Pardais indefectíveis cantam o sol alto. Pontual esse menino a gritar "Correio" em meu portão. A claridade não cabe nos poros da cortina e, arrebentando a trama, anuncia: já é dia! E eu, que não pedi nada disso, meu Deus! Ouvidos moucos, de repente (milagre!) a natureza socorre o meu desassossego: psiu, que a moça quer dormir! Silêncio. A torneira da pia interrompe o pinga-pinga, álibi de minha insônia. Temo o ranger da cama, arrisco uma nova posição de perna. Onde o tufo do colchão que acolhe tão bem o meu braço? Meu quarto é coisa de doido: um som três em um que tirei em um consórcio, uma televisãozona, que me fiz o luxo, mais de cem canais para zapear o mundo todo, CDs espalhados pelo raque, nenhuma ordem. O mundo em meu quarto. O mundo lá fora. Fechem-se, olhos! Música não. Pálpebras, cerrem as últimas cortinas! Quero brincar com a cobrinha que um dia tatuei na retina. Aquela que nasceu do namoro entre um braço de sol a pino e a parte metálica de um poste. O brilho foi tão intenso que reverberou direitinho na menina de meus olhos, cinzelando uma linha tortuosa pontuada por uma cabeça de cobra. Ver um espermatozóide! Desde então, assim, sem premeditar, comprimo as pálpebras e brinco de levar a cobrinha pra lá e pra cá... assim... mas tenho que desejar enxergar a cobrinha... acho que nunca consegui vê-la sem querer... pensando bem, vou prestar mais atenção para, próxima vez, reparar nesse detalhe: precisa querer? Estou quase dormindo agora... só o som de minha respiração... uno, contínuo... já passei ao cochilo... Volto mais tarde, domingo! Dormi.