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Artigos-->OS BORDADOS DE JOÃO CÂNDIDO -- 13/02/2006 - 19:38 () Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Há muito tempo, nas águas da Guanabara / o dragão do mar reapareceu / na figura de um bravo feiticeiro / a quem a história não esqueceu / conhecido como o navegante negro / tinha a dignidade de um mestre-sala”...





(Trecho de “O Mestre-sala dos Mares”, composição de João Bosco e Aldir Blanc)











O conegaço João Cândido Felisberto (1880-1969), natural do Rio Grande do Sul, aos 30 anos de idade, a bordo do navio “Minas Gerais”, em 22 de novembro de 1910, liderou a “Revolta da Chibata”. “... João Cândido era o que na Marinha se chamava de um conegaço, um gorgota, vale dizer, um marinheiro experiente que se impunha aos mais novos e subalternos, sobretudo aos grumetes, pela autoridade da experiência e pela força dos músculos. A robustez física era exigência da marinharia a vela e condição indispensável para alguém se impor em um meio tão rude em que brigas e esfaqueamentos eram freqüentes. Os conegaços cumpriam também o papel de treinar os jovens grumetes e protegê-los contra abusos de outros marinheiros. A proteção raramente era desinteressada”, conforme escreveu Hélio Leôncio Martins no livro A Revolta dos Marinheiros (São Paulo, Cia.Editora Nacional/Serv. de Documentação Geral da Marinha. 1988).





José Murilo de Carvalho escreveu um artigo intitulado “Os Bordados de João Cândido” no seu livro “Pontos e Bordados”. Relata que o “pânico e fascínio tomaram conta da população do Rio de Janeiro entre os dias 23 e 26 de novembro de 1910, tempo que durou a Revolta dos Marinheiros contra o uso da chibata e outras práticas humilhantes vigentes na Marinha brasileira”. O castigo corporal era comum nas Forças Armadas, sobretudo na Marinha, onde era permitido o uso da chibata (método de expiação comandado por oficiais: além de receber chibatadas no lombo, o castigado teria rebaixamento de salário e de posto, prisão, humilhações na caserna, conforme previsto no Decreto n. 328, de 12 de abril de 1890) e da golilha (uma argola presa ao pescoço com uma espécie de galho de ferro, que subia além da cabeça), da palmatória e outros castigos corporais semelhantes. Vários documentos revelam marinheiros sendo castigados com 25, 100, 200, 500 chibatadas!





O já citado José Murilo de Carvalho, atual imortal da ABL, em visita a São João del-Rei/MG, no ano de 1985, teve a atenção voltada para duas toalhinhas bordadas que ainda estão no Museu Municipal Thomé Portes d’El-Rey (que está localizado no popular Largo de São Francisco/Casa da Bárbara Heliodora, centro da cidade). Descobriu que os toscos bordados tinham sido feitos por João Cândido Felisberto e que tinham sido doados ao Museu por Antônio Manuel de Sousa Guerra, o Nequinha Guerra, pessoa então bastante conhecida nesta cidade, principalmente por sua causa em favor do teatro. Naquela época Antônio Guerra vivia numa casa onde exibia com orgulho uma biblioteca especializada em teatro. Cabe aqui ressaltar que Nequinha escreveu um livro sobre o tema: Pequena História do Teatro Circo, Música e Variedades em São João del-Rei.





Antônio Guerra confidenciou a José Murilo que, em 1910, era praça do 51º Batalhão de Caçadores de São João del-Rei. Durante a Revolta dos Marinheiros, o batalhão foi chamado ao Rio de Janeiro, para auxiliar no policiamento da cidade e encarregar-se da guarda dos presos envolvidos com a Revolta da Chibata, então encarcerados na Ilha das Cobras. Entre os presos estava João Cândido. Antônio Guerra contou que fez amizade com ele. Relatou que o preso não se queixava das condições da prisão, mas reclamava da falta de jornais. Embora cometendo uma infração, Guerra revelou que levava o jornal para João Cândido ler, às escondidas.





Antônio Guerra estranhava muito que o temido marinheiro, que assustara a cidade e forçara o governo a buscar ajuda de tropas mineiras, passava grande parte do tempo bordando. Foi naquela ocasião que ganhou de João Cândido as duas toalhinhas bordadas, uma com o tema O adeus do marujo, e a outra Amôr (sic). São esses os dois bordados que se encontram no Museu Municipal Thomé Portes d’El-Rey.





Um dos trabalhos - O adeus do Marujo - foi feito em uma espécie de tosca toalha de rosto. Na parte de cima, lado esquerdo, estão bordadas as letras JCF, as iniciais de João Cândido Felisberto. No centro, em cima, o título O adeus do Marujo. À direita a palavra ‘Ordem’. No centro da toalha, duas mãos bordadas se cumprimentam sobre uma âncora e dois ramos que parecem ser de café e tabaco. Uma das mangas é branca e tem no pulso botões e galões de almirante, a outra é de simples marinheiro. Abaixo da âncora, o nome F. D. Martins, uma possível referência a Francisco Dias Martins, colega de João Cândido e comandante rebelde do navio Bahia, tido como um dos cérebros da “Revolta da Chibata”. Embaixo, do lado esquerdo, a palavra ‘Liberdade’, do lado direito a data ‘XXII de novembro de MCMX’, o “dia D” da revolta.





A segunda peça - Amor - é também do tamanho de uma toalha de rosto. O bordado está na horizontal. No alto estão duas pombas segurando, pelo bico, uma faixa que traz a inscrição ‘Amôr’ (sic). Abaixo, há um coração atravessado por uma espada, de onde jorram gotas de sangue. Dos lados do coração existem flores, algumas borboletas e um beija-flor. Nem nomes e nem datas.





Os bordados revelam que o negro grandalhão, filho de escravos, acusado de primitivo, inculto e grosseiro, pode também apresentar uma outra face: a de amante e sensível. Os trabalhos manuais seriam como uma espécie de autoterapia instintiva para fugir dos fantasmas que o perseguiam e pela angústia gerada com a situação de preso incomunicável. O conegaço certamente encontrou nos bordados uma forma de extravasar seus sentimentos, daí as duas humildes toalhinhas possuírem um valor único como documentos reveladores do lado humano do marinheiro. Será que o coração de João Cândido sangrava por alguém? Ou será que os bordados são a sugestão de um possível amor de marujo?





José Murilo de Carvalho, mestre em Ciência Políticas, ocupante da Cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras e mineiro de Andrelândia (conf. biografia da ABL), terminou o seu artigo do livro “Pontos e Bordados-Escritos de história e política” (a principal fonte que usei para escrever este artigo) afirmando que “para os que se preocupam em construir o mito de João Cândido como o herói de uma classe ou de uma raça, como o líder determinado e inconteste da revolta dos marujos, as revelações dos bordados podem parecer perturbadoras. Para os que preferem valorizar os aspectos humanos dos personagens históricos, para os que respeitam mais os heróis quando mais humanos parecem, os bordados são uma contribuição preciosa para a biografia de João Cândido. Em sua forma ingênua, em seu rico simbolismo, os bordados de São João del-Rei nos bordam um João Cândido maior do que o construído por seus detratores e mais autêntico do que o mitificado por seus admiradores”.





Em 1933, João Cândido fez parte da Ação Integralista Brasileira e tornou-se o líder provincial do núcleo da Gamboa, no Rio de Janeiro; numa entrevista gravada em 1968, declarou a sua amizade com Plínio Salgado e o orgulho de ter sido integralista. No começo dos anos 1970 os compositores João Bosco e Aldir Blanc imortalizaram João Cândido através da canção “O Mestre-sala dos Mares”; a história do Almirante Negro e da Revolta da Chibata ainda fazia eco nos circuitos militares e a música acabou vetada pela censura, por trazer à tona um assunto proibido pelas Forças Armadas.





Fica aqui, então, lançado através deste artigo, um segundo e retumbante brado para que se promova uma melhor conservação dos bordados de João Cândido, que estão guardados no Museu Municipal de São João del-Rei. Um primeiro brado, em vão, foi dado através do artigo “As Toalhas do Marinheiro”, escrito em co-autoria com o amigo e folclorista Ulisses Passarelli, quando foi publicado no jornal Gazeta de São João del-Rei, em 02 de outubro de 1999 (edição nº 63, p.4). Até hoje, passados mais de seis anos, os históricos e representativos bordados que se deterioram frente à ação indelével do tempo não foram alvo da melhor atenção e cuidados da Municipalidade e nem da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, responsável pela administração do Museu onde eles se encontram.





Mas ainda há tempo!











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