NÃO HÁ INDEPENDÊNCIA PARA A MAIORIA DOS BRASILEIROS
Hoje boa parte dos brasileiros comemora sua independência. Essa boa parte deve representar uns 35 a 40%. É pouco se avaliarmos a população brasileira como um todo, espalhada pelos mais esconsos rincões deste país continente. Esses 35 a 40% dos brasileiros fazem barulho e aparenta ser toda a nação a responsável por esse barulho. É no dia da independência; é no dia em que a seleção brasileira de futebol joga com outra seleção de um país qualquer; é no dia em que acontece a passeata do orgulho gay; é nos dias de carnavais, em que aparecem pela tv os nossos endinheirados pulando que nem macaco doido pelas ruas e pelos salões de todo o país, esquecendo-se que não é a maioria dos brasileiros que participam dessa festa interminável. Sim, porque a maioria nada tem o que comemorar. De início porque simplesmente nem pátria tem. Eis que pátria é o lugar onde se vive bem; quando não se vive bem o lugar pode ser qualquer outra coisa, menos a pátria.
Enquanto os brasileiros ricos e poderosos fazem a sua festa de Nero por todo o país, os escravos brasileiros se confinam em seus buracos chamados de residências e apreciam os ricos através de uma televisão, comprada a peso de ouro através dos juros escorchantes que os ricos têm o prazer de cobrar. Enquanto os ricos e poderosos comemoram a festa da independência do Brasil, os pobres e desamparados nada têm o que comemorar e até se admiram de ver tanta pessoas balançando bandeirinhas, perdendo tempo quando deveria estar trabalhando, como ele, pobre escravizado, vai fazer neste dia, que ouviu falar ser um feriadão.
De 60% a 65% da população brasileira mal consegue fazer uma festa de aniversário para seus filhos em seus buracos, chamados de residências. E quando fazem são auxiliados pelos vizinhos que sofrem do mesmo mal da pobreza. É o alento dos pobres escravizados brasileiros: a amizade entre eles. E esta amizade se torna segura, inseparável e é sincera. Tão sincera que entre eles não existe um vocabulário patriota. Chamam os patrões de “eles”. Chamam o governo de “eles”. Chamam os banqueiros de “eles”. Chamam as companhias de gás, de luz, telefônica, supermercados, emissoras de televisão de “eles”. É uma forma lingüística de separar o joio do trigo. Os exploradores são o joio. Os explorados são o trigo.
Este conceito separa, divide o Brasil em dois. Existem dois Brasis. Um é o Brasil dos bacanas. São os exploradores. Já se acostumaram a explorar de tal maneira os brasileiros do outro Brasil, que não consegue imaginar, por exemplo, um salário mínimo de 500 dólares. Isto seria o inferno para os ricos e poderosos: pagar bem aos brasileiros do outro Brasil. Quando outros países procuraram melhorar e adequar um salário mínimo possível a uma sobrevivência mais agradável, unindo as duas partes sociais em um só país. Aqui no Brasil não. “Eles” procuram separar o máximo possível. “Eles” não gostam de se misturar com os escravizados. “Eles” não gostam sequer de falar em aumento de salário. Quando um escravo, que “eles” chamam de “funcionário” pede um aumento, “eles” enrolam, dão um tempo, arrumam outro em segredo e mandam embora por justa causa, o escravo que ousou pedir um aumento.
Isto me lembra do celebre romance de Charles Dickens: se não me falha a memória: “David Coperfield”, quando o garoto David num ato inédito e corajoso, numa época na Inglaterra em que criança era sinônimo de escravo, levanta-se de entre a turba de escravos, que jantavam e vai até um dos monitores e solicita humildemente mais comida. Claro que as conseqüências foram terríveis, mas o garoto David comeu mais.
Por incrível que possa parecer, hoje, dia da independência do Brasil dos ricos e poderosos a ONU publicou uma notícia extraordinária para “eles”, quando para nós já é rotineira: a renda do brasileiro escravo caiu. Deve ser mais um motivo para “eles” comemorarem. Pagar pouco é um costume bem arraigado “deles”, os ricos e poderosos, além de sovinas. Os antepassados “deles” nem sequer pagavam. Compravam os escravos negros chegados da África e faziam com que os pobres diabos trabalhassem debaixo do chicote, também chamado de látego, relho, chibata, etc., etc. São tantos os nomes porque quando uma coisa é muito usada adquire um extenso vocabulário.
Portanto, hoje não comemoro nada. Não existe nada para comemorar. Pode existir para os espoliadores, para mim nada existe. Não posso me esquecer, assim como Castro Alves não esqueceu de que o mesmo verde-amarelo da bandeira brasileira era hasteada no mastro de mezena dos navios negreiros. E hoje não olho para ela com tanto orgulho, porque ela ainda protege os ricos e poderosos em detrimento dos menos favorecidos ou corretamente chamados de “escravos”, já que trabalhamos apenas para enriquecer os ricos e poderosos. A bandeira brasileira protege apenas os ricos e poderosos, além da malta política de ladrões no poder, os quais têm a mesma origem espoliadora.
Sete de setembro. Feriado nacional: dia em que vou trabalhar normalmente para enriquecer um rico. Mas, graças ao que ainda sou tive tempo de escrever este texto, o qual servirá para os homens escravos num futuro não tão distante ficarem a par de que o Brasil nunca foi realmente um só país. E quem sabe resolvam levantar a cabeça e acabar com tamanha injustiça social de uma vez por toda.
E viva ANTÔNIO CONSELHEIRO! O verdadeiro herói dos escravos brasileiros.