(Dedico este texto à prima Maria da Conceição Silva Leão - a “Sinhá”, devota de Nhá Chica, e para o companheiro Ulisses Alves de Faria, rotariano - RC de São João del-Rei, distrito 4580 -, que me inspiraram a escrevê-lo).
Nasceu em 1808, na fazenda "Porteira dos Vilellas", povoado de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno (topônimo reduzido indevidamente para Rio das Mortes), uma criança que mais tarde, aos 26 de abril de 1810, foi batizada com o nome de Francisca de Paula de Jesus Isabel. Rio das Mortes é um dos cinco distritos de São João del-Rei - MG, município situado “no rico e ubérrimo vale do Rio das Mortes”. O topônimo Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno já era conhecido desde antes do primeiro quartel do século XVIII; foi lá que se casaram em 29 de junho de 1724 Júlia Maria da Caridade e Diogo Garcia da Cruz (ilhéus do Faial, arquipélago dos Açores), importante tronco de uma descendência enorme e que se espalhou por Minas Gerais, São Paulo e Goiás.
Segundo Marco Aurélio Rodrigues Dias, na sua obra “Escrituras Mineiras (Saibam Todos)”, Isabel Maria, a mãe de Francisca era uma escrava alforriada por Chica da Silva, em Diamantina. Isabel conheceu o índio Seberê e geraram Nhá Chica. Ele fugia dos fazendeiros baianos que roubaram suas terras. Subiu o Rio São Francisco e foi viver em Vila Rica, Minas Gerais, onde esculpiu anjos nas igrejas barrocas, como aprendiz de escultor. Seberê, depois, por motivos não muito claros, fugiu para Caxambu, sul de Minas, pelo Caminho Velho, por onde também passavam carregamentos de ouro e pedras preciosas, garimpados nas terras mineiras. O índio temia ser denunciado e preso; quando avistava as tropas, saía da Estrada Real e se escondia por algum tempo no mato e nas serras. Marco Aurélio escreveu que a ex-escrava Isabel estava grávida e concebeu durante uma das fugas do índio. Como Seberê nunca voltava de Caxambu, Isabel e filha saíram de São João del-Rei para procurar o pai. Porém nunca o encontraram...”. Seberê, segundo o autor referenciado, “era originário da Missão dos Aricobés, no Angical, Bahia, cujas terras eram escandalosamente ambicionadas pelos fazendeiros, uma vez que eram férteis”. Com o devido respeito ao autor faço este registro, mesmo entendendo que ele ainda precisa ser mais bem fundamentado.
O que é correto afirmar, aproveitando-me das pesquisas realizadas por Maria Cristina Miguez, das informações constantes no site www.nhachica.org.br e no livreto “A Pérola Escondida – Nhá Chica, a serva de Deus” escrito pelo pe. frei Jacinto de Palazzolo, é que com cerca de oito anos a menina Francisca mudou-se para Baependi, juntamente com a sua mãe e o irmão Theotônio. Aqui, como registro da minha admiração à cidade que tão bem acolheu a família oriunda de São João del-Rei, vai um pouco de sua história: Baependi teve sua origem em fins do séc. XVII, quando os paulistas Antonio Delgado da Veiga, seu filho João da Veiga e Manoel Garcia, partiram de Taubaté-SP em busca de ouro; transpondo a Serra da Mantiqueira, alcançaram um sítio que chamaram MAEPENDI - Mbaé-pindi significa "a clareira aberta" ou "muitos caminhos dependurados", em Tupi. Logo depois da mudança para o sul de Minas, a mãe de Francisca faleceu e ela cresceu em companhia do irmão, levando sempre uma vida solitária, recusando-se a namorar e a casar. Dedicou-se à fé. Com o tempo a sua fama de virtuosa cresceu, tornando-a muito conhecida pela clarividência e virtuosismo.
Por volta de 1865, mobilizou a população de Baependi para construir a capela de N. Sra. da Conceição, concluída em 1898, três anos depois da sua morte. Em todo o sul mineiro tornou-se famosa. Aconselhava a todos, dos mais humildes aos conselheiros do Império. Por sua alma caridosa, se tornou conhecida como a “Mãe dos Pobres”. Com sua fé, caridade, amor ao próximo e desprendimento total, acalentou quem foi em busca de uma palavra amiga, da resolução de um problema, da dissolução de uma dúvida. Quando alguém se admirava de suas predições, dos fatos inusitados e dos milagres ocorridos por sua influência, ela explicava: "Isso acontece porque rezo com fé."
Nhá Chica faleceu em 14 de junho de 1895 e foi enterrada quatro dias depois, na igreja que construiu. Seu corpo permaneceu insepulto por quatro dias sem o menor sinal de decomposição. Em 1957 foi criada a Fundação Nhá Chica, instituição que atende meninas órfãs e vive de doações de romeiros e de turistas. Passados mais de cem anos de sua morte, centenas de fiéis de todo Brasil vêm ao Santuário de N. Sra. da Conceição para rezar em sua memória, pedir e agradecer as graças alcançadas.
Paulo Coelho, um dos escritores que mais vende livros, membro da Academia Brasileira de Letras, referindo-se a uma visita a Baependi, afirmou em reportagem do Jornal do Brasil, de 1998: “(...) Comecei a passear pelos arredores e terminei entrando na humilde casa de Nhá Chica, ao lado da igreja. Dois cômodos e um pequeno altar, com algumas imagens de santos, e um vaso com duas rosas vermelhas e uma branca. (...) Fiz um pedido: se algum dia eu conseguir ser o escritor que queria ser (...), voltarei aqui quando tiver 50 anos e trarei duas rosas vermelhas e uma branca. (...) Ali começava minha jornada de volta aos sonhos, à busca espiritual, à literatura, e um dia eu me vi de novo no Bom Combate, aquele com o coração cheio de paz, porque é resultado de um milagre. Nunca me esqueci das três rosas."
Em 1993 a Diocese de Campanha e a comunidade baependiana pediram que fosse instaurado o Tribunal pela Causa da Beatificação de Nhá Chica - o primeiro passo à Canonização. Atualmente o Processo se encontra no Vaticano, em andamento e com perspectivas de que brevemente a santidade da são-joanense será oficialmente reconhecida pela Igreja Católica como a primeira santa genuinamente brasileira. O notável Sebastião de Oliveira Cintra, pesquisador são-joanense de saudosa memória, homenageou a nossa conterrânea no seu livro “Galeria das Personalidades Notáveis de São João del-Rei”, escrevendo que o nome dela “será sempre um luzeiro indicando que o amor ao próximo, a humildade e as virtudes cristãs também conduzem à consagração pública”.