“O CONDOMÍNIO NA ÁRVORE”
Por Hull de La Fuente
De frente à janela da minha sala existe uma árvore linda, forte e muito alta, cujos galhos já estão quase chegando ao sexto andar. É uma árvore de formato único. Quem a vê tem a impressão de que os galhos possuem a forma de braços, como os braços de Shiva, ou da Carmem Miranda, porque parecem em movimento de dança, sempre voltados para cima. Foi nesta árvore que a passarada da quadra resolveu fazer seus ninhos, pois, além do conforto dos inúmeros ramos, o tronco liso e grosso não permite o acesso dos predadores terrestres. Além das flores amarelas que a embelezam nos meses de agosto e setembro, a minha árvore espetacular, produz sementes em forma de favas que são um convite aos bandos de periquitos e curicas, que não recusam o gostoso alimento. Por causa das sementes o canto das aves não pára, ouve-se permanentemente o alegre debate entre elas. Nas pontas mais finas dos galhos existem alguns ninhos feitos de capim e gravetos, muitos passarinhos moram na minha árvore, mas eu não sei que pássaros são. Eu só conheço João-de-barro, aliás, o primeiro casal construtor ergueu a casa em uma semana, foram rápidos. Eles cantavam alegremente durante a construção da casinha em forma de forno de barro. Eles tiveram filhotes cujo crescimento acompanhei daqui da minha janela, no terceiro andar. Vi suas primeiras e fracassadas tentativas de alçar vôo, até que um dia não os vi mais, mas gosto de pensar que a família dos Joãos-de-barro foi feliz para sempre, isto é, o “sempre” que suas curtas vidas permitem.
O segundo casal de João-de-barro teve um comportamento diferente. A Joana brigava muito com o João, talvez porque a casa estava sendo construída na forquilha de um galho. Penso que a Joana não gostou da casa num beco sem saída. Muitas vezes quando ela subia com o barro para entregar para o João, não perdia a oportunidade e bicava o companheiro, ele protestava e tentava revidar, mas ela voava rápido para o chão. Depois que a casa ficou pronta nunca mais os vi. Receio que, como diz o folclore, o João tenha trancafiado a briguenta companheira dentro da casa da forquilha.
A construção da terceira casa começou da noite para o dia, por um solitário João. Ele parecia temperamental e escolheu um dos galhos bem diante da janela da sala. Eu o vi trabalhando por muitos dias, sempre com a cara de zangado e todo sujo de lama. A base da casa era muito grande e logo deu pra ver que não daria certo, pois lembrava uma canoa. A cada dia as paredes ficavam mais altas e sempre retas, como seria o telhado? Eu me perguntava. Será que ele vai usar capim para cobrir a casa? Mas nada disto aconteceu, assim como ele surgiu da noite para o dia, assim ele sumiu. Abandonou a “canoa” sem concluí-la. Faltou ao pobre João a companheira para ajudá-lo a entender o sentido do côncavo e do convexo. Sim, deve ter sido esta a causa do abandono. Ninguém pode construir sem amor, sem companheirismo.
O quarto João-de-barro chegou acompanhado da sua jovem amada. Gosto de vê-los trabalhando juntos. Eles também são muito sujos de barro, mas estão sempre cantando e acho que rindo da própria sujeira. Eles cantam em dueto, é lindo. A casa está quase terminada. A cada porção de barro que transportam, os dois trocam doces bicadas. Fico feliz por isso, é o amor retornando ao Condomínio da árvore.
Junho/2003
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