Aos filhos Daniel e Beatriz, que ainda estão conhecendo as "veredas do grande sertão"!
O livro "Grande Sertão:Veredas", lançado em maio de 1956, pela editora José Olympio, do Rio de Janeiro, completará seus 50 anos. Foi escrito com base numa viagem que o escritor Guimarães Rosa fez, em 1952, levando uma boiada com cerca de 600 cabeças, juntamente com oito vaqueiros, ocasião em que percorreu cerca de 40 léguas (240 km) durante 10 dias, indo da Fazenda Sirga (em Três Marias-MG, cujos pastos eram usados para a recria de gado) à Fazenda São Francisco (em Araçaí-MG, usada para engorda).
Acompanhando o dia-a-dia dos vaqueiros, de olho na paisagem e no povo, na interação homem-natureza, nas crenças e expressões populares, nos remédios caseiros, nas músicas e brincadeiras, nos jogos e danças, observando atentamente a fauna e a flora, sem perder o registro de nenhum detalhe, Guimarães Rosa fez constantes anotações nos seus "diários de viagem", cadernetinhas atadas a um cordão, dependuradas no pescoço. As impressões dessa viagem foram registradas no livro “Grande Sertão:Veredas”, uma fabulosa obra sobre os "sertões" de Minas Gerais, incluindo aí rico e impressionante registro lingüístico. A obra que pode parecer regionalista, é universal, posto que, como Rosa mesmo disse, “no sertão fala-se a língua de Goethe, Dostoievski, Flaubert, porque o sertão é terreno da eternidade, da solidão, onde o interior e o exterior não podem ser separados”. Na verdade, o sertão está em todo lugar e é do tamanho do mundo, o sertão está dentro e fora de nós, o sertão (de Rosa) é bem mais do que um mero tipo geográfico, é termo impossível de se definir, pois tem conteúdos vagos e amplos.
O sertão de Guimarães Rosa, por mais mitológico que possa parecer, foi produto das experiências pessoais do escritor num Brasil rural, rústico, que ainda existe de "teimoso" em lugares muito especiais, onde ainda se observa uma leva de depauperados procurarem o rumo das cidades, para em pouco tempo descobrirem que foram iludidos pela inutilidade dos seus deslocamentos. Dificilmente hoje alguém busca escrever um romance passado no sertão brasileiro, o que faz muita falta. Atualmente parece que todo mundo no Brasil só quer escrever literatura urbana, mas creio que não podemos nos esquecer de que ainda temos um Brasil rural, "sertões" cheios de conflitos das mais diversas naturezas e muitas riquezas culturais, orais, históricas e populares que estão totalmente fora da nossa literatura contemporânea. Aqui mesmo, na região do Campo das Vertentes de Minas Gerais, nos recônditos dos distritos desta cidade de São João del-Re, existiu e ainda (sobre)vive uma amostra desse “mundo”, onde muita história nos espera para ser garimpada!
Affonso Romano de Sant’Anna (in Caderno PENSAR - Jornal Estado de Minas - 04 de março de 2006, página 6) prestou o seu depoimento sobre a obra rosiana: "até hoje me lembro de quando embarquei na aventurosa leitura de GRANDE SERTÃO:VEREDAS. Foi uma viagem mar aberto, sertão adentro. Durante semanas o livro povoando minha vida. Obra-prima é assim: é releitura sempre, um não acabar de ler jamais. Ainda agora peguei velho exemplar para namorar de novo o tempo daquela leitura. Caí no Liso do Sussuarão, e quase não volto às obrigações que urgiam o mundo de cá. Autor que é autor de verdade é assim, aluga a alma da gente, a gente fica emprestado pra ele, emprestado, dado, subjugado. Por isto, começado, não tem mais retorno. Já não seremos mais os mesmos. Não se pode abrir um livro como GRANDE SERTÃO:VEREDAS impunemente. Esse Rosa é coisa para sempre. Mire e leia."
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo-MG, no dia 27 de junho de 1908; faleceu subitamente no Rio de Janeiro, em 19 de novembro de 1967. Foi acadêmico da ABL, eleito em 1963. Decidiu protelar a posse até 1967. No dia 16 de novembro foi empossado e morreu no dia 19 do mesmo mês. Três dias antes da sua morte, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Rosa afirmara que "a gente morre é para provar que viveu".
Considerado um dos principais romances brasileiros do séc. XX, o livro “Grande Sertão:Veredas” é narrado em primeira pessoa por Riobaldo, um ex-jagunço que há muito deixara de “cachorrar pelo sertão”. É uma epopéia protagonizada por um fora-da-lei que “cangaceou” pelos sertões em busca de si próprio, do poder e do amor, associando-se a bandos de criminosos, fazendo pacto com o diabo e contando as suas aventuranças. Qualquer semelhança de Riobaldo com o Francisco Matta, o “Chico Turco” – um "ex-justiceiro" - que viveu em São João del-Rei/MG, terá sido mera coincidência!
Grande Sertão:Veredas ainda é uma obra praticamente desconhecida dos leitores brasileiros.