Fugindo do anonimato da vida, uma fuga cega que parece cortar-nos a alma sem misericórdia. É assim que Ana, protagonista do conto amor, foge como uma maneira de encontrar suas antíteses, de construir seu conceito estético do “feio”, em oposição a casa sempre limpa e bem arrumada - a náusea de sua vida metódica.
Em consenso com a visão pós-moderna clariceana do homem perdido no anonimato, esmagado pela rotina, alienado dos grandes centros urbanos; Ana é perseguida pela imagem de um cego e pela necessidade de sair da sua rotina através do amor, numa ânsia desconhecida e obscura.
Móveis sempre limpos, sair para fazer compras, cuidar do lar e da família essa foi a vida anônima que Ana quisera e escolhera, até que seu mundo imutável e lógico, todas as suas referências, são rompidas pela visão do não certo, do não convencional, do “feio”. Todo mal é feito num segundo. Ana vê um cego da janela do bonde, e era como “ se olhasse o que não se vê”. Foi sufocada pela visão do que sempre estava ali, mas olhava e não via, parecia constante, como uma parte da paisagem . É o momento de vivência interior de Ana, desencadeador do fluxo da consciência, da sua desorganização de mulher “ passiva e feliz”.
O fluxo provocado por um acontecimento prosaico, a chamada epifania clariciana, desencadeia idéias que vão até o inconsciente da personagem; um acontecimento que até então passaria despercebido, se torna singular, despertando conceitos e sentimentos excêntricos: pena, piedade, e o amor incondicional a um cego.
“ Com horror descobria que pertencia a parte forte do mundo – que nome se deveria dar a¨sua misericórdia violenta? Seria obrigada a beijar o leproso, pois nunca seria apenas sua irmã. Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada (...) humilhada, sabia que o cego preferia um amor mais pobre.”
A visão do horror tirou Ana do belo e criou dentro dela o sentimento do amor incondicional, como amar o feio? Ana assim como a GH de Lispector que se desconstrói através do nojo, escapa do seu ostracismo e vivencia os paradoxos e antíteses do mundo.
“ (...) tenho medo dessa desorganização profunda (...) “ GH.
A literatura de Lispector é de rompimento interior: Ana saiu do seu cotidiano alienado, dos seus laços sociais e criou um espaço para libertação – ela ama o não amável, ela deseja o repugnante e dessa repulsa nasce um sentimento doloroso, mas que é real.
Cansada da sua felicidade, disposta a não ver defeitos, Ana entra em êxtase profundo: ela ama com nojo e sua vida, até então sadia, parece um modo moralmente louco de viver.
“ A mulher tinha nojo, e isso era fascinante”.
Como amar o feio? Ao contrário de Ana não temos plenitude e coragem para responder.