Enquanto Sharon reage ou não reage aos três sucessivos AVC que abruptamente o afectaram, ainda que os pareceres clínicos, uns após outros, o vão dando sem possibilidade de retorno a primeiro-ministro, os israelitas vêem-no por duas avaliativas lupas: os que tiveram de abandonar forçadamente as suas casas na faixa de Gaza, rezam para que o humano recupere e o político não regresse mais; os que não tiveram qualquer prejuízo, rezam pelo êxito dos dois desideratos.
Porque será que ambas as facções não baterão com a cabeça a sério, até fazer sangue, contra o muro das lamentações?
Algo assim aconteceu aos portugueses a partir de Abril de 1974: os que retornaram de África e os que, permanecentes no país, consideravam os regressados uma espécie aproximada a ex-exploradores negreiros.
Depois, juntavam-se todos em Fátima, uns a rezar para que a Senhora os salvasse da miséria e outros a pedir para que a miséria não lhes entrasse pela porta dentro.
Num caso e noutro, à distância de 32 anos, o óbvio tão só demonstra que os indivíduos não conseguem aquilatar factualmente o que outrem sofre deveras na pele. Só sentem, quando cruamente lhes passa no corpo e na alma aquilo que sequer sabem explicar esclarecidamente.
Ocorreu-me equacionar os dois paradigmas existenciais, tão-só, para que os leitores, ao tomarem em devido apreço as ilactivas incógnitas, tratem quanto antes de aferir a consciência sobre o chão nu e cru da realidade, e, assaz naturalmente, fiquem um pouquinho mais cientes e esclarecidos sobre a cambada que enforma o complexo político da nossa ridícula existência.
Entretanto e outrossim, dá-me aqui gana de referir um ditado, acrescentado, que aparentemente nada tem a ver com o assunto: "O cão reflecte o que o dono é exactamente, porquanto é o que resta de revelação sincera".
António Torre da Guia |