Não demorou muito e a coisa pintou. Pintou no sentido de chegou. Chegou no sentido de aparecer. Seja de que jeito for. Seja com que intenção. Com os pés ou com a mão. Subindo na escada. Com a tinta empunhada. E a lata de tinta no chão. Ou mesmo o bastão. Seja lá o que for. Movido a espirro. Que suja a parede. Derrama no chão. Mas deixa o sinal. De pega ladrão. Que suja o portão. Chegou a vez do escritor. Que tem na cabeça. Uma só intenção. Encher a parede. De garranchos desenhados. Garranchos iletrados. Desconfiados. De quem precisa dizer algo. Que está sufocado. No rosto e na alma. Na expressão do inusitado. E agora no quadro. O verso ganhou colorido. E agora é pichado. E todos parecem. Dizer obrigado.
Mas há algo de bom. No colorido pichado. No confuso do traçado. Há um recado. A energia existe. A vontade persiste. Falta apenas orientação. Toda aquela gente. Que vive empurrada. Trancafiada. Pra dentro de si. Sem que ninguém queira ouvir. O que terá pra dizer? E para fazer? Pra dar seu recado? Para pertencer. A tribo do lado? A tribo dos mais favorecidos? Deixando de lado. A tribo dos esquecidos?
E aqui faço o apelo. Aos pichadores de garranchos. Aos usuários de cores. Não sujem nosso quadro. Encham-no de flores. Bastam pequenas mudanças. Ainda há esperanças. O talento está à vista. Já está dando na pista. Falta só orientação. Falta apresentação. Falta oportunidade. Uma chance de ascensão.
Vamos pedir aos pichadores. Vamos lhe dar as mãos. Para que sejam transformados. Em profissionais grafiteiros. Façam desenhos. Escrevam roteiros. Falem de suas dores. De seus dissabores. De seus mil amores. Denunciem a farsa. Apontem o comparsa. Em rimas e versos. Falem da solidão. E do desamparo. Do arrependimento. E do perdão...
Mas não transformem suas energias em revolta. Não a joguem fora. Não a desperdicem agora. Digam o que quiserem dizer. Digam tudo o que têm pra dizer. Só assim vocês aparecerão. Terão sugerido. Terão crescido. Em cores e versos. E bem recebidos. Por todos, queridos. E agradecidos. . Sejam bem-vindos ex-pichadores. Agora doutores. Pintores grafiteiros. À luz da razão. À luz da ciência. `À luz da poesia. À luz da arte e da emoção.