?



Primeiro, nós tínhamos suspeita de falsificação de assinatura, suspeita de que os números que estavam lá eram extremamente fantasiosos, suspeitas de relações viciadas entre a CPEM e funcionários de grandes empresas da região.



Explique melhor.



A Dipam existe exatamente para você fiscalizar o governo do Estado no repasse da cota-parte do município. Então, se você declara a Dipam certa ou errada, ou deixa de declarar, tudo isso não é crime fiscal, não é absolutamente nada, porque o ICMS já está declarado, já está recolhido no Estado. Aquilo é só a maneira que a prefeitura tem de fiscalizar a parte que lhe cabe naquele latifúndio chamado ICMS, a principal receita desses municípios todos. Veja o caso da Kodak nas duas fábricas de São José, as duas com o mesmíssimo erro entre aspas.Ou seja: eles apresentaram uma folha Dipam com um determinado valor, e a CPEM depois "descobriu" que aquele valor não era aquele valor, mas era 100 vezes maior do que aquele valor. Veja que ela ganha 20% da diferença. Então, só no caso da Kodak, numa folhinha de papel que só tem frente, não tem verso, ganhou US$ 2,5 milhões. E não é crime não é nada, porque aparentemente você não está lesando nada. Você > apenas descobriu para a prefeitura, recuperou recursos do municípi..E ganha os 20% do contrato de risco.



A CPEM já tinha levado quanto?



Já tinha levado US$ 10,5 milhões na gestão do governo anterior. Quando a comissão de sindicância me entrega as conclusões eu procuro Okamoto e aviso: "Vou entrar com uma ação contra a empresa. Porque a prefeitura deve US$ 5,5 milhões e eu não vou pagar." Ele disse mais uma vez: "Não tem problema." Então, baseado na sindicância, nas primeiras informações, encaminhei pro Ministério Público, que considerou nulo e entrou com uma ação popular contra a CPEM, anulou aquele contrato e proibiu a prefeitura de fazer qualquer pagamento.



Pelo que você conta o Okamoto pesava tanto na balança que você nem se reportava à Ângela, que afinal era a prefeita. Era direto com o Okamoto. A Ângela sabia o que eu estava fazendo.



Mas quem batia o martelo era o Okamoto?



Claro. Mas a Ângela sabia de toda a minha relação com o Paulo Okamoto. Nisso eu fui superfiel a ela. Em todos os momentos eu informei a ela as conversas que eu tinha com o Paulo Okamoto, conversas que muitas vezes se davam no meu gabinete e outras vezes tomando um chope qualquer.



Mas no que dependesse dela o Okamoto tinha trânsito livre?



Ah, sim. E sem nenhum cargo. Nem na prefeitura e nem no PT. Ou seja: uma pessoa que tinha intimidade e desenvoltura para tratar de assuntos internos com o secretário de Finanças do município...E com outros secretários também.



Você não se sentia ferido na sua autoridade de secretário?



Não. No meu caso, por exemplo, ele sempre vinha. "Como é que tá? Tem alguma sugestão, alguma idéia? O que a gente pode fazer?" Procurando formas, né? Até então era uma coisa assim: se eu tiver eu até passo; se eu tiver alguma pista, uma maneira de carrear recursos legalmente pro PT, nenhum problema. O estranho era exatamente isso. Ele às vezes se lamentava: "Pô, esse trabalho aqui não é o trabalho mais interessante, mas a gente tem que se sacrificar." Enfim. Assumidamente, era esse o papel dele. Ele ficava circulando - e evidentemente tinha gente que dava mais guarida ou menos guarida.



Você dava mais ou menos?



No caso da Secretaria da Fazenda o Okamoto não era a figura mais benquista. Dentro da minha equipe sempre tinha muita restrição quando ele chegava. Mas ele era visto como o cara ligado ao Lula, ao PT, essa coisa toda. Era o chamado capa-preta.



A quem, então, você informou que ia entrar com a ação contra a CPEM.



Isso. Ele falou que não tinha problema. No dia em que o Ministério Público entra com a ação pública, a Câmara Municipal, na segunda- feira seguinte à Semana Santa, abre uma Comissão Especial de Investigação (CEI) contra mim e contra a prefeita, em defesa da CPEM. E todo o arrazoado que a Câmara apresentou - eu não tenho provas, mas tenho certeza - não foi feito pelos vereadores.



Por que você tem essa certeza?



Porque eles não tinham informações técnicas, nem de São José dos Campos e muito menos de outras prefeituras a que a ação deles, da CEI, se refere. Um escândalo! Um escândalo! E eles protocolaram isso às 8h23 de uma segunda-feira depois da Semana Santa.



Quem você acusa pela preparação do arrazoado?



Só uma fonte teria condições de ter aquele volume de informações - a CPEM.



Você acha então que a CPEM instrumentalizou a Câmara para criar a CEI?



Acho. E na época coloquei isso claramente na imprensa local. Falei que eles tinham entrado numa fria. Tentei impedir a ação deles. Há toda uma troca de documentação na época. E a argumentação que eles usam é uma coisa absurda. Como é que uma empresa, que tem essa relação com o compadre do Lula, que diz que passa dinheiro pro partido, de repente usa os argumentos, inclusive insinuando coisas em relação a Santo André, Piracicaba, Santos. Acusam a administração de São Paulo - porque a Erundina se recusou a fazer o contato com eles. Só uma empresa que atendesse aqueles municípios todos é que saberia. Como é que os vereadores de São José dos Campos iam saber quais prefeituras que a CPEM estava atendendo.



Você está dizendo que a fundamentação da CEI foi preparada pela CPEM.



A fundamentação técnica da CEI é toda cheia de informações que só a CPEM possuía. Eu estou convencido disso. Não tem outra maneira de ser. Se algum juiz estudasse isso com mais cuidados iria chegar a mesma conclusão.



Objetivamente falando seria possível que a CPEM instrumentalizasse a maioria da Câmara.



Bom, o resultado concreto foi esse. A CEI foi instalada. Ela nunca se reuniu. Mas que foi instalada, foi.O que evidentemente provocou uma reação da sua parte.



Exatamente. Porque agora mudou. Até então tinha uma comissão de sindicância. Agora tem uma ação pública. O que é que acontece em maio? Está vindo a Caravana da Cidadania - e o Lula passa em São José dos Campos. Uma pessoa muito amiga minha, ligada ao PT até hoje, ouviu o seguinte comentário do Lula no ônibus de São José dos Campos.



Quando contaram pra ele que o Marcos Soares, filho do Wladimir Pomar, tinha sido afastado, coisa desse tipo, o comentário do Lula foi o seguinte: "Vocês estão afastando o Marcos Soares, e com o Paulo de Tarso, que está me criando problemas, ninguém faz nada." Palavras do Lula.



Quem foi a pessoa que disse que o Lula disse isso?



Aí é que está, né. Eu não vou dizer o nome dela. Não vou dizer. Era uma pessoa que trabalhava muito próxima de um deputado federal.



Hoje essa pessoa não bancaria isso?



Não creio que banque. Ela está ligada à máquina do PT.



Então você soube, por interposta pessoa, que o Lula tinha dito aquilo.



Soube e fiquei evidentemente preocupado. Logo depois, no dia 31 de maio, foi o lançamento do livro do Eugênio Bucci, lá no Domani, restaurante do Cláudio Mamberti. O Lula foi no lançamento. Aí eu aproveitei o clima descontraído, chamei o Lula de lado e falei: "Ô, Baiano, o que é que aconteceu? Porque você comentou isso aqui a meu respeito?" Aí vem o Lula que a gente conhece: "Ô, Paulinho, que que é isso? Vamos conversar, vai lá. Precisamos conversar, vamos esclarecer." Bom. E marcamos pra ir lá no governo paralelo, que já tinha mudado e já estava lá no Ipiranga, perto do museu. Aí agendamos para o dia 3, tudo o mais, e eu fui no dia combinado. Nesse dia eu passei o dia inteiro com Luiz Inácio Lula da Silva.



Só que em maio já tinha acontecido um lance extremamente complicado. No dia 19 de maio, na Rodovia dos Trabalhadores, eu estava indo pra São José dos Campos, num Gol da prefeitura, com antena, com tudo. No dia 19, pela manhã, logo cedo, meu carro é cercado na rodovia por um outro carro, com três homens dentro. Estávamos eu e o motorista José Benedito. Meu carro é cercado bruscamente. Eu falei pro motorista, a quem chamava de JB: "Ô JB, o que você fez aí? O cara veio em cima da gente."



Como foi?



Ele estava do lado esquerdo, andando bem. O carro vem com mais velocidade, se posta à frente e reduz bruscamente a marcha. Era um Gol branco, chapa DQ 4609, que depois se apurou ser uma chapa fria. Eram três homens - sendo que com certeza o que estava atrás era bem grande. Esse carro começa a reduzir a marcha e nos obriga a reduzir. Eu peço pro motorista sair dali e se mandar. Ele tenta pra direita, o carro acompanha. Tenta pra esquerda, o carro acompanha. Cada vez reduzindo mais a marcha. Já estamos na direita, chegando na entrada de Mogi das Cruzes, onde tem uma subida. A 30 quilômetros por hora. Fomos quase parando. Eles saem pra direita e a gente segue pra esquerda. O motorista estava passado, lívido, pálido, branco. E os três ali, encarando a gente. Uma ameaça clara. Olhar ameaçador. Ele foi a 130, 140 por hora, o primeiro guarda rodoviário que parou nós demos queixa. Lá em São José falei com o secretário de Assuntos Jurídicos, o dr. Manuel e pedi pra ele verificar. Contei o que tinha acontecido. Ele mandou verificar a chapa e constatou que era uma chapa fria.



Pra você foi uma ameaça clara?



Não tenho dúvida. Foi uma ameaça clara.



Partida de quem?



A única demanda que eu tinha naquele momento era com a CPEM.



Você afirma que a CPEM está por trás dessa ameaça?



Eu não tenho provas materiais - e afirmar seria uma temeridade, porque os caras vão entrar com uma ação contra mim. Mas que foi muito estranha essa perseguição ostensiva. Não é paranóia minha porque eu estava com o motorista. Isso foi a 19 de maio de 1993.



Vamos para a reunião de 3 de junho. Você disse que passou o dia inteiro com o Lula - mas como é que foi realmente?



Eu passei o dia inteiro com ele, na maior parte do tempo com a presença do Paulo Okamoto. Isso no governo paralelo do Ipiranga. É muito curioso. A gente foi almoçar junto, com o Frei Beto e outros personagens ali colocados. O Zé Dirceu também passou lá, numa daquelas brigas que tem com o Rui Falcão e teve uma conversa rápida com o Lula. Com esses percalços todos eu passei o dia inteiro no governo paralelo.



Quanto tempo você fica com o Lula?



Eu fiquei lá das 9 da manhã às 5 da tarde. Somando tudo eu devo ter ficado com o Lula 6 horas seguidas, fora o almoço.



Como foi a conversa?



Eu expliquei ao Lula, minuciosamente, como é que funcionava o esquema da CPEM. Agora com papéis na mão. Estava mostrando pra ele os riscos e a sacanagem que estavam embutidos naquele tipo de ação.



Você foi lá pra esclarecer uma frase que o Lula teria tido - e a conversa virou logo pra CPEM.



Ora, a única coisa que poderia estar criando caso pra ele era em função do Roberto Teixeira ser compadre dele. Eu não tinha outra forma de criar problema pra ele. Quando eu ouvi aquela frase a ficha caiu no ato. O que é que eu posso estar fazendo para criar problemas pro Lula em São José dos Campos? Eu era considerado o melhor secretário, com os melhores resultados concretos, a prefeita me adorava naquele momento, andava comigo de baixo pra cima, todo mundo me elogiando na cidade, uma credibilidade muito grande. Está lá. É só ir ver. Então por que eu estaria criando problema com o Lula?



Só pode ser porque eu estou mexendo com o compadre dele. Não tinha outra alternativa. Só podia ser o compadre.



Então você chegou lá, "é aí, companheiro, Baiano, como é que vai" - como é que a conversa evoluiu?



É. "Tudo bem e tal. O que é que está acontecendo? Você tem alguma coisa contra mim? Quais são as tuas críticas?" Ele respondeu: "Eu é que pergunto: o que é que está acontecendo? Por que é que está havendo problema em São José dos Campos com a história da CPEM? Que que é isso e tal?" Ou seja: a coisa já foi logo pro assunto que dizia respeito. Não se esqueça que três anos antes eu tinha conversado com o Lula a respeito da CPEM. Quer dizer: a CPEM não era uma novidade nem pra ele nem pra mim. E a relação com os irmãos Teixeira não era novidade pros dois. Então não era a primeira vez que a gente estava conversando sobre isso.



Então foram logo ao ponto?



Fomos logo ao ponto. "É isso que está incomodando? Se é isso eu queria explicar pra ti o que está acontecendo." E aí fui explicando minuciosamente o funcionamento daquele processo.



Trocado em miúdos, o que é que você disse por Lula?



Eu disse o seguinte: que o tipo de trabalho que eles fazem é no mínimo pouco honesto. Isso significa que você está tirando dinheiro da prefeitura, desviando dinheiro da prefeitura. Isso com as pistas iniciais já levantadas por uma comissão de sindicância, cujos resultados estavam na minha mão. "Olha aqui, olha. Olha o que aconteceu com a Kodak, olha o que aconteceu com a Embraer, olha o que aconteceu com as grandes empresas de São José dos Campos."



Vale observar, novamente, que essas irregularidades foram cometidas na administração anterior, do PRN. É isso?



Exatamente isso. Não era um problema com a administração da Ângela Guadagnin. Era um problema que envolvia a CPEM com a direita, com o PRN, com o que tinha de mais podre na política do Vale do Paraíba. Isso é que é chocante pra mim. Ter de explicar pro Lula porque que eu tenho que estar tomando cuidados... Ora, eu estou dando porrada numa empresa que está envolvida com o PRN. Essa é que a questão. E naquele momento estou tendo de explicar ao presidente nacional do PT o que estava acontecendo na administração passada. Tudo por causa da empresa.



E principalmente do seu veto em relação ao pagamento dos US$ 5,5 milhões.



Exatamente. Além de ter entrado com uma ação para o ressarcimento dos US$ 10,5 milhões que eles já tinham recebido.



Pra você, então, o jogo estava claro?



O jogo já estava claro. Eu vou lá conversar com o Lula, vou explicar esse troço.



O que acontece na conversa com o Lula?



No final, depois de está tudo explicado, "entendeu como é que funciona", o que é que o Lula propõe? Ele pede pro Okamoto agendar uma reunião com os irmãos Teixeira! E o Okamoto agenda essa reunião com os irmãos Teixeira, reunião que vai acontecer no dia seguinte, 4 de junho. No dia 4 eu vou pra São Bernardo com o mesmo motorista, o JB, e passo uma tarde discutindo longamente com os dois irmãos, o Roberto e o Dirceu Teixeira, e mais o Paulo Okamoto presente.



Não me diga!



Eu, os dois irmãos e o Paulo Okamoto.



Onde foi a reunião?



No escritório do Roberto Teixeira.



Que horas?



A tarde toda do dia 4 de junho, no escritório do Roberto Teixeira.



Como foi essa reunião?



Eu falei: "Olha o que a CPEM fez", meti o pau, fazendo um esforço até pra não vincular a imagem deles com a empresa. "Olha, não dá, nós temos que botar isso aqui no pau porque é muita sacanagem." Foi uma conversa difícil, imagina.



E o compadre?



Aí o Roberto e Dirceu Teixeira ficam encarregados de irem até a CPEM relatar o que eu tinha contado pra eles.



Que coisa!



Ou seja: quem intermediou isso? Os irmãos Teixeira! E aí marcamos outra reunião pro dia 9, cinco dias depois. Nessa segunda reunião o Okamoto não está. Só estão os irmãos. No mesmo escritório, no mesmo local. Uma longa reunião, canseira total.



Mas o que foi que o Lula lhe disse nessa reunião entre vocês?



Disse que era muito grave, mas que tínhamos que encontrar uma solução.



Por que ele disse isso?



Porque envolvia o dono da casa. Ele disse: "Isso que o Paulo está colocando é grave e temos de esclarecer pros irmãos." A informação que eu passei pra ele foi tão grave que ele marcou uma reunião minha com os irmãos Teixeira e o Paulo Okamoto a tiracolo, para encontrar uma solução.



Não era o que você esperava.



O óbvio, na minha opinião, era ele dizer o seguinte: "Você apurou essas falcatruas? Então vá fundo porque nós não temos o rabo preso com ninguém." Essa seria a resposta que eu gostaria de ouvir. Não me importa se é meu compadre, meu irmão ou meu pai, se é meu filho, se é a minha mulher. Não importa. A partir do momento em que cometeu irregularidades contra recursos públicos, não tem problema, arque com as conseqüências. É maior de idade, vacinado, quite com o serviço militar, não importa.



Era o que você esperava - mas, ao contrário, o Lula articula a reunião com os Teixeira.Articula. Porque estava preocupado com os eventuais desdobramentos que estavam previstos.



Que desdobramentos?



Já tinha uma ação na Justiça, eu estava no processo de contratação de uma empresa de auditoria, pelos procedimentos legais e não por notória especialização. Coisa, note bem, que no caso de uma auditoria eu poderia fazer. Mas, pelo contrário, fiz tomada de preços, mandei propostas para três das melhores empresas do ramo, a Boucinhas, a Trevisan e a Artur Andersen. As três mandaram propostas, prazos e valores para executar aquele trabalho. No caso da CPEM ganhou a Boucinhas.

Então, além do que já estava ajuizado, era iminente a contratação de uma auditoria.

Uma auditoria externa, que estava pronta para ser feita, como de fato foi. Pro Lula estava absolutamente claro que se tratava da CPEM, com a participação dos irmãos Teixeira. O que eu mostrei pro Lula foi o processo da CPEM. Eu não falei no Roberto Teixeira. Mas restou evidente que o Lula sabia que a CPEM envolvia o Roberto Teixeira.



Qual foi a providência que ele pediu? Ir conversar com o Roberto Teixeira. Por que o Lula pediu pra eu conversar com os irmãos Teixeira, acompanhado do Paulo Okamoto?



E na reunião com os Teixeira ficou mais do que claro que a CPEM, na prática, era do Roberto e do Dirceu.



Eu não posso afirmar se era ou não era, porque no contrato social o nome deles não aparece. Mas eu não tenho a menor dúvida da relação íntima que existe entre eles e a CPEM. Tanto é que, diante das irregularidades documentadas, das evidências dos fatos, o papel deles foi me pedir um tempo para eles irem conversar com a CPEM e me trazerem uma posição.



Mas com que autoridade?



Quem pediu pra que eu conversasse com o Roberto Teixeira foi o Lula. Pra mim a autoridade era o presidente do partido, a nossa principal liderança.



Você dizia que a 9 de junho houve outra outra reunião com os Teixeira.



No mesmo lugar, o escritório do Roberto, dessa vez sem o Paulo Okamoto. Aquela conversa difícil.



Difícil em quê? Por quê?



Difícil. Como é que se argumenta diante dos fatos? Eu tinha provas concretas.



O Roberto nunca chegou numas de "Pô, Paulo, vamos parar de graça. Você não sabe qual é o esquema"? Ele nunca abriu o jogo? Como é que ele agiu?



Não. Ele sabia que eu sabia das relações dele com a CPEM, porque ele foi em Campinas vender a CPEM. Mas ele agiu como o cara que intermediava a CPEM. É ele que faz a proposta de como deveria ser resolvido o impasse.



Qual foi a proposta?



Depois dessa longa conversa ele propôs o seguinte: "O que está na Justiça está na Justiça e ninguém mais faz uso político disso." Ou seja: eu não ia mais na imprensa, não ia mais bater com os caras, não ia mais acusar a CPEM. Ou seja: "Você já cumpriu sua parte? Agora esquece. Deixa na Justiça que lá a gente resolve." Tudo bem. Pra mim a minha parte estava feita. O que eu tinha ainda era uma última carta, que ele sabia que eu tinha, uma auditoria externa.



Você desistiu da auditoria?



Não. No começo de julho a Boucinhas foi contratada para fazer esse levantamento. E aí a começa a ficar interessante. Porque no final de julho sai o índice provisório do ICMS, com a cota-parte de São José dos Campos. É por isso que é feito pela prefeitura, porque aí você diz "ôpa, meu índice é maior do que esse". Então você entra com um recurso junto à Secretaria da Fazenda do Estado pra dizer: "Olha, o meu índice não é X. É X mais tanto." O mês de agosto é pra isso.Abril, maio junho, você faz o seu levantamento próprio, paralelo ao que o Estado está fazendo. Quando o Estado lança o seu índice, você checa o valor dele, a quantidade monetária mesmo. Aí imediatamente você entra com uma ação, baseada em todos os levantamentos que você fez no período. O Estado avalia, vê se está certo, se não está certo e decide: o índice definitivo é este, em função dos recursos que entraram. O Estado pode aceitar ou não aceitar - e era aí que eles ganhavam dinheiro.



Então o que é que acontece?



Eu tinha treinado uma equipe, aqui em São Paulo, na Fundação Faria Lima. Dei treinamento específico em São José dos Campos para um grupinho de seis pessoas, jovens contabilistas, na faixa de 20 anos.

Quando sai o índice provisório o nosso índice já está lá em cima. Ou seja: nós conseguimos obter, a custo zero, o melhor índice de ICMS da história de São José dos Campos. Com a equipe interna. É um resultado fantástico.



E aí a Boucinhas já estava fazendo a auditoria?



No começo de agosto a Boucinhas me faz o relatório preliminar sobre a CPEM - e aí era assustador. Já antecipava que a coisa era grave - e agora já não era uma sindicância interna. Tinha falsificação de assinaturas, rasura de documentos, até a própria fórmula de calcular os 20% também estava errada. Ela favorecia a CPEM.



O que o relatório da Boucinhas provava?



Que a CPEM era uma firma no mínimo inidônea, e no máximo que ela metia a mão nos recursos públicos de São José dos Campos.





Isso restou provado?



Provado. Uma firma inidônea, que não tinha que ter mais conversa com ela. E era coisa muito grave.



Que você evidentemente vai informar ao Paulo Okamoto.



O relatório saiu no dia 9 de agosto. No dia 11 eu avisei o Paulo Okamoto. Eu falei: "Olha, a situação é grave." Ele não fez nenhum comentário dessa vez. No dia 27 de agosto sai matéria paga da CPEM na primeira página dos jornais de São José dos Campos. A CPEM já sabia de antemão que o nosso índice ia ser o melhor resultado. Ela queria se safar dessa porque tinha os US$ 5,5 milhões para receber. Quem abre mão de US$ 5,5 milhões? Esses dois deputados do PFL venderam o voto por 200 contos, pô. Eu estou falando de US$ 5,5 milhões! E fora os US$ 10 milhões que já tinha recebido e que teria de devolver se perdesse a ação. Então, espera aí. É um dinheirinho que ninguém joga fora. Já se matou por muito menos neste País.



Sai então a matéria paga da CPEM nos jornais de São José.



Sai - e aí significa que eles quebraram o pacto.



O acerto feito naquela reunião com os Teixeira.



Isso. Qual era o acerto que eu tinha feito com os irmãos Teixeira? De que não se faria uso político. Eles vêm com matéria paga nos jornais da cidade, primeira página, pra dizer que os bons resultados financeiros que a prefeitura ia ter eram em função dos trabalhos deles. E que o secretário da Fazenda era um irresponsável. Ou seja: metem a boca em cima de mim.



A CPEM tomaria providência sem o conhecimento do Lula?



Eu acho difícil. Que ela não cumpriu o acordo ela não cumpriu e quem avalizou o acordo pela CPEM foi o Roberto Teixeira. Porque eu nunca tive contato direto com a CPEM pra discutir isso.



Quem responde oficialmente pela CPEM?



Um tal de Carlos Alberto, eu nem sei hoje quem são.



Então eles publicam essa matéria.



A matéria saiu no dia 27. O que é eu vou fazer agora?



O que você fez?



Se eles romperam o acordo unilateralmente eu não vou deixar barato. Foi um acordo acertado, eu não vou consultar mais ninguém. Aí sai o índice definitivo no dia 28. Dia 31 de agosto sai o relatório definitivo da Boucinhas. Aí é claro que eu fui na imprensa, meti a boca nos caras, mostrei todos os erros. Saiu o índice no dia 31 e eu falei: "Agora eu vou pra cima deles."



Mais uma vez o Okamoto vai entrar na história.



No dia 3 de setembro de 1993 eu aviso o Paulo Okamoto que estou com o relatório definitivo da Boucinhas, que ele é comprometedor e tal. O Okamoto me diz o seguinte: pra eu tomar um certo cuidado porque a segunda Caravana da Cidadania quase não sai porque a CPEM não tinha passado dinheiro. Ele conta que tinha ido se encontrar com o cara da CPEM, não sei com quem, e o cara ficou de vir na semana seguinte. Na semana seguinte se encontrou de novo com o Paulo Okamoto e disse que não tinha nada por causa do que estava acontecendo em São José dos Campos.



Foi o Okamoto que te falou isso?



O Okamoto me contou isso. Você quer provas? Eu não tenho como provar isso. Mas foi falado. Bota eu cara a cara com ele que eu reafirmo tudinho. Eu queria reafirmar isso nas instâncias partidárias, coisa que eu não consegui.



O que você fez na seqüência?



No dia 11 de setembro tem a festa do lançamento da candidatura do Zé Dirceu no Clube Adamus. O deputado Arlindo Chinaglia me procura e diz o seguinte: pra eu tomar cuidado porque estavam puxando o meu tapete e era gente do meu campo. Meu campo leia-se Articulação. O Arlindo já estava em outra corrente. Quem estava me falando isso era um dirigente do partido, deputado estadual, com quem eu sempre me relacionei, sempre respeitei, posso divergir dele mas sempre respeitei. Imediatamente eu vou, pego o Paulo Frateschi, que era da direção estadual e representava o PT estadual nessas conversas com a administração. Eu peguei o Paulo Frateschi e perguntei o que estava acontecendo. Ele negou, disse que não tinha nada a ver com isso. Então eu chamei o Arlindo Chinaglia, botei os dois frente a frente e disse: "Arlindo, conta pra ele o que você me falou." O Arlindo repetiu na cara dele. E ele se desculpando, isso dia 11, sábado, 11 de setembro. Eu disse: "Arlindo, não é possível, a relação lá em São José dos Campos está boa." Ele respondeu: "Veja no seu campo, com a sua turma", assim mesmo, com todas as letras.



E aí?



No dia 13, segunda-feira, eu terminei meu relatório, pedindo uma série de medidas. Logo de manhã a Câmara me manda um ofício para ir depor no dia 16, naquela CEI lá de trás, que agora em setembro eles estavam convocando para a primeira reunião. Aí eu mandei um ofício pro secretário de Assuntos Jurídicos, encaminhando o relatório do Boucinhas e pedindo uma série de providências junto ao Ministério Público, Tribunal de Contas do Estado, Secretaria da Fazenda do Estado. Como é que a CPEM tinha informações que a prefeitura não tinha, antecipando o índice da prefeitura? Então há uma reunião do secretariado em que eu relato o que está acontecendo e formalizo o pedido de providências. Ao mesmo tempo estamos discutindo o orçamento, hora em que o secretário da Fazenda é mais solicitado, porque é figura-chave neste momento em que o orçamento está rolando, o processo de elaboração. À noite fiquei de conversar com a prefeita sobre o orçamento. Quando vou conversar ela me comunica que eu estavaxonerado. A 13 de setembro, uma segunda-feira à noite. Uma situação

absolutamente constrangedora, porque eu não entendi absolutamente nada.



Você realmente não esperava?



Não. Eu fui no gabinete para tratar coisas relativas ao orçamento. Ela falou assim: "Bom, ô Paulo de Tarso, você sempre foi muito legal, muito fiel, muito leal, sempre colocou que estava disposto a colaborar com a prefeitura, qualquer coisa no nosso governo e tal, então eu acho que chegou a hora, eu resolvi dar uma arejada no secretariado, uma oxigenada, e eu vou te substituir." Eu falei: "Será que eu entendi direito, prefeita?" Ela confirmou, me comunicando que eu estava exonerado. Ali em cima, na lata.



O que você fez?



Aí eu falei pra ela: "Mas Ângela, me diz o seguinte. Então tudo bem, a mudança é muito brusca, mas eu quero saber quem foi que pediu pra você me exonerar." Ela começou a chorar, com soluços constrangedores, foi um negócio muito ruim. Mas eu falei: "Eu quero saber Ângela." Eu tinha uma proximidade, os outros secretários tinham até uma ciumeira por causa da relação que ela tinha comigo e que eu tinha com ela. Aí0 ela acaba falando que eu fui exonerado a pedido do Paulo Okamoto, representando a direção nacional, e do Paulo Frateschi, representando a direção estadual. "Os dois é que pediram a sua cabeça." Isso palavras da Ângela, nessa reunião entre nós dois. Eu falei: "Tá bom.O que é que você quer que eu faça? Que eu fique mais um dia, uma semana, um mês?" Não tinha substituto, não tinha nada. Em pleno mês de orçamento.



Baixaram o centralismo?



Baixaram o centralismo. Eu ainda fiquei uma semana, dez dias, até botarem uma coitadinha, um pau mandado no meu lugar, uma assessora que veio de Santos, onde eu tinha arranjado emprego pra ela.



Você estava exonerado - mas ainda tinha o convite da Câmara para depor na CEI.



Você disse bem: tinha. Porque no dia 15 a Câmara Muncipal me manda um fax cancelando o convite para que eu fosse depor. Eu respondi dizendo que pela importância dos fatos meu depoimento independia de eu estar ou não no cargo. Mas morreu ali.



E o que fazia a direção do partido?



Eu conversei com o Aloízio Mercadante e com o José Dirceu. Ambos disseram que não sabiam de nada, o que eu duvido. O Aloízio até pode ser que naquele momento não soubesse. Mas o Zé Dirceu se mostra como sempre. Ele nunca sabe de nada. O Zé Dirceu nunca sabe de nada. Aí eu saí. Não saí atirando - mas fui montar a história. Até então eu não estava preocupado em organizar as informações da maneira que eu tenho hoje. Mas aí, organizando as informações, juntando as peças, ficou claro que havia um processo envolvendo o Paulo Frateschi e o Paulo Okamoto, dois bate-paus que fazem qualquer coisa. Repito: na minha opinião dois bate-paus que fazem qualquer tipo de serviço.



O que você fez depois de juntar as peças?



Aí já estávamos no final do ano. O Lula ia ser candidato. No dia 5 de novembro eu tenho uma conversa com o Gilberto de Carvalho, secretário- geral do PT.



Onde foi essa conversa?



Aqui na minha casa. Eu mostro os documentos pra ele, mostro a extensão do que estava acontecendo. Ele fica apavorado e diz que vai tomar providência, que vai encaminhar uma medida junto à direção.

Veio mais um período de silêncio. A 24 de novembro sai o relatório final daquela CEI. Um escândalo. Praticamente absolvendo a CPEM, sem ter havido uma reunião sequer. Uma CEI que teve o relatório de abertura e o pedido de fechamento.



Uma CEI em que você nem depôs?



Nem eu nem ninguém. Ela se encerra apresentando um relatório que basicamente isenta a CPEM.



O que a prefeitura fez?



Absolutamente nada, nenhum comentário a respeito da conclusão da CEI.



E o encaminhamento do Gilberto de Carvalho?



Silêncio total. No dia 19 de dezembro de 93 eu finalmente consigo mostrar pro Aloízio Mercadante. Fui na casa da sogra dele, onde ele estava morando, lá perto do Instituto Biológico, e mostro a documentação pra ele. O Aloízio fica assustadérrimo com aquilo - = me disse que tinha certeza que uma hora a direita ia fazer uso dessas informações. Pediu mais detalhes, eu dei todos, e ficou de pedir uma comissão de ética à Executiva do PT. Me disse textualmente que ia fazer isso.



Fez?



A 17 de fevereiro de 1994 eu fui informado pelo Aloízio de que ele e o Gilberto de Carvalho tinham entrado com uma representação junto à Executiva Nacional do PT pedindo a apreciação dos fatos. Em julho de 94 a CPEM foi condenada em primeira instância a devolver os US$ 10,5 milhões à prefeitura. Recorreram, evidentemente, com um advogado que eu sei que é peso de ouro, o Arruda Alvim, considerado um superadvogado aqui em São Paulo, aquelas bancas mais caras que existem. Já era agosto, ano eleitoral. Se eu quisesse convocar uma coletiva, com certeza acabava com a candidatura do Lula. Mas ao contrário eu trabalhando na campanha, participando de um grupo de economistas, reuniões aqui em casa.



Engolindo sapo - mas na campanha.



Mas militando. Até que termina o ano eleitoral. Quando chega o início de 95, cansado desses processos todos, eu fiz a carta e registrei em cartório no dia 23 de março. O cartório tentando entregar a carta pro Lula e o Lula fugindo da carta. Então, no dia 2 de abril de 95 eu fui no Hotel Della Volpe, numa reunião do Diretório Nacional do PT e distribuí a carta pras principais lideranças do PT naquele momento.



Em mãos?



Em mãos. Pro Genoíno, Gushiken, Scavone, Zé Dirceu, Rui Falcão, Suplicy, todos que você possa imaginar. Entreguei em mãos.



Antes da reunião?



Nos intervalos. Com uma grande curiosidade. O Della Volppe tem um bar à direita. Quem estava nesse bar, numa conversa superamigável? Lula, Roberto Teixeira e Gushiken. Nesse dia em que eu fui entregar a carta. Me viram, e eu entreguei ostensivamente a carta na frente deles. Ficou um clima. Melou a reunião. Melou.



Qual foi o resultado?



Nenhum. Nenhum resultado. E até hoje eu não recebi absolutamente nenhuma comunicação do partido. No processo de cobrança, principalmente do Aloízio e do Zé Dirceu, que eram pessoas com quem eu tinha um relacionamento maior, esse relacionamento acabou. Hoje estamos praticamente rompidos.



Você ficou cobrando?



Fiquei ligando, mandando fax, e absolutamente nada. Nada, nada e nada. É o silêncio. É a Omertà.



Você desistiu de cobrar?



Não. Agora, quando completaram dois anos, eu mandei a carta para toda a bancada, pra todo o pessoal que tem e-mail, com uma pequena notinha dizendo assim: "Em comemoração aos dois anos de aniversário de absoluto silêncio e conivência com as falcatruas de nossos dirigentes." Acho que a história da carta dispensa comentários. Só isso. E mandei. Pra Benedita da Silva, pros senadores do PT, mandei pra Marina, pro Suplicy de novo. Todos os que tinham e-mail eu mandei, para todas as instâncias partidárias.



O que você acha de mais grave nesse processo todo?



Eu encaminhei uma denúncia grave e documentada em todas as instâncias do partido, panfleto a carta na reunião do diretório nacional. E o que é que eu tenho? Silêncio, silêncio e silêncio. Essa é que é a situação.



Que leitura você faz de tudo isso hoje?



Ficou provado, por meios diretos e indiretos, que a relação do Lula com o Roberto Teixeira não está apenas no fato dele morar na casa. Todo mundo que tenha participado de uma administração petista sabe que sofreu algum tipo de influência para contratar a CPEM. Por que não investigar como é que foi o processo de contratação da CPEM por essas administrações petistas? Muito provavelmente os contratos foram enfiados goela abaixo.



Quais foram as administrações petistas para as quais a CPEM trabalhou?



Segundo a própria CPEM, Piracicaba, Santo André, Diadema e Santos. Pelo menos.



Qual é a sua avaliação política de toda essa história que você conta?



O PT veio de uma proposta transformadora das relações políticas que deveriam ser estabelecidas entre movimentos, quadros partidários, parlamentares e tudo o mais - e essa postura mostrou-se um tanto utópica diante da realidade.



Utópica por quê?



Porque o pragmatismo acabou falando mais alto. E o pragmatismo é exatamente isso: você, em função da tua carreira política pessoal, ou dos interesses da sua corrente política partidária, fazer com que esses valores menores acabem falando mais alto do que os princípios.E princípio é isso: a sua relação com os recursos públicos, a questão do caráter, da honestidade, da integridade, valores que a esquerda construiu ao longo da história. Foi isso que me seduziu a ser um militante de esquerda, a pegar em armas, a perder amigos, a perder muitos anos da minha vida em cana. E o PT pra mim não era aquele partido revolucionário - mas trazia aquela chama que era fundamental para criar novos valores. Hoje eu fico profundamente preocupado, porque esse tipo de ação, o papel que o Lula vem exercendo, o silêncio que se estabeleceu nessa relação - essas coisas comprometem exatamente uma concepção de esquerda que se construiu ao longo da história. E é isso que está em jogo pra mim.



Como você avalia a postura do Lula em relação ao que você diz na carta?



O Lula, no mínimo, no mínimo, foi conivente com todo esse processo. A partir do momento em que ele não toma nenhuma iniciativa, em que a carta é dirigida pra ele, em que eu tenho a preocupação de vir a São Paulo explicar pra ele todo o processo, ele intermedeia o relacionamento com a CPEM. E na hora que eu quero discutir a questão e mostrar a relação direta que existe entre as coisas ele se cala e se omite. E consegue fazer com que grande parte da direção petista também se omita. E consegue calar, não sei através de que meios. A partir do momento em que o silêncio acaba predominando, em que você se recusa a apurar as responsabilidades que estariam por trás desse relacionamento da empresa com militantes petistas, a partir disso prevalece a omissão. E quem omite, consente.



Então, na sua visão, é um problema de postura política?



Exatamente. Não é mais jurídico, não é mais judicial, não é mais de processar, porque a empresa está processada e condenada. Ela teve que devolver os US$ 10 milhões e não recebeu os outros US$ 5 milhões. Para mim é um fato estritamente político. Acho que para não ser jogado na vala comum dos partidos que negociam votos, alianças, verbas públicas, e fazem as trambicagens todas de que a história do Brasil está cheia, o PT não pode ter rabo preso com esse tipo de processo. E o Lula, nossa principal liderança, que deveria capitanear, puxar, dirigir o processo, se omite e se cala porque envolve o compadre, a empresa que envolve o compadre e a empresa que, segundo o Okamoto, financiou a Caravana da Cidadania, que passava dinheiro para o partido. Isso são palavras do Paulo Okamoto, não são minhas não. O Lula, no momento em que eu lhe mostrei todo o envolvimento da empresa, deveria romper com essa situação toda, independentemente de quem quer que seja. Deveria manter pelo menos um afastamento crítico, isento. Mas não. Ele intermedeia o processo de negociação, que leva pra onde levou, e se cala, se recusa a ver as provas que eu tenho. Se recusa em saber onde é que nós chegamos. O silêncio do Lula, a resistência da direção do partido em tomar conhecimento disso, são completamente comprometedores.



Você não livra a cara de ninguém?



Eu recebi solidariedade da esquerda e da direita do PT. Uma solidariedade tímida, que porém eu não posso recusar porque foi uma solidariedade.



Por que as chamadas esquerda e direita do PT não tomaram as providências que você pediu?



Eu entendo perfeitamente. A Articulação é esse PFL do PT, esse Centrão do PT, com todos os vícios do PFL, todos concentrados nessa Articulação, com exceção da Articulação municipal aqui em São Paulo -faço essa exceção. Como ela acaba sendo o fiel da balança, a esquerda ou a direita, para terem acesso à direção, precisam estar bem com a Articulação. Então por questões de sobrevivência política é que eu creio que eles não fizeram nada. Dirigentes da Articulação municipal viram os documentos e ficaram horrorizados com as coisas que viram. Nas reuniões públicas do PT corre a seguinte piada: "Sabe qual é a diferença entre o Paulo Okamoto e o PC Farias? É que se fosse o Paulo Okamoto ele não teria sido reconhecido lá na Tailândia." Essa piada corre dentro do PT.



O Lula pra você perdeu completamente a credibilidade?



Hoje eu sou anti-Lula. Perdi a confiança nele. Em 94 eu já não votei nele. O Lula pra mim hoje é um pouco aquilo que na história do sindicalismo no mundo apareceu muito. Pessoas que não conseguem resistir às tentações que o mundo lhe abre. Eu assisti companheiros que foram presos, pessoas que muitas vezes vêm de uma origem humilde e ficam deslumbrados diante de determinadas possibilidades. O Lula pra mim hoje é um deslumbrado. As referências dele são mero discurso. Pura demagogia. O Lula fazer um discurso defendendo a ética, criticando a corrupção, é a mesma coisa que ouvir o discurso do ACM e do Paulo Maluf falando de moralidade. Eu coloco no mesmo nível de demagogia - ou de hipocrisia, melhor dizendo.



Por que hipocrisia?



Porque se o Lula falar sinceramente ele não poderia ter deixado um caso desses em brancas nuvens, deixar passar desse jeito como deixou. Estou falando isso dois anos depois que ele recebe a carta, quatro anos depois dos primeiros alertas.



Para você o que pesou na balança foi a ligação com o Roberto Teixeira?



Não tenho a menor dúvida.



Como você vê a ligação entre o Lula e o Roberto Teixeira?



É uma relação tão misteriosa e tão cheia de nuvens que no mínimo é altamente suspeita. Se o Lula quisesse falar sério, e quisesse ser respeitado, ele no mínimo teria que estar preocupado em provar a ausência de vínculos com uma empresa como a CPEM. Como esse silêncio extremamente incômodo passou a dominar o ambiente, nada mais resta do que achar que o Lula é um "déjà-vu". Acabou a grande esperança que se tinha, a capacidade renovadora que ele representava dentro do PT e tudo o mais. Ele se lançou na vala comum dos políticos deste País. Não precisei ler isso em lugar nenhum, não precisei ser convencido por nenhuma reportagem. É a minha reportagem de vida. Se isso me trouxer alguma conseqüência de natureza jurídica, e vierem me incomodar, eu vou até achar estranho, porque até hoje prevalece o silêncio.



Quem é o Roberto Teixeira pra você?



Ele nada mais é do que um empresário que bota as fichas dele onde dá dinheiro. E o Lula vai continuar amigo dele enquanto estiver rendendo alguns trocos. Quem me deixou explícita essa relação entre o dinheiro da CPEM com o partido foi o Paulo Okamoto.



Por que o presidente do PT, ao receber denúncias graves sobre uma determinada empresa, encaminha você pra tratar desse assunto com o Roberto Teixeira?



Se fosse montada uma comissão de ética no PT, que levasse a fundo seriamente essas investigações, com certeza iriam chegar nas relações do Lula com o Roberto Teixeira e do Roberto Teixeira com a CPEM. Isso evidentemente não interessaria ao Lula e ao grupo que o cerca. É nesse sentido que a relação se dá. Formalmente eu sei que não existe uma relação entre a CPEM e o Roberto Teixeira. Agora, isso é uma formalidade. Existe contrato de gaveta, existem outras formas de relação, que eu estou me lixando. Eu quero saber por que o Roberto Teixeira estava agenciando os negócios da CPEM. E quero saber, também, por que depois de tudo isso, que a direção nacional do partido tem conhecimento, eu vou na direção nacional e o Roberto Teixeira está lá, e continua sendo até hoje um grande mistério nesse nosso partido. Essa é que a questão de fundo. Então, pra mim, o Lula, a partir do momento em que ele não quis, um sinal que ele deve ter feito, tipo numa arena romana, com o dedo, se era pra seguir ou não seguir, pra silenciar ou não, o resultado concreto é: que pessoas que eu respeitava muito, como o Aloízio Mercadante, ou mesmo o Zé Dirceu, até pela minha relação histórica com ele, eu nunca imaginei que fossem pessoas que fossem se acovardar tanto diante dessa realidade. Portanto eu estou convencido de que a gravidade é muito grande. Para pessoas que eu respeitava muito terem tido esse comportamento é porque realmente foram convencidas da inconveniência de tratar desse assunto internamente. Externamente, nem se fala.



O que você acha do Lula morar até hoje na confortável casa do Roberto Teixeira?



Isso é um escândalo. Eu acho um escândalo.



Por quê? O Lula acha tão normal.



Claro. Como ele acha normal se calar diante desses fatos.



Por que você acha um escândalo o Lula morar na casa dele?



Porque o Lula foi construído, ao longo do processo de luta, como um símbolo nacional. Ele era uma figura emblemática. A partir do momento em que ele não consegue resistir aos pecados veniais que o sistema oferece, é muito difícil depois resistir a outras coisas que o sistema oferece.



Como os pecados mortais?



Que são os pecados mortais.



Quando você fala da relação histórica com o Zé Dirceu você está lembrando que fez um seqüestro - o do embaixador Elbrick, em setembro de 1969 - que tinha, como objetivo principal, tirar alguns líderes estudantis da cadeia, entre ele o Zé Dirceu.



É mais do que isso. O Zé Dirceu sabe disso porque eu escrevi pra ele, documentei inclusive, dizendo pra ele que com certeza se o Zé Dirceu um dia sofresse um atentado, uma ameaça de atentado, o que quer que seja, ele teria certeza de qual seria o meu comportamento em relação a isso. E a recíproca infelizmente não foi verdadeira. Ele se calou, num silêncio covarde, conivente, e optou pelo caminho mais cômodo. O Zé Dirceu, com toda a amizade que eu tive com ele, nunca se dignou a se aproximar do documento que eu tenho, pra saber exatamente do que se trata. Nunca quis ver. E esse é o pior cego.

E é uma pessoa que tem intimidade com você pra bater na tua casa a qualquer hora. Ele morou nessa casa aqui. Ele separava das mulheres dele e vinha morar nessa casa. Tinha roupa dele aqui. Eu tenho até hoje um abajur dele. Éramos amigos nesse nível. Eu tenho até hoje um abajur de quando ele se separou da Ângela. Está aqui o abajur!



E como presidente do PT, o que você acha dele?



Hoje ele faz o discurso da conveniência, de acordo com o público. Então, se a gente voltasse a conversar hoje, provavelmente ele faria o discurso que eu gostaria de ouvir. E hoje eu não acredito mais nisso.



Por que você está dando uma entrevista tão dura e tão grave?



Eu não tenho opção partidária neste País. E eu confio muito no PT, nos quadros que o PT tem, na seriedade desses quadros. Eu não tive só experiências ruins no PT. Eu tive experiências ótimas, fantásticas. Mesmo aqui na administração da Luiza Erundina. Ela foi pressionada pra fazer acordo com o Roberto Teixeira e se recusou.



Como foi essa pressão?



Houve um almoço em que estavam presentes o Lula, a Erundina, o Roberto Teixeira e nessa discussão toda pra pressionar a contratação da CPEM pra fazer esse serviço que eu contei aqui.



E como é que você sabe disso?



Eu sei porque trabalhei na administração petista e tive informações seguras a esse respeito. O que eu vi muitas vezes foram manifestações raivosas contra a Luiza Erundina por ser muito rigorosa nessas questões. Ela não foi conivente com isso. É voz corrente.



Você sabe que uma entrevista como esta vai criar uma série de problemas para o partido, para a direção do partido e para você próprio. Como você vai encarar isso?



Eu já antecipo: vão dizer que eu fiquei louco, que eu devo estar a serviço de alguma força conservadora e reacionária. Outro dia mesmo o Paulo Okamoto comentou com várias pessoas. Perguntou se eu não estava na Bahia, se eu não tinha sido contratado pelo ACM na Bahia. Eu estou insistindo nisso todos esses anos. E a única resposta que eu tenho recebido é o silêncio. Eu não tenho rabo preso. Se quiserem virar minha vida de trás pra frente tudo bem. A polícia já fez, a repressão já fez. Cada vez que eu fui secretário de Finanças em Campinas e São José dos Campos a reação vinha e punha a minha vida de ponta-cabeça. Eu sou um cara que não tenho, que nunca tive rabo preso. Agora, o que eu tenho é o seguinte. Eu quero deixar claro que quero continuar olhando o meu filho de frente. Isso pra mim é fundamental. Se isso vai me custar dor de cabeça, mais dor de cabeça, mais algumas inimizades no PT - onde eu também tenho ótimos amigos, muitos -, tudo bem. É por isso que eu não me calo. É por isso que eu continuo petista. Porque se eu achasse que o PT se resumia a Lula, Zé Dirceu e a esse entourage que está hoje aí, eu estava fora do PT. Eu acho que o PT tem condições de se renovar, se reciclar e provocar profundas mudanças que ele precisa sofrer para recuperar o prestígio e a imagem que hoje está saindo pelo ralo, infelizmente. Então a minha posição é essa. Eu não temo nada, a não ser que queiram materializar aquele atentado da Rodovia dos Trabalhadores. Tornar a história pública

aumenta a minha segurança.



SUPLICY E MERCADANTE QUEREM APURAÇÃO



Luiz Inácio Lula da Silva e José Dirceu, presidentes do PT, não deram retorno aos pedidos de entrevista do JT até o fechamento da edição, às 22 horas de ontem. Eles foram informados sobre a entrevista de Paulo de Tarso Venceslau pelo senador Eduardo Suplicy. Ele disse ao JT que falou pessoalmente com José Dirceu e com Marisa, a esposa de Lula. Dirceu minimizou o assunto. E Lula estava repousando. Foi informado mais tarde, mas mesmo assim não deu retorno. O JT também formalizou pedido de entrevistas a todas as pessoas citadas na entrevista à assessoria de imprensa da direção nacional do partido. A assessoria esforçou-se nesse sentido, mas o resultado foi nenhum. Falaram com o jornal a respeito da entrevista Suplicy e o economista Aloízio Mercadante. Suplicy disse que "os fatos relatados por Paulo de Tarso devem ser apurados com seriedade até o fim, incluindo o esclarecimento da relação entre a empresa de Roberto Teixeira e o PT". Segundo o senador, a direção do partido já havia iniciado uma apuração a respeito do caso - sem ir até o fim. Mercadante também acha que o PT deve efetivar uma comissão de ética que apure o assunto a fundo. "É evidente que uma denúncia como esta vai trazer conseqüências políticas e jurídicas, até porque é um dever daqueles que têm honra se defenderem na Justiça." Mercadante diz que deu inteiro apoio a Paulo de Tarso no que diz respeito às denúncias contra a CPEM, "empresa que fraudava escandalosamente o ICMS de São José dos Campos". Nesse sentido confirma ter pedido à Executiva uma comissão de ética - que acabou não se materializando. Acha, entretanto, que o partido agiu corretamente no caso de São José, penalizando e afastando a CPEM.





O QUE É ALAVANCAGEM DE ICMS



O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é a maior fonte de receita de municípios que possuem uma parque industrial razoavelmente desenvolvido. Tratando-se de um imposto recolhido pelo governo do Estado e repassado posteriormente para os municípios, optou-se por uma forma de controle municipal: as folhas Dipam B, ou Declaração para o Índice de Participação dos Municípios.

Essas folhas Dipam contêm, resumidamente, o cálculo do Valor Adicionado - principal componente (80%) na ponderação utilizada para o cálculo da cota-parte do ICMS de cada município. Ele corresponde à diferença entre o valor das mercadorias produzidas e o valor dos insumos. Os outros 20% estão divididos entre a receita própria do município (ISS, IPTU, taxas, etc.), e população do município e um valor fixo, igual e constante para todos os municípios.



As folhas Dipams são preenchidas pelas próprias empresas e devem ser entregues no mês de março (do dia 1º ao dia 31) no Posto Fiscal da Secretaria de Estado da Fazenda.



Do dia 1º de abril até o final de julho as prefeituras fazem a verificação sobre as folhas Dipam. Caso seja constatada alguma falha (omissão, erro de cálculo, etc.), as prefeituras elaboram um relatório. No final de junho, o Diário Oficial do Estado de São Paulo publica os Índices Provisórios sobre a cota-parte de cada município. Durante o mês de agosto as prefeituras entram com recursos, quando for o caso e com base no relatório elaborado, para revisar os valores calculados pelo Estado.



É nessa hora que entra o esquema de empresas como a CPEM. Aparentemente trata-se de contrato de risco, isto é, ela só recebe uma porcentagem de 20% sobre o valor que ela conseguir alavancar entre o dia 1º de abril e 31 de julho.



Não se trata de crime fiscal porque o ICMS já foi recolhido na fonte. Qualquer erro observado nesses casos não é crime. Então, se uma empresa contratada para efetuar esse tipo de serviço - revisão das folhas Dipams - fizer algum acerto com funcionários encarregados de assinar a folha Dipam, esse funcionário não está cometendo nenhum crime, mas poderá receber uma bolada a título de colaboração.



No caso da CPEM, a auditoria independente feita pela Boucinhas & Campos contatou o seguinte:



- Dipams substitutas consideradas como Dipams omissas. O que significa que em vez de ganhar sobre a diferença observada entre as Dipams original e a substituída, a empresa, no caso a CPEM, ganhou sobre o total do valor, uma vez que não foi considerada a Dipam original.



- Dipams substitutas com divergências de assinaturas. Traduzindo: muito provavelmente assinatura falsificada do funcionário da empresa fiscalizada.



- Dipams com rasura na assinatura ou na data da entrega.



- Dipams entregues no prazo e consideradas omisssas. São Dipams que possuem inclusive os números de controle de microfilmagem da Secretaria da Fazenda do Estado. A CPEM ganha sobre o total do valor.



- Cálculo de remuneração dos serviços contratados. Ou seja: comparando o que reza o contrato e o valor da fatura apresentada, o cálculo da CPEM elevava em 50% o valor da remuneração da fatura apresentada.



EX-SECRETÁRIO ALERTOU LULA SOBRE IRREGULARIDADES



São Paulo, 23 de março de 1995





AO PRESIDENTE NACIONAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES LUIZ INÁCIO LULA

DA SILVA



Companheiro Lula

Há muitos meses que eu pretendia falar ou ao menos me comunicar com você, pessoalmente, para que não pairasse qualquer mal-entendido. Só não o fiz antes por causa da campanha eleitoral. Creio que agora que você reassumiu a presidência do PT poderemos esclarecer o que ocorreu, em 1993, na administração petista de São José dos Campos. Esclarecer com o companheiro Lula não mais como candidato, mas como liderança máxima do PT, um partido que veio para mudar a História desse país.



Serei objetivo para que, se houver interesse de sua parte e da direção do PT, possamos aprofundar o assunto no momento e no local mais convenientes.



Tive a (in)felicidade de, como secretário da Fazenda de São José dos Campos, descobrir uma série de irregularidades do governo anterior, que envolviam políticos comprometidos com o PTB, PMDB e com o famigerado PRN. Uma dessas irregularidades envolvia uma empresa bastante conhecida das administrações petistas: a CPEM - Consultoria Para Empresas e Municípios.



Essa empresa era representada por pessoas ligadas à direção do PT, como os irmãos Roberto e Dirceu Teixeira. Outras vezes, era apresentada até pelos prefeitos em exercício, como no caso de Campinas, em 1990, em que o prefeito era o então petista Jacó Bittar, como uma empresa de gente amiga e que poderia ajudar nosso Partido. Essa história é longa e nós, eu e você, tivemos oportunidade de conversar sobre o assunto, na primeira sede do governo paralelo. Aliás, foi o próprio Jacó Bittar quem me trouxe, pessoalmente, como militante petista e secretário das Finanças de Campinas para essa conversa com você.



Soube, posteriormente, que o mesmo se sucedera em outras administrações petistas, como no caso de Santo André, Diadema, Santos e Piracicaba, pelo menos. Eu me lembro muito bem que foi difícil convencê-los, no caso de Campinas você e o Jacó, que não era conveniente contratar uma empresa, sem licitação, para desenvolver um trabalho que as equipes internas das prefeituras tinham condições para executar.



Em 1993, fui convidado e assumi o comando da Secretaria da Fazenda, indicado, segundo o pessoal de São José dos Campos, pelos então deputados federais Aloízio Mercadante e José Dirceu. Com certeza,nunca solicitei nada a esses dois companheiros. Minhas ações sempre foram norteadas por princípios adquiridos ao longo de minha vida e dos quais não abro mão. Afinal, são valores que custaram muita luta, prisão, tortura, morte e exílio para centenas de companheiros e amigos.



Logo no início do governo petista em São José dos Campos, verifiquei que a CPEM era uma das maiores credoras da Prefeitura: já havia recebido mais de US$ 10 milhões e teria, ainda, um crédito superior a US$ 5 milhões, cujo pagamento jamais autorizei, apesar das pressões recebidas. Em pouco tempo, levantei as irregularidades que marcavam o contrato com essa empresa, favorecendo o que havia de mais podre no cenário político do Vale do Paraíba. Fiz questão de alertar a direção do PT e, em particular, Paulo Okamoto. Aproveitei uma reunião de secretários das Finanças, em Ribeirão Preto, no dia 23 de abril de 1993, para alertar os demais companheiros sobre o risco que poderiam correr caso contratassem aquela empresa. Acabei sendo admoestado pelo próprio Paulo Okamoto por ter falado demais em uma reunião que havia pessoas de outros partidos. Nesse dia, entreguei, para o Partido, o início de um dossiê sobre a CPEM contendo o parecer da comissão de sindicância que instalara para apurar as irregularidades daquele contrato.



A história é longa, como bem sabe, até por força de nossos encontros e conversas. Cheguei a sofrer ameaças como o cerco promovido por três homens, que estavam em um Gol branco, chapa DQ 4609, posteriormente constatou-se que se tratava de uma chapa fria, contra o carro oficial da Prefeitura, dirigido por um motorista de carreira.



Apesar de tudo, entre outros sucessos, durante os nove meses que permaneci no comando das finanças públicas de São José dos Campos, consegui, a custo zero e sem aumento de impostos, os melhores financeiros da história daquele município. O orçamento histórico de cerca de US$ 100 milhões aproximou-se de US$ 250 milhões em 1994. Consegui provar, inclusive na Justiça, que a CPEM era inidônea - foi condenada a devolver US$ 10,5 milhões para os cofres municipais.



O prêmio foi minha exoneração na noite de 13 de setembro, coincidentemente no mesmo dia em que encaminhei, pela manhã, formalmente, à Prefeitura e ao secretário de Assuntos Jurídicos, o resultado da auditoria externa que havia contratado e, ao mesmo tempo, solicitava uma série de medidas contra a referida empresa, junto ao Tribunal de Contas do Estado, Secretaria da Fazenda e à própria Justiça.



Pego de surpresa, cobrei da prefeita o motivo do meu afastamento, uma vez que eu era titular da secretaria que apresentava os melhores resultados práticos. Entre soluços constrangedores, a Prefeita me informou que Paulo Okamoto, representando a direção nacional, e Paulo Frateschi, pela direção estadual, "tinham pedido minha cabeça".



Esses dois tristes personagens sempre negaram o que a Prefeita me afirmara.



Posteriormente, os companheiros Aloízio Mercadante e Gilberto de Carvalho, segundo eles, entraram com uma representação junto à Executiva Nacional. Passado mais de um ano e sem qualquer resposta de quem quer que seja, não vejo outra alternativa a não ser essa: enviar uma carta, devidamente registrada no Cartório de Títulos e Documentos, solicitando do Partido dos Trabalhadores, oficialmente,informações sobre a dita representação e, ao mesmo tempo, que a Executiva Nacional se manifeste a respeito. Temos que impedir que o nosso querido Partido perca seu patrimônio mais importante: a credibilidade crescente junto à população e a confiança de que não seremos condescendentes com dilapidadores de recursos públicos. O PT não pode ser colocado na vala comum dos partidos tradicionais e políticos demagogos descritos pela máxima "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".



Entenda, companheiro Lula, essa minha carta como um esforço para se evitar que o silêncio, diante de tudo o que aconteceu, possa parecer como uma tentativa de acobertamento das atividades de uma empresa como a CPEM. Atividades que envolveram recursos públicos da ordem de milhões de dólares, financiamento de campanhas eleitorais de partidos e candidatos de direita, contratos condenados pela Justiça, e, no meio disso tudo, militantes do Partido dos Trabalhadores. Terminar em pizza seria um fato muito grave para o nosso Partido e para milhões de brasileiros que depositam sua confiança na sua história construída ao longo de muito sofrimento e luta.



Deixo aqui, pois, formalizados esses dois pedidos e me coloco à disposição do Partido para apresentar todos os documentos que estão em meu poder e prestar todos os depoimentos que se fizerem necessários para se apurar, até as últimas conseqüências, as responsabilidades sobre fatos que hoje desabonam e desacreditam nosso Partido em todo o meu querido Vale do Paraíba.



Informo, também, que estarei enviando cópias dessa carta para as nossas principais lideranças e instâncias partidárias porque acredito que "a verdade é revolucionária" e que a democracia e a transparência fazem parte do ideário petista.



Saudações petistas,





Paulo de Tarso Venceslau

RG 3.563.157 SSP/SP

Militante e ex-presidente do DZ Pinheiros

Ex-membro do Diretório Municipal de São Paulo

Membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate





São Paulo, 9 de abril de 1997



(Adendo à carta no dia 09/04/97)



Em comemoração aos dois anos de aniversário de absoluto silêncio e conivência com as falcatruas de nossos dirigentes, estou remetendo, de novo, a carta que registrei em Cartório em março de 1995.



Seria redundante qualquer comentário.



Um abraço,



Paulo de Tarso Venceslau









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