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Artigos-->AS MEDITAÇÕES DE DESCARTES -- 04/12/2005 - 21:21 (Magno Matheus da Rocha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As Meditações de Descartes

MAGNO MATHEUS DA ROCHA



René Descartes é tido como o iniciador da filosofia moderna, o que pode ser verdade, levando-se em conta, entretanto, que, antes de afirmarmos quem possa ser considerado moderno, temos que saber, de antemão, o que significa "moderno" para a filosofia.

Penso que, para o pensamento, não devemos considerar moderno o que pertence à Era Moderna, apenas, mas aquele que está além do pensamento antigo, de modo que um filósofo atual pode pensar da mesma maneira que os filósofos de outros tempos, mesmo que considerados ultrapassados pela maioria.

No emaranhado de dúvidas que assaltam todos aqueles que pretendem decifrar a vida, seja no sentido metafísico ou científico, René Descartes acrescentou mais algumas, deixando claro que estávamos, no século XVII, como ainda estamos, no século XXI, tão distantes de uma verdade, mesmo que relativa.

O próprio Descartes se colocou em sérias dúvidas, jamais afirmando que suas teorias estariam mais certas do que as teorias expostas até então.

Podemos ver em suas "Meditações Metafísicas", com tradução de Maria Ermantina Galvão e Homero Santiago, Ed. Martins Fontes, 2000, sob o título "Resumo das seis meditações seguintes", p. 23, que o filósofo lançava dúvidas não só sobre as coisas metafísicas, mas também sobre as coisas materiais, colocando-as numa mesma posição em relação à verdade, ou tidas como verdade, até então.

Por essa razão e prudência, o filósofo submeteu seu trabalho aos teólogos, nomeando-o como "Prefácio à epístola dedicatória", em que diz:

“Aos senhores decano e doutores da Sagrada Faculdade de Teologia de Paris.

Senhores,

A razão que me leva a apresentar-vos esta obra é tão justa – e, quando conhecerdes seu desígnio, estou seguro de que também tereis uma razão tão justa de tomá-la sob vossa proteção – que penso não poder fazer melhor, por torná-la de alguma forma recomendável a vós, que dizendo em poucas palavras a que nela me propus. Sempre estimei que estas duas questões, de Deus e da alma, fossem as principais das que devem ser demonstradas antes pelas razões da filosofia que da teologia, pois, se bem que nos baste, a nós que somos fiéis, crer pela fé que há um Deus e que a alma humana não morre com o corpo, certamente não parece possível persuadir os infiéis de religião alguma, quase nem mesmo de alguma virtude moral, sem que primeiramente se lhes provem essas duas coisas pela razão natural. E, visto que freqüentemente se propõem nesta vida maiores recompensas para os vícios que para as virtudes, poucas pessoas prefeririam o justo ao útil, se não fossem retidas nem pelo temor de Deus, nem pela esperança de uma outra vida”. (Ob. cit., pp. 3-4).

Resumindo o pensamento de Descartes, ao apresentar sua obra aos teólogos, e não aos filósofos, podemos dizer que ele se colocava entre os fiéis, e que somente os fiéis tinham virtude. Ele era, de fato, um filósofo religioso e crente em Deus como o verdadeiro criador e ordenador do universo. Mas veremos, mais adiante, que ele se colocava em dúvida sobre o seu próprio pensamento.

“Meditação Primeira": "Das coisas que se podem colocar em dúvida”.

Nessa primeira “Meditação”, o filósofo, fundador involuntário do “cartesianismo”, renegou todas as suas opiniões, que considerava falsas, resolvendo começar tudo de novo, já amadurecido pela idade.

Que opiniões seriam essas?

Até então prevalecia a filosofia aristotélica, de modo que Descartes, ao considerar as opiniões anteriores como falsas, negava não só o aristotelismo, mas todas as filosofias escolásticas anteriores, chegando mesmo a dizer que:

“Ora, não será necessário, para atingir esse desígnio, provar que são todas falsas, o que talvez nunca levasse a cabo; mas, visto que a razão já me persuade de que não devo menos cuidadosamente impedir–me de crer nas coisas que não são inteiramente certas e indubitáveis do que naquelas que nos parecem manifestamente ser falsas, o menor motivo de dúvida que aí encontrar bastará para fazer-me rejeitar todas”. (Idem, p. 30).

Rejeitando todas as opiniões filosóficas ou teológicas do passado, qual seria a opinião por ele considerada verdadeira?

Descartes duvida das ciências que precisam de considerações, como ele dizia, firmando-se na matemática, pois que era simples provar que “dois e três juntos formarão o número cinco”. E aí ele cometeria, em nome da fé, uma dubiedade que lhe era própria, ao dizer que: “Todavia, há muito tempo tenho em meu espírito certa opinião de que há um Deus que pode tudo e por ele fui criado e produzido tal como sou”.

Mas logo lhe saltaram outras dúvidas, ao se perguntar:

"Ora, quem me pode me assegurar que esse Deus não tenha feito com que não haja terra, nenhum céu, nenhum corpo externo, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar, e que não obstante eu tenha os sentimentos de todas essas coisas, e que tudo isso não me pareça existir de modo diferente do que o vejo?” (p. 35).

Essas questões vão, aos poucos, sendo respondidas pelo filósofo em suas seguintes “Meditações”.

A grande controvérsia a respeito das teses cartesianas diz respeito às dúvidas e às certezas. Na "Meditação Primeira", que tem como título “Das coisas que se podem colocar em dúvida”, fica evidente que, para ele, há coisas que não podem ser colocadas em dúvida. Ora, no terreno filosófico tudo pode ser colocado em dúvida, pois não há nem haverá alguma certeza no terreno das idéias, especialmente quando se trata da crença no mundo não físico. Eu, mesmo, me considerando um exemplo desprezível pelos doutos, não creio nesse mundo.

Descartes começa por dizer que:

“Há já algum tempo me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera grande quantidade de falsas opiniões como verdadeiras e que o que depois fundei sobre princípios tão mal assegurados só podia ser muito duvidoso e incerto.

Agora, pois, que meu espírito está livre de todos os cuidados, e que me proporcionei um repouso assegurado numa aprazível solidão, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade a destruir em geral todas as minhas antigas opiniões”. (pp. 29/30).

Podemos dizer que a única certeza de Descartes era a dúvida, a ponto de acreditar num Deus criador de todos os seres e coisas e colocar em dúvida o próprio Deus a quem, em várias ocasiões, o considerou enganador.

"Meditação Segunda": "Da natureza do espírito humano e de que ele é mais fácil de conhecer do que o corpo"

Nessa "Meditação" Descartes aprofundou suas dúvidas, estendendo-as até à própria matéria, chegando mesmo a afirmar que continuaria em seu caminho meditativo “até que tenha aprendido certamente que não há nada de certo no mundo” (p. 41). E depois, se indaga: “Ora, eu sou uma coisa verdadeira e verdadeiramente existente; mas que coisa? Disse-o: uma coisa que pensa” (p. 46).

Até aí o filósofo não cuidou da existência, da vida, mas o que seria a sua existência, sem, contudo, chegar a nenhuma conclusão lógica por ele mesmo aceitável. Concentrou-se, então, na faculdade de pensar: “O que é que eu sou, então? Uma coisa que pensa” (p. 47).

Nós não existimos porque pensamos, mas pensamos porque existimos. O pensamento é uma das faculdades do homem, e só do homem, embora os outros seres, animais e vegetais, existam e não pensam. Essa faculdade – de pensar - é um dos atributos da vida, mas a Vida pura, ainda não pesquisada (e objeto deste estudo), não nos proporcionou nenhum atributo, mas, apenas, se poderíamos assim qualificar, o atributo da própria vida dos seres, entre os quais está o ser humano.

"Meditação Terceira": “De Deus; que ele existe”.

Nessa "Terceira Meditação", Descartes se deixa levar, mais uma vez, por sérias dúvidas a respeito da existência de Deus, embora insista em afirmá-lo e sua responsabilidade pela existência dos seres e coisas. Diz ele:

“E, por certo, já que não tenho nenhuma razão de crer que haja algum Deus que seja enganador, e mesmo que ainda não tenha considerado as que provam que há um Deus, a razão de duvidar que depende somente dessa opinião é bem tênue e, por assim dizer, metafísica. Mas, a fim de poder suprimi-la totalmente, devo examinar se há um Deus, tão logo se apresente a ocasião; e se achar que o há, devo também examinar se ele pode ser enganador; pois, sem o conhecimento dessas duas verdades, não vejo que possa jamais estar certo de alguma coisa”. (p. 60).

Até aqui, pois, a vida, no sentido metafísico, ainda não tinha um criador divino onde pudesse Descartes crer como verdadeiro, pois que a verdade, sobre a qual ele punha dúvida, era por demais relativa. E Deus ou é absoluto ou não existe. Logo, a dúvida elimina a sua existência para o próprio filósofo. Vemos que o filósofo, embora afirme em diversas passagens a existência de Deus, tinha "sérias" dúvidas sobre sua existência.

Embora eu reafirme que toda verdade é relativa, a minha verdade não duvida sobre a existência dos seres e das coisas independentemente de um criador, pois que o considero fruto da imaginação do ser humano, tendo em vista sua necessidade de sobreviver à própria vida e, sobretudo, explicar o universo.

Mas essa necessidade também é relativa, tanto que alguns milhões de seres humanos não acreditam em um criador, nem na vida eterna, entre os quais eu me incluo.

Julgar que Deus nos deu existência e é responsável pelo nosso destino é desvencilhar-nos da responsabilidade que todos temos sobre o nosso próprio destino. É esquecer que temos livre arbítrio que, embora não seja absoluto, nos impõe orientação. A escolha entre o bem e o mal pertence a cada um.

É comum vermos algum acontecimento trágico em que muitos ou alguns se salvam e muitos ou alguns sucumbem. E ouvimos dos que se salvaram: “Graças a Deus!”. Ora, por que Deus só salvou alguns e deixou outros morrerem? Esse fato demonstra que o ser humano procura sempre se inocentar de seus atos e colocar a responsabilidade em outros ou no próprio Deus que ele mesmo criou. Nesse caso vale mais o institnto de sobrevivência do que o apêlo ao divino.

A responsabilidade não existe só para os fatos ou atos maus; também pode ser creditada aos fatos ou atos bons, de modo que, se um fato ou ato for mau, é o próprio autor que deve pagar pelas conseqüências; se não, a ele também deverá ser creditado o fato ou ato. Nenhum ente metafísico poderá ser responsabilizado por um ou por outro. Não há Deus (ou qualquer divindade), seja enganador ou sincero, que possa se responsabilizar pelos atos humanos.

As dúvidas de Descartes, nesse sentido, não passaram de crenças, de idéias. E as idéias têm o dom de dirigir o pensamento humano para este ou para aquele caminho.

"Meditação Quarta": “Do verdadeiro e do falso”.

O que é verdadeiro e o que é falso?

Se eu disser: Deus não existe. É verdadeiro ou falso?

Se eu disser: "Deus existe". É verdadeiro ou falso?

Se eu disser, como disse Descartes: "Penso, logo existo". É verdadeiro ou falso?

A primeira conclusão (se tanto) é de que verdadeiro e falso não existem ou só existem no terreno do pensamento do homem. Para os demais animais, não existindo pensamento, não existem “verdadeiro” nem “falso”.

A natureza humana, como tem sido estudada por diversos filósofos (e a foi exaustivamente por Descartes e tantos outros), não se limita à existência do homem, e muito menos dele só, como, aliás, ele a via e se via. Daí suas constantes dúvidas e suas falsas certezas, como a certeza de juntar dois e três, formando cinco, não pode ser a certeza de que Deus exista ou deixe de existir. Reafirmo que a soma de dois e três só formam o número cinco porque o homem assim o quis, já que dois, três, cinco ou qualquer outro número não passam de nomes. Dois poderia ter ser chamado de três, e a soma de Descartes estaria errada. O verdadeiro é tão falso como o falso, porque este, também, pode se tornar verdadeiro.

Assim, Deus só existe para todos aqueles que nele crêem, pois é apenas produto do pensamento. E como não existe pensamento verdadeiro nem falso, Deus não pode ser considerado verdadeiro nem falso, salvo para o que acreditam ou não acreditam nele.

O método cartesiano é falho porque parte da dúvida para chegar à verdade. Ora, que verdade? A sua verdade.

Eu, para pesquisar a Vida pura, independente de qualquer ser, parto da dúvida, mas sem qualquer perspectiva de chegar à verdade, pois que não acredito na verdade absoluta. E verdade relativa não é verdade.

Que espero, então? Espero contribuir para pesquisas mais profundas que possam, mais aproximadamente, constatar se houve ou há Vida pura, pois a vida dos seres é materializada pela carne e, portanto, submetida aos nossos sentidos, e não, apenas, aos nossos pensamentos.

Para fundamentar seu juízo sobre o erro e a verdade Descartes se valia do livre-arbítrio. Mas o livre-arbítrio é tão relativo como o falso e o verdadeiro, pois o homem não possui livre-arbítrio de modo absoluto, amarrado que está às convenções legais, sociais e às suas próprias convicções.

Terminando a "Meditação Quarta", o filósofo diz:

“Aliás, não somente aprendi hoje o que devo evitar para não falhar, mas também o que devo fazer para alcançar o conhecimento da verdade. Pois, certamente, eu o alcançarei, se detiver suficientemente minha atenção sobre todas as coisas que conceber perfeitamente, e se as separar das outras que só compreendo com confusão e obscuridade. Ao que, doravante, cuidadosamente prestarei atenção”. (p. 96).

A busca da verdade é uma virtude do homem pensante, e a foi do filósofo e de todos os filósofos. Mas, querer conhecer a verdade como algo absoluto é querer conhecer o impossível. O que deve interessar, no entanto, aos filósofos, são justamente os benefícios das dúvidas e buscar sempre a verdade, falsa ou verdadeira, não vendo nisso qualquer contradição. Isso porque, para qualquer pessoa que crê na criação, Deus foi o criador; e essa é a sua verdade. Ao contrário, para os que não crêem, essa não é a verdade. Portanto, que cada um busque a sua, rebuscando sua verdade em seu intelecto.

"Meditação Quinta": “Da essência das coisas materiais e, mais uma vez, de Deus, que ele existe”.

Descartes traz aqui uma ótima passagem de pensamento, ao dizer:

“E o que encontro aqui de mais considerável é que encontro em mim uma infinidade de idéias de certas coisas, que não podem ser estimadas um puro nada, embora, talvez, não tenham nenhuma existência fora de meu pensamento, e que não são fingidas por mim, se bem que esteja em minha liberdade pensá-las ou não as pensar”. (p. 98).

Quando faço alguma pesquisa filosófica, naturalmente é por dúvida ou mesmo de alguma ilusão que pode não depender de minha vontade; mas, mesmo assim, se insere em meu pensamento. Mas, será que eu teria a liberdade de pensá-la ou não?

Se eu desse ao livre-arbítrio a grandeza que alguns filósofos e pensadores dão, entre os quais o filósofo citado, certamente eu poderia negar esse meu pensamento; mas, como já exprimi antes, o livre-arbítrio é relativo; e para melhor expressar, em meu modo simples de entender, não existe, autenticamente, livre-arbítrio. No entanto, mesmo que o homem não tenha o livre-arbítrio, ou sendo ele relativo, tem a faculdade natural de pensar e direcionar seu pensamento para esse ou aquele lado do conhecimento, sob determinadas influências, entretanto. Mas, se ele segue um pensamento errado, em sua conseqüência, quereria dizer que ele teria sido enganado por seu livre-arbítrio? Penso que não.

Eu, aqui, direciono o meu pensamento para a eventual existência da Vida pura, embora saiba que jamais poderei prová-la. No entanto, me obrigo a estudar diversos pensamentos na procura dessa prova. Mas, se não posso provar a sua existência, por que, então, pesquisar? Porque me propus à tarefa de contribuir para o aguçamento do raciocínio daqueles que, como eu, anda à procura da verdade, ainda que ela não seja absoluta.

Além do mais, faculdade de pensar não significa liberdade de pensar.

Posso objetar, como muitos o fizeram, que a prova do livre-arbítrio é a de que o homem pode praticar o bem ou o mal, à sua livre escolha.

Pondero que, quem assim pensa, não tem o pleno conhecimento do que seja livre-arbítrio, confundindo-o com uma simples tomada de decisão. Que seja uma tomada de decisão, mas todas as tomadas de decisão têm uma causa primeira, exterior e não interior, de modo que, quando socorro alguém ferido, praticando o bem, é preciso que antes exista esse ferido, que é uma causa exterior. Quando, ao contrário, firo alguém, praticando o mal, é porque, antes, esse alguém me deu alguma razão para feri-lo; e essa razão é uma causa também exterior; pois, em ambos os casos, eu, só por ter livre-arbítrio, não praticaria nem um, nem outro ato.

Para os que crêem na existência de Deus, ou qualquer outro ser superior, antecedente aos seres e às coisas, somente ele poderia, de fato, ter livre-arbítrio.

"Meditação Sexta": “Da existência das coisas materiais e da distinção real entre a alma e o corpo do homem”.

Uma das grandes dificuldades, não só a ciência, mas dos metafísicos, tem sido entender e considerar o corpo e o espírito como uno ou separado, distinto. Essa dúvida não poderia Descartes deixar de lado, embora, para ele:

“Assim, para começar esse exame, observo aqui, primeiramente, que há uma grande diferença entre o espírito e o corpo, pelo fato de o corpo, por sua natureza, ser sempre divisível e de o espírito ser inteiramente indivisível. Pois, com efeito, quando considero meu espírito, ou seja, eu mesmo na medida em que sou somente uma coisa que pensa, nele não posso distinguir nenhuma parte, mas concebo-me como uma única e inteira. E, conquanto todo o espírito pareça estar unido a todo o corpo, todavia, estando separados de meu corpo um pé, ou um braço, ou alguma outra parte, é certo que nem por isso haverá algo suprimido de meu espírito. E não se pode propriamente dizer que as faculdades de querer, de sentir, de conceber, etc., sejam suas partes; pois o mesmo espírito se dedica por inteiro a querer, e também por inteiro a sentir, a conceber, etc. Mas é exatamente o contrário nas coisas corporais ou extensas; pois não há uma que eu não ponha facilmente em pedaços com meu pensamento, que meu espírito não divida com muita facilidade em varias partes e, por conseguinte, que eu não conheça ser divisível. Isso bastaria para ensinar-me que o espírito ou a alma do homem é inteiramente diferente do corpo, se, de outro lugar eu já não o houvesse aprendido suficientemente”. (pp. 128/9).

Descartes tinha um ponto-centro em que ele sempre se fixou: o seu pensamento. Mas, que verdade pode trazer um pensamento se a ele se contrapõe outro pensamento?

À crença de que corpo e espírito se distinguem, por ser um divisível e outro não, contraponho ao afirmar que o ser vivente – homem ou qualquer outro animal – é desprovido de espírito no sentido de algo que, embora não o integre, "pois que indivisível", no dizer do filósofo, dele faça parte.

Considero importante destacar que alma e espírito não podem ser vistos como uma única entidade (e isto para aqueles que acreditam na existência de espíritos). Espírito seria uma identidade destacada do ser, pronto a deixá-lo logo após a morte do finado, de modo que continuaria a vagar no espaço, podendo, inclusive, se incorporar em outro ser. Quanto à alma, como nome dado à "essência do homem", não haveria nenhum obstáculo a contradizê-la, pois, sendo essência, poderia ser vista como algo inerente à própria vida, como já disse linhas atrás. Só que a alma está muito longe de ser essência. E disso já tratei.

A Vida pura – e é esta a questão – independeria da existência da própria alma, pois, sem um ser vivo que a abrigasse, não teria sentido um animus, que é justamente o nome do impulso que o faz exercer qualquer ato ou sentir alguma coisa, pois todos os atos e todos os sentimentos são próprios do ser vivente.

As dúvidas de Descartes, pois, não foram respondidas de modo definitivo, pois sua filosofia era, mesmo, a filosofia da dúvida.





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