Dedicado ao médico Euclides Garcia de Lima Filho -o popular doutor Tidinho , testemunha do “desabamento” do palanque comicial do marechal Lott.
“O Soldado Absoluto”, editado pela Editora Record (2005), da autoria de Wagner William, é um livro de quase seiscentas páginas que traz a biografia de Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott, nascido em 16 de novembro de 1894 na localidade conhecida por Estação de Sítio (distrito de Barbacena-MG), hoje município de Antônio Carlos. O biografado faleceu no Rio de Janeiro, em 19 de maio de 1984.
Lott foi Ministro da Guerra no governo do presidente Café Filho, vice-presidente de Getúlio Vargas, que assumiu o poder com o suicídio presidencial em agosto de 1954. Durante sua permanência no ministério agiu como defensor das instituições republicanas. Foi bom administrador e modernizou o Exército. Criou o Comando Militar da Amazônia, expandiu a rede dos Colégios Militares no país, criou o Instituto Militar de Tecnologia, incentivou a indústria de material bélico e dignificou o Exército promovendo, pela primeira vez na sua história, um coronel negro ao generalato. Continuou como Ministro da Guerra no governo de Juscelino Kubitschek e em 11 de fevereiro de 1960 deixou o ministério para concorrer à eleição presidencial que teve Jânio Quadros como vencedor. Em “O Soldado Absoluto”, nas páginas 345 e 346, Wagner William registrou um episódio que já foi motivo de muitos comentários na cidade mineira de São João del-Rei: o desabamento de um palanque na avenida Rui Barbosa (atual av. presidente Tancredo Neves), no qual Lott e seus correligionários estavam a fazer o comício da sua campanha presidencial, em 23 de setembro de 1960. O autor assim escreveu:
“No dia 23 de setembro, São João del-Rei recebia a comitiva de Lott. Por volta das nove da noite, 10 mil pessoas lotavam a avenida Rui Barbosa, o centro da cidade e as sacadas das casas para ver o comício de Lott, na terra natal de Tancredo, candidato ao governo mineiro. No palanque, estavam Jango, Clóvis Salgado, Santiago Dantas, Benedito Valadares, Bento Gonçalves, Gustavo Capanema, Batista Luzardo, Onofre Gosuen e Danton Jobim, além de Lott e Tancredo, filho da cidade. De repente, depois dos primeiros discursos, o palanque desabou em segundos. Uma queda de um metro e meio. A multidão se assustou, mas não chegou a haver pânico. Uma correria naquele momento poderia transformar-se em tragédia. João Goulart foi o primeiro a reaparecer dos escombros. Acenava para a multidão, tentando transmitir calma. Tancredo repetiu o gesto de Jango. Santiago Dantas mal conseguia andar e era ajudado por outras pessoas. Os feridos eram levados para o comitê nacionalista. A equipe que promovia o evento agiu rápido e conseguiu fazer a ligação do som e o comício recomeçou para desviar a atenção da multidão, ainda assustada. A situação de Lott preocupava. Foi levado rapidamente pelos populares para a Santa Casa, que ficava a uma quadra do local. Os irmãos e médicos Euclides Garcia de Lima (Filho) e Francisco Diomedes Garcia de Lima, que acompanhavam o comício, atenderam o marechal. Ele foi um dos que mais se machucou porque estava logo à frente do palanque. Suas duas pernas foram atingidas. Uma delas fora rasgada na canela por uma tábua que se partira ao meio. Raspou também o tórax contra as madeiras. Os médicos cuidaram dos ferimentos do marechal, que estava furioso com os organizadores do comício. Reclamava de dor, mas não se conformava com a montagem de um palanque tão frágil. Os médicos fizeram curativos em suas pernas e recomendaram-lhe repouso, porque havia uma leve suspeita de fratura da costela. Enquanto eles esperavam a revelação das chapas de raios X, Lott voltou ao comício. Subiu em um banco da praça e fez seu discurso, que durou quase uma hora. (...) No dia seguinte, em São João del-Rei, a maioria udenista divertia-se com os lottistas inconformados com o acidente. O inconformismo virou revolta quando a investigação policial descobriu que os pés do palanque foram quase totalmente serrados na madrugada anterior. Com o peso das pessoas, veio abaixo. Todas as suspeitas recaíram sobre o taxista “Zé Patativa” figura conhecida na cidade, udenista ferrenho e, naquele momento, um exaltado janista. Acusado de ter feito a sabotagem, “Patativa” negava com um sorriso no rosto. Com a derrota de Lott, a investigação não seguiu em frente”.
O desabamento do palanque é um dos interessantes acontecimentos políticos ocorridos na cidade. Cresci ouvindo contar a história. Agora, ao me debruçar sobre a leitura da biografia de Lott, com surpresa e satisfação encontro registrado aquele “acidente”. Lembro-me de que o episódio era sempre contado com recheio de deboches e fina ironia. Ouvi dizer que no “rigoroso inquérito” sobre o desabamento José Alves Dangelo (o “Zé Patativa”) chegou a declarar jocosamente que a queda do palco era mesmo inevitável, pois o carpinteiro fora contratado não para fazer um palanque, mas sim para construir um mata-burro...