Sete teses equivocadas sobre a criminalidade e a violência
Glaucio Soares, Ignacio Cano e Julita Lemgruber
O Globo, 25/01/2001
Tese 1. A maioria dos homicídios é cometida por bandidos durante roubos e assaltos.
Nos crimes registrados no Estado do Rio de Janeiro, referentes a quatro anos (1994 a 1997), os latrocínios (roubos com morte) representaram menos de 3% do total de homicídios dolosos. Porém, o alto número de encontros de cadáver e de homicídios em circunstâncias desconhecidas indica que a quantidade de roubos com morte pode ser superior à registrada. Ainda assim, os dados certamente mostram que a maioria absoluta dos homicídios não é produto de assaltos de criminosos.
Tese 2. O problema de segurança se resolve colocando mais policiais na rua.
Várias pesquisas realizadas nos Estados Unidos demonstraram que o aumento do policiamento ostensivo simples e puro não provocou diminuições significativas nas taxas de crimes. Já o policiamento ostensivo específico, em locais e horários de alto risco, ou concentrado em determinados tipos de crimes, mostrou resultados positivos. A evidência até agora sugere que colocar mais policiais na rua pode aumentar a sensação de segurança da população, mas não diminui a criminalidade.
Tese 3. A presença de uma arma em casa protege os seus ocupantes contra roubos e assaltos.
Um estudo recente, nos Estados Unidos, mostrou que em apenas 2% dos assaltos a residências que possuíam armas, elas foram usadas contra os assaltantes. Pior do que isso: outro estudo indica que para cada vez que uma arma de fogo caseira é utilizada contra um invasor, outras 22 matam ou vitimam, intencional ou acidentalmente, os moradores ou visitantes legítimos da casa. Compramos armas pensando em defender a casa contra assaltantes, mas é muito mais provável que ela seja usada contra alguém da própria casa.
Tese 4. O aumento do número de crimes registrados pela polícia indica que a segurança pública está se deteriorando.
O número de crimes registrados pela polícia pode aumentar como conseqüência do crescimento da criminalidade, mas há outras variáveis que interferem nas estatísticas. Mudanças nos procedimentos internos da polícia podem aumentar algumas taxas As ações policiais que privilegiam o combate a um determinado tipo de crime fazem isso, e provocam o crescimento dos registros. Quando aumenta a confiança na polícia, as estatísticas também crescem porque a população procura mais a polícia para registrar os crimes de que foram vítimas. Em algumas áreas, como a violência doméstica e o estupro, os governos devem procurar aumentar os registros para que o problema não permaneça escondido.
Tese 5. A questão das armas ilegais e das drogas só se resolverá quando o governo federal fechar as fronteiras.
A Polícia Federal tem, aproximadamente, 7.000 agentes. Mesmo se tivesse dez vezes mais e contasse com a ajuda das Forças Armadas não seria possível fechar as fronteiras. Os Estados Unidos não conseguem controlar a sua fronteira com o México e o Brasil, com fronteiras mais longas, de difícil acesso e mais acidentadas do que a norte-americana, e muito menos recursos, dificilmente conseguiria fechá-las. O controle da entrada de armas e drogas depende muito mais de investigação que permita desarticular as redes de comércio ilegal e do fim da corrupção.
Tese 6. As armas usadas no crime têm alto poder de fogo, são estrangeiras e contrabandeadas.
Mais de 70% das armas apreendidas pela polícia nos últimos 10 anos, no Rio de Janeiro, são de fabricação nacional. A grande maioria é composta por revólveres e pistolas e apenas uma minoria são armas de grosso calibre ou de repetição. Os dados rejeitam a idéia de que o armamento dos criminosos está se tornando muito mais pesado. O percentual de armas automáticas ou de grosso calibre variou pouco ao longo da última década ,permanecendo entre 12 e 15% do total das armas apreendidas.
Tese 7. Somente aumentando a dureza das penas é que o crime diminuirá.
A dureza das penas tem menos efeito dissuasório do que a certeza da punição, isto é, de que os criminosos em potencial saibam que é alta a probabilidade de ser preso e condenado depois de cometer um crime.Em 1996, no Rio de Janeiro, uma pesquisa demonstrou que apenas 8% dos homicídios resultavam em processo criminal, um ano depois de terem sido cometidos. A maioria acabava arquivada por falta de elementos suficientes. Sem dúvida, o caminho mais eficaz para diminuir a criminalidade no Brasil não é o aumento das penas, mas a redução da impunidade.
Glaucio Soares é professor na Universidade da Flórida,
Ignacio Cano é pesquisador do ISER e Julita Lemgruber