No dia 4 de dezembro, se vivo, o general Emílio Médici faria 100 anos. Várias homenagens de admiradores cultuarão sua memória por todo o Brasil, homens de farda e civis, que nele agradecem o exemplo de vida de um grande patriota. Instado pelo Alto Comando do Exército, desambicioso, tudo fez para não suceder, em 1969, ao presidente Costa e Silva. Trouxe do Rio Grande uma proposta que defendeu sem êxito. Indicava dois parlamentares civis, que considerava ideais para assumirem a presidência e a vice-presidência, garantes da consolidação do regime. Vencido, exigiu a redução de meses do mandato proposto e condicionou sua posse à reabertura do Congresso.
Em seu discurso de posse anunciou que, ao cabo do mandato, entregaria o país redemocratizado. Iniciou o governo no auge da crise causada pelo seqüestro e posterior libertação do embaixador Elbrick, dos Estados Unidos, ao aceitar a junta militar as condições dos comunistas seqüestradores. Durante o seu mandato, enfrentou outros seqüestros e negociou as libertações, observando o precedente criado com a libertação do embaixador americano.
As guerrilhas, iniciadas em 1967, divididas em diversas facções, como de hábito das esquerdas, tinham entre as mais atuantes a Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella, que praticava, também, o terrorismo, e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), chefiada por um sargento na clandestinidade, a que se filiou o capitão desertor Carlos Lamarca. Todas — e não só essas — foram vencidas durante sua gestão, mas restava a do PC do B, no Araguaia, setenta combatentes rompidos com Moscou, China e Cuba, apoiados pela insignificante Albânia, o que o impediu de cumprir a promessa de entregar o poder aos civis.
Bem disse Prestes que a aventura da luta armada tudo que causou foi a continuação do regime autoritário. Por haver desbaratado as guerrilhas urbanas, tem sido Médici alvo da ira que lhe devotam os remanescentes então vencidos. Tudo fazem para manchá-lo com a pecha de ordenador de torturas, que teria sido a razão de sua vitória. Mentira. De grande importância é salientar que as guerrilhas comunistas jamais obtiveram o apoio popular, condição essencial que lhes faltou.
A tortura, que foi sempre política de Estado dos países comunistas, de Lênin a Fidel Castro, nunca foi política de governo do presidente Médici. Eu tive prova disso em um caso de que lhe dei conhecimento. Imediatas providências foram tomadas. O embaixador Mário Gibson Barbosa, em seu livro de memórias "Na diplomacia", o traço todo da vida, relata que, em duas reuniões do Conselho de Segurança, presentes todos os ministros de Estado, os chefes do EMFA, SNI, e dos estados maiores das três forças singulares, "o presidente Médici declarou, em termos inequívocos, não admitir que se torturasse. Os nossos estão morrendo e têm o direito de revidar com as armas. Mas prender alguém, para depois submetê-lo à tortura, é um ato ignóbil. Proíbo, terminantemente". Sirvo-me de seu testemunho de homem íntegro e altivo. Jamais Mário Gibson Barbosa cederia à inverdade ao relatar um fato histórico que viveu.
A política econômica do governo Médici logrou excelentes resultados, até hoje não igualados. A dívida externa líquida era de US$ 6 bilhões e as exportações de mais de US$ 6 bilhões, traduzindo os melhores índices de solvência. Uma fração própria, 0,9, que, hoje, infelizmente é superior a 2,5. Significa que o pagamento da dívida podia ser feito em menos de um ano de exportações. Havia pleno emprego. Prova-o o testemunho insuspeito do hoje presidente Lula, em depoimento ao historiador Ronaldo Costa Couto, em 1997,constante do livro "Brasil:1964-1985", em que louva o resultado da política econômica : "Naquela época, se tivessem eleições diretas, o Médici ganhava. Era uma época de pleno emprego. Era um tempo em que a gente trocava de emprego na hora que a gente queria".
O Brasil alcançava a oitava economia do mundo e o povo aplaudia o presidente Médici, até no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, afeiçoado que era ao futebol. Desprovido de rancor, não cassou um único parlamentar, a despeito dos insultos soezes que lhe dirigiram das tribunas do Parlamento ou fora dele, em comícios de estudantes na Universidade de Brasília. Nenhuma represália sofreram os insultadores habituais, nem a Universidade, que um ano antes de sua posse fora invadida. Mesmo os estudantes oposicionistas só sofreram a pena de suspensão escolar, quando militantes leninistas de partidos dedicados à luta armada para a conquista do poder. Puniu desonestos, como o governador do Paraná, por ele antes nomeado. Exemplar na conduta ética, quando decisão governamental permitiu aumento de preço de cavalos, o presidente, que tinha uma estância em Bagé, proibiu a venda dos seus até que o preço voltasse a baixar. Tendo amigos com aplicações no Banco Sul Brasileiro e na sua administração, não interferiu na liquidação do Banco, feita pelo ministro Delfim Netto. Prova do homem impoluto, que o poder não corrompeu.
Compreende-se que, nos ominosos tempos atuais, dos esquerdistas que chegaram ao poder (ajudados pelos antigos bajuladores dos presidentes militares), tenha sido o presidente Médici escolhido para ser o vilão da história recente. É o preço que paga o patriota, honrado e ético, o vencedor sem ódio, que impediu se transformasse o Brasil num satélite de Fidel Castro, o herói de muitos que se acham ou se acharam agora no poder.
(*) Coronel Reformado do Exército, ex-ministro de Estado, governador e senador.