COLOMBO: AS PINTURAS NARRATIVAS DE MANUEL DE ARAÚJO PORTO-ALEGRE.
Prof. Dr. Jayro Luna (Jairo Nogueira Luna)
Manuel de Araújo Porto-Alegre, talvez seja um desses casos flagrantes de quem conheceu grande fama em vida, mas depois caiu no esquecimento. Gozava Porto-Alegre de grande prestígio na corte, ao lado de Gonçalves de Magalhães, Frei Francisco de Monte Alverne, e ao lado do próprio Dom Pedro II, que os tinham em grande consideração. Quando Gonçalves de Magalhães publicou o seu poema épico, Confederação dos Tamoios, sendo logo atacado por José de Alencar, que apontava falhas no projeto épico de Magalhães, um dos primeiros em sair em sua defesa foi Porto-Alegre.
"em 1856 ao publicar o poema épico A Confederação dos Tamoios é severamente criticado por José de Alencar, que o condena por conservar estruturas poéticas tradicionais e por não ter sabido representar satisfatoriamente a temática indianista. Várias personalidades saem em defesa de Magalhães, Monte Alverne, Porto-Alegre, D. Pedro II. Alencar por sua vez, sofre a crítica de Franklin Távora e Joaquim Nabuco. O primeiro reprova Alencar acusando-o de falsear a realidade em seus romances, quando pinta os índios e a natureza brasileira. O segundo opõe-se ao autor de O Guarani seja em relação à tese da autonomia linguística do Brasil, que Alencar defendia Nabuco negava, seja no que diz respeito à valorização do tema indianista, que para Nabuco não refletia a verdadeira sociedade brasileira."
(BRANDÃO, Roberto de Oliveira. Estudo dos Manuais de Retórica e Poética Brasileiros do Século XIX. p.7)
Manuel de Araújo Porto-Alegre além de participar dessa polêmica teve intensa correspondência com Monte Alverne , em discussão de assuntos artísticos. Ferdinand Wolf assim apresenta o autor em seu O Brasil Literário:
"Manuel de Araújo Porto Alegre, o amigo que Magalhães citou em seu poema como pintor célebre, não goza um papel menor na história literária do Brasil.
Nasceu a 29 de novembro de 1806 no Rio Pardo, província de São Pedro."
(WOLF, Ferdinand. O Brasil Literário. p. 251)
Informa Ferdinand Wolf sobre toda a biografia de Porto Alegre, de como aprendeu a arte de empalhar animais com um velho prussiano, Frederico Selow, de como começou a desenhar e a pintar com Jean Baptiste Debret e de como o imperador Dom Pedro I, se agradou dos quadros de Porto Alegre . Conta também de como no governo de Dom Pedro II, Porto Alegre foi o responsável por diversas pinturas e obras plásticas nos prédios públicos e reais do Rio de Janeiro, como o prédio do Banco do Brasil, o plano da Igreja de Santana, a galeria da sagração no palácio imperial. Em 1860 passa a residir em Berlim como cônsul geral na Prússia. Com Magalhães e Torres Homem mantinham a publicação da revista Niterói, publicada em Paris, desde 1836, ano, aliás, inaugural do romantismo brasileiro. Sobre o poema épico Colombo, Wolf informa apenas que só alguns trechos haviam sido então publicados e que não é suficiente para que ele trace um julgamento crítico mais aprofundado sobre a obra.
Hoje, mais de um século depois da publicação da obra e quase outro tanto de seu olvidamento, Massaud Moisés é um dos críticos que tomam uma posição impiedosa em relação à obra literária de Porto Alegre:
"Ao menos, manteve-se fiel ao magistério de Gonçalves de Magalhães, o que de pronto oferece uma idéia do teor e valia de sua copiosa produção literária: impera a mediocridade. As Brasilianas, que publicou em Viena em 1863, no curso de andanças diplomáticas (encetadas em 1858), encerram versalhada mofina de que nenhum verso se salva."
(MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira: Romantismo, Realismo. p.50)
Como vimos no parágrafo acima, Massaud Moisés põe Magalhães e Porto Alegre no mesmo plano, poetas medíocres, pura verborragia cultista e erudita, sem ter nada do veio poético verdadeiro. Com relação ao poema épico de Porto Alegre, não é menos impiedoso:
"Colombo é uma enxurrada de estrofes soporíferas, cujo americanismo de gabinete e de antecâmaras palacianas, além de antagônico ao patriotismo alardeado pelo escritor, mais ressalta a genuína exaltação nacionalista dum Gonçalves Dias ou dum Alencar na prosa de ficção. (...) estamos em pleno absurdum, que só não é surrealista porque é sério e sem graça nenhuma. (...)
Mistifório inacreditável, a Colombo não falta uma infindável seqüência, entre os cantos X e XXIV, em que o próprio Demo conduz Colombo para o reino das águas ,(...)
Versejador canhestro, mas pretensioso, ávido de originalidade por toda a lei, Araújo Porto Alegre esmera-se na proliferação de formas eruditas, que cheiram a Cultismo setecentista, e na montagem de estrofes segundo uma imagética ofensiva à fluência lógica que caracteriza as criações verdadeiramente originais, e geradora de contínuas teratologias, como, por exemplo, (Canto XXXIV): A mulher é semente, o homem terra , oposta a tudo quanto tem sido a tradição mitopoética e à própria natureza biológica dos sexos."
(MOISÉS, Massaud. Op.Cit.p.50-53)
Massaud Moisés, pois, coloca a obra épica de Porto Alegre como uma obra que merecidamente caiu no olvido, aliás nenhum livro didático de literatura ou de história da literatura utilizado no segundo grau tem qualquer referência sobre o escritor. Quando das comemorações pelos quinhentos anos da descoberta da América, em 1992, nenhum artigo, nenhuma menção à obra de Porto Alegre sobre o navegador genovês. Levando-se em conta a extensão desse poema: 40 cantos! 950 páginas! Milhares de versos! Talvez aí, mais um motivo para o seu fracasso. Enorme, enfadonho, uma reedição custaria uma fortuna, além do que estaria fadado a novo fracasso, quem leria tal obra que não alguns ratos filólogos?
Antônio Cândido vê em Colombo uma única qualidade, se assim pode se chamar, a de ser o "maior" poema da literatura brasileira.
"Seria o caso de perguntar se a vocação épica era nele [Porto Alegre] responsável pelo derrame verbal, ou se apareceu como ajuste conveniente a esta caudalosa incontinência. De qualquer forma, daí nasceu o mais extenso poema da nossa literatura, o terrível Colombo, paquiderme de quarenta cantos, obra principal onde se compendiam os seus muitos defeitos e poucas qualidades."
(CÂNDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira, v.II. p.71-72)
Notemos, porém, no Colombo, que o episódio da descoberta da América é composto num conjunto de versos em que o poeta utiliza-se habilmente de uma seqüência de imagens. O navegador rezando em seus aposentos no barco crê que acaba de chegar à terra que procura apenas ao ouvir as vozes dos marinheiros na proa; depois, quando já desembarca nas praias o poeta num verso demonstra toda a expressão do desejo de conquista: "Morder o ferro a desejada areia". Antes da fala de Colombo, o poeta observa que a visão que estavam tendo da nova terra superava o poder das palavras: "Na mudez respeitosa mais que a língua. / Ao céu erguendo os lacrimosos olhos,".
"Mais um hora velou. Deu meia-note,
Rendeu-se o quarto no maior silêncio.
Acalmada a emoção, e mais convicto,
Fez sinal, e a esquadra pôs a capa,
Sem que alguém da manobra visse a causa.
Sentado e enfraquecido por vigílias,
Ainda olhava, mas, cedendo ao corpo,
Ali mesmo dormiu, té que de um salto,
Erguido ao tom de festival bombarda
E da grita dos seus que repetiam
Com Bermejo, na Pinta - Terra! Terra!... -
Sem olhar, convencido da verdade,
Por grato impulso, ajoelhou-se orando,
Antes que a terra lhe alegrasse a vista!
Vinha o dia rompendo e descobrindo
Sobre a linha do mar a terra ansiada!
Como ao empaste das fecundas tintas
A natura e a luz na tela fulgem,
Assim fulgia o ondulado aspecto
De frondente floresta, e pouco a pouco,
Ao sorriso das horas fugitivas,
No ar se abriam graciosas palmas,
Como guerreiros de emplumados elmos
Vindos à plaga a festejar as naves.
Com o prumo na mão, sondando a costa,
Entrou numa abra que no fundo tinha
Surgidouro seguro. Manda o chefe
A manobra de paz! e a um tempo viu-se
Cair o pano, atravessar a frota,
Morder o ferro a desejada areia.
Os descrentes então se convenceram
De que um homem de Deus vê mais que os outros.
Baixam dos turcos o ligeiro esquife
E o real escaler apendoado.
O prazer que remoça, agita o Nauta.
Larga o burel da devoção, e o peito
De lúcida couraça veste; cinge
A espada de almirante, e sobre os ombros
Traça um manto escarlate, mimo régio.
Protege a fronte co um brilhante almafre,
De cujo cimo ponteagudo rompe
Trífida palma de recurvas plumas.
Toma o pacto real, feito em Granada
E o pendão de Isabel, o novo lábaro,
Que há de em breve vencer mais que o de Roma.
Descem com ele os empregados régios,
E os Pinzões, a quem dera a honra e guarda
Do estandarte real. Acena ao mestre:
Alam as prontas vagas à ribeira;
Qual amplexo de amor, todos sentiram
O doce abalo do encontrão na praia.
De um salto juvenil pisa Colombo
A nova terra, e com seguro braço,
A bandeira real no solo planta.
Beija a plaga almejada, ledo chora:
Foi geral a emoção! Disse o silêncio
Na mudez respeitosa mais que a língua.
Ao céu erguendo os lacrimosos olhos,
Na mão sustendo o Crucifixo disse:
Deus eterno, Senhor onipotente,
A cujo verbo criador o espaço
Fecundado soltou o firmamento,
O sol, e a terra, e os ventos do oceano,
Bendito sejas, Santo, Santo, Santo!
Sempre bendito em toda parte sejas.
Que se exalte tua majestade
Por haver concedido ao servo humilde
O teu nome louvar nestas distâncias.
Permite, ó meu Senhor, que agora mesmo,
Como primícias deste santo empenho,
A teu Filho Divino humilde of reça
Esta terra, e que o mundo sempre a chame
Terra de Vera-Cruz! E que assim seja .
Ergue-se e o laço do estandarte afrouxa:
De um lado a imagem do Cordeiro, e do outro
As armas espanholas. Como assenso
Da divina mansão, esparge a brisa
Um chuveiro de flores sobre a imagem,
Flores não vistas da européia gente!"
(Colombo. Canto XXVI)
No momento da descoberta Colombo aceita como prova da descoberta o som das vozes dos marujos, de modo semelhante os fiéis cristãos aceitam como real as palavras da Bíblia - a palavra é a verdade -, depois a visão que o poeta terá da terra é antes a realização pelo sentido da visão de uma coisa já tida como certa. Notemos como o poeta compara esse prazer da visão da nova terra com o pintor que antes de pintar o seu quadro já tem em mente uma imagem do que pretende realizar. Observemos ainda a original metáfora de comparar os coqueiros das praias com "guerreiros de emplumados elmos / Vindos à plaga a festejar as naves.", como se a Natureza estivesse a alegrar-se do sucesso da viagem de Colombo. Por fim, fechando o episódio, as flores silvestres levadas pelo vento são tidas como sinal de benção ao pedido de Colombo. Porém, o nome de Vera-Cruz ficará somente para a ilha que primeiro o navegador chegou e não a todo o continente.
Sousândrade, faz algumas referências, evidentemente jocosas ao poema de Porto Alegre, no seu Guesa:"Coro dos Contentes, Timbiras, Tamoios, Colombos" é como se lê na estrofe 61 do "Inferno de Wall Street". Porto Alegre não foi o único a fazer um poema sobre Colombo, houve outros, entre eles, uma Colombíada de Bocage. Nem mesmo o poema épico de Gonçalves de Magalhães recebeu tão duras críticas, mesmo contando Sílvio Romero, que não entende como Ferdinand Wolf gastou vinte páginas de seu bom livro a estudar a obra de Magalhães. Mas, curiosamente, é o próprio Sílvio Romero quem apresenta os melhores argumentos em favor de Porto Alegre, notadamente de seu poema épico, que segundo diz, devia ser melhor estudado .
Não ousaremos aqui querer refutar o julgamento de críticos tão expressivos e conceituados como Massaud Moisés, mas apenas nos ateremos a alguns pontos sobre a obra épica de Porto Alegre, que apesar de poder ser considerado estudo vão e menor em virtude das falhas apregoadas ao poema, acreditamos poder apresentar alguns modestos elementos, que se não chegam a validar a obra do poeta, ao menos mostram que o poema foi produzido com certo critério e segundo certo projeto estético, que navegando ao sabor do vento colheu críticas duras devido ao tempo não estar bom para receber a obra. Nem de longe é alguma tentativa de revisão nos moldes a que se lançaram os irmãos Campos em torno, por exemplo, de Sousândrade ou de Pedro Kilkerry; mas umas pequenas e poucas observações, às vezes oriundas, talvez, de uma pouca experiência no trato com o julgamento crítico, daí decorre, talvez, parte do que acreditamos poder apontar como algumas virtudes no poema de Porto Alegre, embora, não nos atrevemos a fincar bandeira, reconhecendo assim nossas eventuais falhas.
Sobre o verso do canto XXXIV, que Massaud Moisés considera um absurdo: "A mulher é semente, o homem terra", parece-nos que a proposição do poeta se faz sobre os significados de "germinar" e de "fecundar", ou seja, A mulher ao dar a luz, é como a semente que germina, dando surgimento a uma árvore, de onde surgirão novos frutos e, por conseguinte, novas sementes. Germinar aqui é um verbo transitivo: dar causa a, gerar, fazer nascer. O homem fecunda a mulher, daí a comparação com a terra, que fertiliza a semente. Fertilizar como verbo transitivo, aliás, seu sentido mais corrente, e não como verbo pronominal (tornar-se fértil). Ocorre, que Porto Alegre escolheu uma estrutura, que ao nível do significado é ambígua, de uma ambiguidade que pode levar à conclusão da leitura de Massaud. Confronta-se com a idéia corrente de que a semente é o homem e a mulher a terra que em seu ventre faz as sementes germinarem, aliás, como já citara o crítico é o sentido usual, comum, mas o verso de Porto-Alegre não foi fruto de teratologia, uma vez que a própria conjugação dos verbos permite essa construção. Se o poeta ousou mostrar a ambiguidade da frase, e se, quis ser original, correu o risco de cair no mau gosto. Não naquele mau gosto que o século XX conhecerá como Kitsch, mas um mau gosto decorrente de um estranhamento, de uma dificuldade de apreensão, de um "mau estar" diante do sentido, uma espécie de spleen do significado em face de seu significante. O que, penso, nos aproximaria do conceito de grotesco expresso por Víctor Hugo no seu famoso prefácio de Cromwell, de 1827:
"No pensamento dos Modernos, ao contrário, o grotesco tem um papel imenso. Aí está por toda a parte; de um lado, cria o disforme, e o horrível; de outro, o cômico e o bufo. Põe ao redor da religião mil superstições originais, ao redor da poesia mil imaginações perversas."
(HUGO, Vitor. Cromwell, prefácio.p.28-29)
É como se Porto-Alegre procedesse a uma exacerbação das idéias de Schlegel, que na tentativa de compor uma área de intersecção entre a poesia, a retórica e a filosofia permitia um jogo de palavras que tendia a uma constante tarefa de auto-espelhamento, num jogo subjetivo que influía sobre toda tentativa de descrição racional e objetiva da natureza.
"Encontramos assim a conhecida definição apresentada por Friedrich Schlegel (1772-1829), no fragmento 116 do Athenaeum, segundo o qual a finalidade (da poesia romântica)... é reunir novamente todos o gêneros poéticos separados e pôr em contato a poesia com a filosofia e a retórica . Mas como estruturar na prática semelhante tarefa totalizante? É esta precisamente a dúvida alimentada pelos nossos poetas e teóricos contemporâneos, isto é, que a solução aqui indicada seja atechnon, dado que não se pode definir uma solução, mas unicamente a expressão de um desejo, a de Schlegel ao entregar-se a relação entre o sujeito e o objeto a uma espécie de jogo de espelhos dispostos de enfiada. Solução, poderíamos mesmo dizer em termos de hoje, procurada numa corrente de fases alternadas, de pulsações iguais e contrárias mudando rapidamente de sinal: uma maravilhosa alternância de entusiasmo e de ironia . E sobretudo prevalece a exigência de projetar tudo isto até ao infinito, de afastar cada vez mais a possibilidade de uma realização, em nome do infinito jogo do mundo, da obra de arte eternamente em auto-criação. "
(BARILLI, Renato. Retórica. p.124)
Manuel Bandeira exemplificando para comprovar sua opinião de que O Colombo estaria repleto "dessas descrições eloqüentes, mas sem força sugestiva, meros exercícios retóricos, resvalando às vezes para o ridículo"(Noções de História das Literaturas. p.84) apresenta os versos em que o poeta descreve a banana.
"Pelas orlas do teto e pelas traves
Em suspensos racimos cocleados,
Pendem os pomos da nutriz pacova,
A banana fluente, grato cibo
Do ancião e da infância desleitada."
(Colombo, Canto XXIX)
Lembremos de como Durão, Cláudio e São Carlos descreveram esta fruta tropical. Aqui, em Colombo, não deixa de ser cômica a descrição da fruta, "grato cibo/ do ancião e da infância desleitada." Parece, porém, que era intenção do poeta essa narrativa desmesurada com momentos surpreendentes, quer pelo inusitado quanto pelo desconcerto que causava certas descrições, não importando que elas fossem cômicas, grotescas - como parece ser os casos aqui citados, da semente e a terra, e da banana - ou soassem descontextualizadas como o torneio de cavalaria de que logo falaremos.
Guilhermino César cita um verso do canto XX do poema como representante característico da obra, pelo fato de conter uma cacofonia "imperdoável", tal verso estaria naquela situação de demonstrar o mau gosto e o exagero desproposital que dominam a obra, tanto na extensão, como nas figuras e no conjunto das peripécias. Leiamos o trecho que contém tal verso:
"E do novo Abarim vencido o tope,
Viu Colombo de um lanço o vasto mundo,
Que América se chama, e extasiado
Genuflexo caiu, assim dizendo:
Almo lume do amor mais puro e santo,
Sol do infinito no horizonte eterno,
Meu Deus, minha esperança, eu te agradeço
deste momento a previsão tão grata
Que em minha alma a vereda delineia
Como as cores do céu!...Tudo está claro!
Eis a terra da Cruz, da fé de Cristo!"
(Colombo. Canto XX)
Sem dúvida que o último verso do trecho acima é malsoante, mas em obra tão extensa é perdoável que vez por outra aparecessem os "cochilos de Homero", sendo o próprio Guilhermino César que depois de citar este verso pondera:
"Com os seus painéis imensos, onde se sucedem planos e figuras, ele corrigiu, pelo desperdício, a avareza dos árcades e forneceu material para que os românticos se servissem à larga. Gonçalves Dias sentou-se à mesa e escolheu as iguarias mais finas. Mal comparando, é Plauto que sucede Ênio."
(CÉSAR, Guilhermino. História da Literatura do Rio Grande do Sul. p.115)
Também Bandeira não deixa de reconhecer no poeta sua capacidade de pintar quadros com as palavras:
"As qualidades melhores de Porto-Alegre não são de poeta, no fundo frio, mas sim de desenhista e pintor. Pode-se admirar o seu vigor descritivo, o seu domínio da língua e da métrica. Poucos escritores nossos usaram de tão rico vocabulário. Mas essa própria riqueza está constantemente a prejudicar a clareza dos seus quadros que nos pretende comunicar."
(BANDEIRA, Manuel. Noções de História das Literaturas. p.84)
Porto-Alegre, tendo sido pintor e artista plástico antes de poeta, tendo recebido lições de mestres como Debret, não devia ignorar diferenças estruturais entre a pintura e a poesia e, supomos, devia ter planos de trabalhar numa área de contato entre ambas as artes. Lessing, crítico alemão do século XVIII, tratara já do tema com argúcia. A poesia podia descrever, mas era uma descrição adaptada à capacidade narrativa da palavra, não podia o poeta ater-se a querer transmitir uma imagem perfeita com todos os detalhes próprios do objeto descrito. O poeta devia buscar um único elemento na descrição, aquele que fosse o mais significativo dentro do contexto em que se inseriria na narração.
"E se é mister que nos seja dado este cetro, que se denomina aqui apenas cetro paterno, indestrutível, tal como um parecido, alhures, se denomina apenas khuséias heloisi perparménon, um cetro guarnecido de pontas de ouro, se é mister, digo que nos seja dado um quadro mais preciso, mais completo, deste cetro capital, o que faz Homero? Pinta-nos, além das pontas de ouro, também a madeira e o botão entalhado? Sim, se a descrição devesse figurar numa heráldica, a fim de que em tempos pósteros se pudesse fazer outro cetro exatamente igual. No entanto, estou certo de que não poucos poetas modernos teriam feito disso uma descrição do brasão real, na ingênua opinião de que, assim procedendo, eles mesmos estariam pintando, e portanto o pintor pode copiá-los. Contudo, o que importa a Homero o quanto ultrapassa o pintor? Em vez de uma reprodução, ele nos apresenta a história do cetro: primeiro, está sendo fabricado por Vulcano; depois fulgura nas mãos de Júpiter; depois, marca a dignidade de Mercúrio; depois é o botão de comando do belicoso Pélope; depois, o bordão de pastor do pacífico Atreu, e assim por diante."
(LESSING, Gotthold Eprhaim. De Teatro e Literatura. p.117)
Porto-Alegre apresenta em Colombo um cem número de cenas e objetos, em que a descrição não se atém a mais que alguns elementos essenciais em cada caso , ao invés da enumeração enfadonha de características ele apresenta os dados que quer através de sugestões metafóricas, em que o jogo de palavras, rápido, desfila diante dos olhos do leitor imagens que se não forem pegas com atenção, rapidamente somem na sucessão de peripécias narradas. A ação segue seu ritmo de forma quase que constante, carregando no desenrolar dos versos toda a descrição, por mais que elas sejam numerosas, mas cada uma é ligeira e sintética. Vejamos alguns exemplos:
"O camelo, navio do deserto"
"Qual montanha ambulante invade a arena
o ar enegrecendo, compassado,
amestrado elefante."
"O polvo - Briareu das mansas águas..."
"O pardo sabiá - flauta dos rios"
"Nadam as lanchas, batem n’água os remos.
Pulsam brancos festões. Quais centopéias
movendo os tarsos pelo mar deslizam."
"Semelhante enxame despertado
pelo canto do progne, no ar zumbindo
alegre em busca de florinhas novas,
assim nos portos da sedenta Europa
coalham as ondas mercenárias naves..."
"O rei das frutas, o ananás olente,
de cota de ouro, e capitar de bronze."
"Os brancos lenços
que níveas pombas adejando fingem."
"A língua
- placenta da impiedade e da blasfêmia."
"A lua - diadema da saudade..."
"Pálida, como um crânio descarnado
em desolado campo, estava a lua."
"A lua branqueava
como um crânio roído entre os andrajos
de profano sudário..."
"O prazer esvoaça, a dor se arrasta."
"Deus concede o progresso a passos lentos,
porque a luz repentina ofusca a vista."
"Qual o coqueiro plantado em taça argêntea
rebenta-lhe do corpo alto repuxo."
"O céu é fumo,
e apenas mostra no trevoso ocaso,
como a boca de um forno encandecido,
meio sol, que no abismo se entranhava."
"O sol - harpa de luz que a nuvem tange..."
"General sem soldados não tem louros
e só damas conquista."
"A sua vida
de luta e sede sobre a terra passa,
como passa a picada que ele abrira
na jornada, e que o mato sempre ativo
desfaz, cruzando as renascidas plantas."
"As grandezas da terra são de vidro"
"Sonho de um dia, transitória mancha
é sempre a vida: mal começa o homem,
dá dois passos na terra, e no terceiro
falseia, e cai, e se transforma em lodo."
(PORTO-ALEGRE, Manuel de Araújo. Colombo, trechos diversos)
Parece que em Porto Alegre existe uma modificação do sentido de épico, como se o poeta quisesse nos passar uma grandiosidade desmesurada que, por isso mesmo, nos parecerá grotesca. O próprio motivo histórico: As Viagens de Colombo apresentam uma série de incongruências em relação ao belo tradicional da épica. Colombo foi, ao que parece, uma espécie de navegante mercenário a vender o seu projeto ao rei que ousasse levar à frente sua empreitada. Como tratamos de épica brasileira, podemos dizer que Colombo não tem o sentimento patriótico de um Diogo Álvares, que recusa as propostas do Rei da França, para voltar ao Brasil sob a bandeira francesa. Colombo já encarna um sentimento mercantilista, de barganha, de troca de favores. Vejamos, por exemplo, o trecho em que Massaud aponta um delírio do poeta e do herói, quando Colombo pede à coroa espanhola um navio para encetar sua viagem:
"Mas se é tua esta glória, inda te resta
Outra glória maior além dos mares,
Nessas terras que eu vejo, eu só no mundo,
Onde da Cruz a par teu cetro augusto
Em breve plantarei com pasmo do orbe.
Entre dois mundos firmarei teu trono;
Terás por alcatifa o imenso oceano,
E por ponte o teu trono no universo!
Uma nave, Senhora, o mais já tenho:
Se uma nave me dás, dar-te-ei um Mundo."
O que se apreende do sentido da fala de Colombo é realmente um certo exagero, promete o herói o mundo bastando para tal que se lhe dê uma nave. Os substantivos utilizados no trecho já dão uma idéia de desmedida grandiosidade, selecionamos nesse sentido: glória, terras, mundo (2 vezes e mais o plural "mundos"), mares, orbe, oceano, universo. Além de três substantivos colocados em sentido metonímico: Cruz, por religião e, cetro augusto e trono, por Reino. Em oposição a toda essa promessa de grandiosidade: "eu só no mundo", "uma nave". A desmedida parece a tônica do herói Colombo. É como se Porto Alegre tivesse criado um herói épico grotesco, onde a grandiosidade é a medida de sua inadequação ao belo.
Observemos, p.ex., que no "Prológo" comparece o herói lutando contra os mouros, pela independência da Espanha e, ainda por cima, participa de um torneio de cavalaria nos melhores moldes medievais, onde inclusive sagra-se vencedor. Sem dúvida trata-se de um delírio do poeta. Não existem elementos em Colombo, como figura real e histórica a justificar essa posição; se ainda assim pensássemos que o poeta quis criar um maravilhoso épico, assim como fez Camões com o Adamastor e a Ilha dos Amores, coisa que já de início não nos parece pertinente, ou quisesse, evocando a tradição dos romances de cavalaria, enobrecer o caráter do herói, não cremos que não teria notado o autor a incongruência dessa tentativa, pois estaria tornando o tema por demais inverossímil. Em razão disso novamente evocamos a idéia de um mau gosto, não propriamente o mau gosto de que fala Abraham Moles , mas um termo médio entre Vitor Hugo e o Kitsch, que chamaremos, à falta de um termo melhor, de "Desmedida" . Não sei se é possível imaginar tal categoria, mas é um misto de grotesco no sentido de elemento que se une ao sublime, no nível da estrutura da obra, para compor um novo sentido, misto de belo (Vitor Hugo), e mau gosto provocado por elementos díspares ou deslocados, tanto ao nível do significado como do significante, é o "pinguim da geladeira" de Abraham Moles deslocado para uma galeria como se fosse uma obra de Marcel Duchamp. Nessa "desmedida" , a obra tem elementos internos, que atomizados, ou desligados de qualquer contexto, histórico, cultural ou social, apresentam ligações estreitas com os valores da tradição clássica, notadamente com o conceito de belo.
Seria o caso de uma luta de cavalaria num torneio. Momento sublime da maioria dos romances de cavalaria, logo nos vêm a mente nomes como: Ivanhoé, Galaaz, Rei Artur. Por outro lado, ao contextualizarmos no nível histórico literário, esses elementos, surgem de imediato o seu oposto, o mau gosto, seja ele oriundo do cômico, do grotesco, seja ele oriundo da inadequação do elemento ao contexto cultural, ou seja próximo do Kitsch. Seria o caso de relacionarmos o herói com um Dom Quixote, no que o personagem de Cervantes tem de mais crítico: a inadequação ao seu tempo . Parece-nos que o épico de Porto Alegre é um misto das características de um romance histórico, nisso mantém as condições da épica: virtudes do herói, exortação, mito; e romance popular, onde os modelos heróicos estão carregados de um certo cinismo e falsidade, como diria Eco: "Ninguém é obrigado a acreditar."
Assim Porto Alegre compõe um herói e uma epopéia em que os elementos de verossimilhança, realidade e necessidade são deturpados pela junção de coisas díspares, mas buscando realçar um novo conjunto, e esse conjunto é a relativização dos valores. A "desmedida" de Porto Alegre só se resolve pela alegoria .
O herói do poema de Porto-Alegre tem uma personalidade tão difusa e volúvel como Peer Gynt de Ibsen. Peer Gynt, observa Anatol Rosenfeld, foi inicialmente pensado como uma epopéia, só depois adquirindo a forma de uma peça de teatro. O herói dessa obra tem uma personalidade que vai se diluindo na seqüência de episódios, aliás agrupados numa ordem não plenamente temporal, como se eles tivessem só a função de demonstrar as virtudes do herói.
"A ação de Peer Gynt inicia-se no começo do século XIX, termina na década de 1860 e desenrola-se na Noruega, nas costas do Marrocos, no deserto do Saara, em pleno mar, etc. É forte o elemento extra-humano que intervém: feitiços, magias, duendes, anões, etc. Com efeito Ibsen, pensava de início escrever não uma peça e sim uma epopéia - o que também se refere a Brand.(...) em Peer Gynt defrontamo-nos com uma seqüência de quadros estáticos ou de eventos variados, enfim de episódios ou estações que ilustram a vida do protagonista.(...) Depois de uma vida de prazeres e desilusões, Peer acaba aprendendo que lhe falta identidade íntima e que se assemelha a uma cebola da qual se pode tirar casca por casca sem que surja o caroço. No fim pede que se lhe escreva sobre o túmulo Aqui repousa Ninguém ."
(ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. p. 83-84)
O que difere substancialmente Colombo de Peer Gynt é que o navegador de Porto-Alegre não tem essa descoberta de sua própria identidade, antes mantém-se nessa condição de "casca por casca" até o fim do poema. Peer Gynt, torna-se no fim dramático, um personagem humano o suficiente para ser um herói romanesco. Colombo, porém, ao continuar com uma personalidade constante e sem profundidade psicológica, é sempre um herói infanto-juvenil, um esboço de herói de capa-e-espada, e, não fosse a linguagem erudita e a forma da epopéia, provavelmente o herói de Porto-Alegre seria tão popular no Brasil quanto Gulliver fora para a Inglaterra.
O herói Colombo como cavaleiro medieval é uma tentativa de dar ao herói um valor nobre, mas todos sabemos, que tal tentativa é vã, resta só a observação dos fatos em si, nos dispormos a assistir um torneio de cavalaria, onde o Marquês de Cádiz, jovem brioso do Reino Espanhol, que goza dos olhares de Rosália, a mais linda do reino, que torce por ele. Mas eis que aparece, para espanto geral, e não poderia faltar num torneio desses, um cavaleiro mascarado, que não poderia receber outra denominação que "Cavaleiro Negro", cria-se o suspense, quem vencerá? O mistério: Quem é esse cavaleiro? A revelação de sua identidade já é um motivo de suspense:
"Curveteia o corcel; no reste a lança,
O íbero pujante aguarda o êmulo.
De um tronco volve o Cavaleiro Negro
O tudesco ginete, e no borneio
Gruda a manopla, e espera, qual de bronze
Estátua eqüestre, que na trompa soe
O terrível sinal. Lavra o silêncio;
O fôlego suspende a corte e o povo:
Quase se ouvia sob os peitos de aço
Bater o coração dos lidadores."
Os contendores preparam-se para a luta, observemos que a descrição dos preparativos dos cavaleiros é feita de pequenas imagens rápidas: O íbero pujante: corveteia o corcel, segura a lança. O Cavaleiro Negro: Após também se aprontar espera o sinal de início da luta. Imóvel: "Estátua eqüestre". A imobilidade dos contendores passa a ser o silêncio da platéia, então fecha-se a cena com a hipérbole: "Quase se ouvia sob os peitos de aço/Bater o coração dos lidadores." É progressão de pequenas imagens, daí a predominância de substantivos e verbos.
Já mais adiante na luta:
"Não cedem no valor; de novo ao prélio
As infrangíveis lanças correm, cruzam,
Batem, ressoam, vergam como a lâmina
De agudo estoque num marmóreo peito.
No ríspido encontrão ambos tremeram.
Dormente o braço cede, e no chão rola
Do marquês o broquel qual disco helênio
Que em olímpico jogo mede o estádio.
O Negro Cavaleiro então recua,
Recua o espanhol; ganham seus postos."
Já em plena luta surgem os adjetivos a demonstrar a natureza dos elementos: infrangíveis, agudo, mármoreo, ríspido, dormente, helênio, olímpico. Uma gradação de verbos coloca rapidez as imagens: correm, cruzam, batem, ressoam, vergam. A certa altura, já perdidos os cavalos e as lanças, bem como os escudos, os dois contendores se lançam a uma briga corpo-a-corpo, nesse ponto, Porto Alegre compara os dois lutadores com uma briga inverossímil de animais, o tatu e o tigre , pois bem sabemos, os tigres são animais africanos e asiáticos, existindo no Brasil só em cativeiro:
"Nos verdes campos dos sertões brasílios
Longo tamanduá deitado apara
Do tigre astuto o calculado bote,
E abraçando-lhe enterra pelo dorso
Com as unhas a morte, e o tigre uivando
Co a fauce hiante o coração lhe morde,
E co as garras os flancos lhe descarna;
Ambos morrendo, sobre a relva deixam
Num amplexo seus ossos atracados,
Tal seria o combate e o fim terrível
Dos dois fortes varões, se o cauto Príncipe
No transe horrendo não mandasse a Burgos
O lábaro descer, talvez frustrando
Glória cabal ao Cavaleiro Negro."
(Colombo. Prólogo, p.66)
Não conhecia o autor a fauna brasileira? Um homem de grande cultura, devia evidentemente saber que o encontro desses dois animais é altamente improvável, mas é em pontos como esse que prefiro, no lugar de imputar delírios ao poeta, ver, o que me parece mais claro, Porto Alegre a construir uma épica em que os elementos são por demais grandiosos, desmedidos, um confronto entre um tamanduá e uma onça seria perfeitamente possível, mas como uma boa estória de caçador mentiroso, é preciso que o oponente seja o maior, o mais temível e o maior felino é o tigre. Rompe-se as normas da geografia e da zoologia. Nesse ponto o poema de Porto Alegre se aproxima do romance popular, vale o inacreditável, se este for encantador, grandioso, fantástico. Além disso, notemos a composição das imagens, com rapidez nas descrições, saímos de Granada para o meio dos sertões brasileiros.
Há em Porto Alegre uma habilidade para compor uma sucessão de imagens, sendo que cada imagem é completa em si, pequenos quadros: os cavaleiros imóveis, os cavaleiros cruzando as lanças na luta, a apreensão da platéia ou sua alegria ao fundo: "Alçam-se as damas / E flores rociando, a Cádix, honram".
Dentre outros, Sílvio Romero já notara essa característica de Porto Alegre:
"Com alguma ironia diziam os contemporâneos ser Porto Alegre o primeiro pintor entre os poetas e o primeiro poeta entre os pintores no Brasil.
A sátira é evidente. Com Porto Alegre a coisa não há de ser assim; teve mérito em ambas as esferas, e, quanto ao seu estilo de poeta, no que ele tinha de mais eminente, era a junção do talento do pintor ao talento do escritor: sua faculté maîtresse era a descrição"
(ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira. vol.III.p.824)
A seguir Sílvio Romero comenta que a descrição tem sido uma técnica amplamente usada no romance francês, uma descrição objetiva, com moderação de adjetivos, rápida e eficiente, pinturas de imagens: "Os franceses têm levado isto ao supremo requinte. A prosa de Michelet, de Vitor Hugo, de Teófilo Gautier, de Paul de Saint-Victor, esses grandes pinturistas, foi a prosa que havia tirado todos os recursos e abusado de todas riquezas do vocabulário. (...) os modernos escritores caminharam no mesmíssimo terreno. Taine, os Goncourt, Flaubert, Leconte de Lisle, Daudet, Banville seguiram essa trilha."(ROMERO, Sílvio. Op.Cit.p.825). Nesse panorama observa Sílvio Romero que Porto Alegre, a bem da verdade, se acha mal colocado, pois: "Como prosador era medíocre. Mas foi um dos nossos mais destros descritores em versos. Seus quadros são seguros, são animados, são vivazes."(ROMERO, Sílvio.Op.Cit. p.825)
Surpreendente é o final do "Prólogo", em que o Cavaleiro Negro, tido por todos como um luso, se apresenta, causando em Massaud - crítico e leitor - estupefação oposta a que causou à Rainha Isabel - personagem: "-Luso não sou, e minha face o prove!/ E a viseira levanta; Deus! Colombo!/ Grita Isabel atônita, e a corte/ Colombo!...murmurou involuntária." Para Umberto Eco, os personagens que desconhecem o desfecho do enigma, que o leitor mais desavisado poderia descobrir, parecem desempenhar o papel de "patetas da aldeia".
"A agnição por pateta da aldeia apresenta, porém, dois aspectos, e divide-se em agnição por pateta autêntico e por pateta caluniado. temos um pateta autêntico quando todos os elementos do enredo, dados, fatos, confidências, marcas inequívocas, concorrem para fazer detonar a agnição, e só a personagem persiste em sua ignorância; em outros termos, o enredo, o enredo forneceu tanto a ela quanto ao leitor os elementos para resolverem o enigma, e o fato de que ela não consiga fazê-lo é inexplicável. A figura perfeita do pateta autêntico, criticamente assumida pelo autor, é a que vemos no romance policial, constituída pelo agente de polícia colocado em oposição ao detetive (cujo reconhecimento avança pari passu com o do leitor). Mas casos há em que o pateta é caluniado, porque de fato os eventos do enredo não lhe dizem nada, e o que torna o leitor consciente é a tradição formal dos enredos populares. Isto é, o leitor sabe que, por tradição narrativa, a personagem X só pode ser filho da personagem Y. Mas Y não pode saber, porque não leu romances de folhetim."
(ECO, Umberto. O Super-Homem de Massa. p.35)
Fazendo justiça à Princesa Isabel e ao público do torneio, bem como ao oponente, o Marquês de Cadiz, todos enquadram-se na categoria de patetas caluniados, não existem elementos no poema que permitissem a eles, personagens, o reconhecimento da identidade do Cavaleiro Negro.
Já no episódio em que Pamórfio apresenta-se a Colombo, disfarçado, ou melhor, transfigurado na imagem de Leonor, amada de Colombo, pelo fato dessa aparição se dar em local totalmente impróprio - o meio do Oceano - e pela forma como se trava o diálogo entre ambos, é pouco provável que alguém demorasse tanto a reconhecer a falsa identidade. Colombo assume aí a posição do pateta autêntico. Só no fim do episódio, após Colombo finalmente perguntar o nome verdadeiro daquela figura, desconfiado de que tudo ali trata-se de feitiçaria, é que Pamórfio responde:
"Mando e opero,
Fui anjo rebelado, e sou ministro
De Abadão, querubim que rege eterno
O Império do Abismo. À luz pertenço,
Combato a cruz, fomento a idolatria;
Sou mestre e diretor de ímpia falange,
Que o homem leva à perdição eterna"
(Canto X)
Mas o que Romero chamava pintura, chamarei imagem. E ao compor um poema épico, que portanto contém história e, por conseguinte, ação, o pintor Porto Alegre haveria de compor uma seqüência de quadros, a semelhança da seqüência das estações da Via Crucis, ou de outras seqüências de pinturas que houvessem com a relação de sua ordem no tempo compor uma história. Tal, pois, é o princípio do filme cinematográfico, inventado pelos irmãos Lumiére só em 1895. Sendo o poema de Porto Alegre de 1866, tendo o poeta morrido em 1879, não conheceu pois o cinema. Mas é possível tenha conhecido algumas máquinas que em Paris se viam imagens em movimento, baseadas no princípio da sucessão de imagens. Conjecturas... A verdade, porém, é que sua narração é uma composição de quadros. São poucos os momentos em que se abrem os interiores das personagens, suas almas. Tudo no poema é imagem, as paixões são imagens. Desse modo o caráter do herói torna-se difuso, é preciso apreendê-lo de suas ações, mesmo sua fala se faz com uma seqüência de imagens. Este ponto sobre o herói já notara também Sílvio Romero: "O caráter de Colombo não é também muito nítido. Não é uma figura audaz e iluminada de navegador e de gênio. É uma espécie de beato, cheio de amuletos, um mata-mouros armado de uma cruz contra o demônio, que lhe aparece não se sabe bem por que motivo em caminho."(ROMERO, Sílvio. Op.Cit.p.822)
O personagem Pamórfio é uma figura estranha, de importância semelhante ao Adamastor, ao Itamonte, ao Proteu (de Bento Teixeira). É uma figura demoníaca, uma espécie de demônio da América Selvagem, que em sonho arrebata Colombo para o fundo dos mares, onde lá está o "Reino das Águas", todo esse sonho dura quinze cantos! (Do X ao XXIV). O próprio Sílvio Romero não o compreendeu muito bem: "No canto X aparece Pamórfio e só deixa de importunar a gente com suas diabruras no canto XXIV"(ROMERO, Sílvio. Op.Cit. p.823). Acrescenta o crítico que é "a porção mais massante do livro." Mas diz Romero que "entretanto é aquela onde se lêem boas páginas sobre teogonias e civilizações do México e Peru". É uma parte de capital importância para a compreensão do poema. Esse Pamórfio se aproxima do Guesa em termos de caracteres culturais, parece um demônio de origem pré-colombiana. Humberto de Campos ficou de tal modo impressionado com essa figura demoníaca, que chegou a compor um diálogo seu com o personagem de Porto-Alegre .
O poema de Porto Alegre apresenta-nos tudo como um filme épico dos anos 50 de Hollywood, algo como um Cecil B. de Mille, sétima arte próxima do kitsch, mas são imagens belas, só descobrimos sua falsidade ao relacionar com a realidade. É entretenimento antes de ser ensinamento, mas o que se objetiva é o ensinamento dos valores heróicos, conjuntamente ao entretenimento. Grandiosidade grotesca, "desmedida", sucessão de quadros. O poema de Porto Alegre tem o ritmo narrativo de filmes como Cleópatra, de Mankiewicz; Os Dez Mandamentos, O Maior Espetáculo da Terra, de Cecil B. de Mille. Uma espécie de épica em que o real e o inverossímil se mesclam a compor uma obra em que a verossimilhança se apresenta propositadamente com defeitos, mas que se impõe pela grandeza, uma obra em que os "cochilos de Homero" são muito freqüentes, mas que no conjunto, demonstram uma epicidade estonteante em função de sua imagens.
Longe, portanto, de um Stanley Kubrick em 2001: Uma Odisséia no Espaço. Não há o mistério, o segredo, tudo está disposto diante do leitor/espectador. Diverso de Kubrick, que inicia com uma enorme elipse de 10.000 anos: o arremesso do osso que vira nave-espacial, e termina com a imagem dúbia de uma criança no útero da mãe e a imensidão do espaço. Porto Alegre é de uma épica em que as imagens apresentam todos os elementos para a compreensão da narrativa. Se porém a obra apresenta um enredo com defeitos, isto não impede a realização da mesma. Alguns dos defeitos que vemos do ponto de vista literário são defeitos só porque não notamos que, modernamente, a obra de Porto Alegre pode ser entendida como se fosse um script para um filme de efeitos fantásticos. Qual teria sido a intenção do poeta ao fazê-lo assim? Uma vez que, conforme já frisamos, não existia o cinema, e nem deve o poeta ter tido revelações premonitórias a esse respeito. Pode parecer de discutível sustentação, mas creio que o poeta pensava em aspectos plásticos e cenográficos de uma peça teatral irrealizável. Sabe-se que Porto-Alegre gostava muito de ver em Paris as encenações de romances de cavalaria, pelo inusitado das peripécias e o ritmo, muitas vezes alucinados dos figurantes nos quadros com planos gerais.
Se tivesse ocorrido com Colombo o que ocorrera com Peer Gynt de Ibsen, ou seja, pensado como epopéia, acaba por transformar-se numa peça de teatro, a obra teria semelhanças com o teatro jesuíta pelo fato do colorido das cenas e a hipérbole de figuras aos sentidos funcionarem como um modo de tornar a realidade falsa .
"O uso de todos os recursos teatrais, com o empenho de cores, massas humanas, música, ballet, decorações marítimas e silvestres, complexas máquinas de vôo para permitir mesmo lutas aéreas entre anjos e demônios, todo esse imenso aparato barroco naturalmente tem antes de tudo o fito de prender a massa de espectadores que de qualquer modo não entenderia o texto latino. Trata-se de uma arte que é muito mais da imagem do que da palavra e que procura impressionar o povo, colocando os fiéis em estado de admiração devota."
(ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. p.58)
Colombo é um personagem quase caricato, Pamórfio é totalmente alegórico, os da corte espanhola e os chefes indígenas americanos que falam no poema são fantasias de uma peça de aventuras infanto-juvenis, mas de fala empolada e cheia de figuras. Têm a aparência de figuras do romance popular, ao modo de um Walter Scott em obras como O Arqueiro do Rei, Ivanhoé, O Talismã.
Umberto Eco ao fazer a análise dos romances populares de aventuras, a certa altura, pergunta-se qual enfim a diferença em termos de funcionalidade catártica entre uma obra clássica da literatura como Édipo Rei e No Tempo das Diligências - filme épico de faroeste no melhor modo hollywoodiano?
"Antes de mais nada, em No Tempo das Diligências - diferentemente do que ocorre em Édipo - tudo acontece verdadeira e exclusivamente no nível do enredo; não há nenhuma tentativa de análise psicológica, cada caráter já vem definido do modo mais convencional possível, e cada gesto é milimetricamente previsível. Quanto ao elóquio , parece não existir ou, pelo menos, faz de tudo para não aparecer. (Mas como Ford é um grande artista, ele simplesmente inventa um elóquio funcional que só com o tempo se revela inovador, inventor de uma épica moderna enxuta, mas rica de intenções pictóricas).
Há todavia um terceiro elemento que marca a diferença entre as duas obras: é que em Édipo Rei alcança-se a ordem e a paz por um alto preço; ou melhor, só as alcançamos se animado por uma grande amor fati. Na realidade a história de Édipo não consola, como não consola nenhuma história bíblica, que narra sempre a relação com um deus ciumento e vingativo. No Tempo das Diligências, ao contrário, consola: consolam as reafirmações da vida e do amor e consola a própria morte, que afortunadamente sobrevém para sanar contradições de outro modo dificilmente solúveis."
(ECO, Umberto. O Super-Homem de Massa. p.22)
Colombo de Porto-Alegre tem mais elementos em comum com uma obra como No Tempo das Diligências, do que com uma obra dramática clássica como Édipo Rei. Primeiro as "intenções pictórias", depois a falta de análise psicológica, onde tudo é resolvido no nível do enredo, e por fim a previsibilidade de muitas ações, como é o caso do torneio de cavalaria, cheio de imagens típicas ao modo de um Mallory ou Fenimore Cooper . Porém, é um poema épico escrito por um dos mais hábeis versejadores do romantismo brasileiro. Muitas palavras eruditas, imagens incomuns, figuras diversas, amplo domínio retórico pululam nos versos da extensa obra.
As figuras de linguagem no Colombo (notadamente metáforas e metonímias) estão colocadas de modo a permitir uma observação ao nível de imagens autônomas. Assim as farpas de fogo que soltam os metais das lanças dos cavaleiros são "Errantes vaga-lumes" que "em noite calmosa, em selva escura/ Abrasados de amor o círio acendem.". Ou as damas aplaudindo e balançando os lenços são: "Mimosas rolas no festim netário,/ Ao sibilo feroz da anta membruda/ A plumagem batendo, se alçam tímidas / Pelos átrios odoros da floresta." Ou seja, quando o poeta se utiliza de figuras como a metáfora ou a metonímia, faz com que seja possível separar os versos que contêm a figura dos versos que formam a imagem real, tendo assim duas imagens que colocadas em sucessão formam a figura. Vejo, pois, no poema a possibilidade dele ser pensado como hoje pensamos os filmes, em termos de relações entre imagens.
É intrigante que no seu poema, Porto-Alegre tenha colocado o Diabo a mostrar a Colombo sua futura glória, bem como lhe mostrar o mundo, com todas as suas civilizações, e é o que faz dos cantos XI ao XXIV. Pamórfio, essa figura polimórfica, bissexual, súcubo literário da Beatriz dantesca que domina reinos ocultos e parece ter o conhecimento do tempo e do espaço. Pamórfio até o canto XIX mostra as principais civilizações da Europa, África e Ásia, isso, é claro, de dentro de seu obscuro "Reino das Águas", que é uma espécie de inferno e purgatório ao mesmo tempo. Assim Colombo vê Roma, Grécia, Índia, China, Egito, Babilônia, dentre outras. Mas Colombo desconfiando que Pamórfio lhe esconde uma parte do que pode ser visto, pede ver tudo, ao que Pamórfio lhe começa então a mostrar o Novo Mundo, não sem antes mostrar que Colombo está sendo mesquinho em querer saber só do caminho para o "País das Maravilhas" de Marco Polo, que até então era o objetivo final de sua viagem:
"O homem não inventa, só descobre;
E o descobrir é glória só concessa
Aos eleitos do céu. Que mais aspira
Tua grande ambição?... Buscas um porto
Além do largo oceano, - e um Mundo encontras!"
(Canto XX)
Humberto de Campos já notara como O Colombo tem influências da Divina Comédia. Pamórfio é o demônio americano que leva o herói para as profundezas de seu reino e começa a revelar-lhe tudo como Virgílio e Beatriz mostraram a Dante, em sonho. Pamórfio é como se fosse Virgílio e Beatriz consubstanciados numa só entidade. Mas é um Virgílio que já teve fama de feiticeiro na Idade Média, é o Virgílio do Culex . E a Beatriz que existe em Pamórfio é a menina de nove anos, filha de Folco Portinari, que está mais para brincadeiras do que para juras de interminável amor.
"A influência de Dante é, por exemplo, notória, no Colombo, de Porto-Alegre, que chegou mesmo a copiar-lhe alguns versos. Como o poeta na Divina Comédia, tem o navegador genovês, aí, o seu Virgílio, que se chama Pamórfio. E ambos descem ao Inferno, onde assistem à punição de pecadores de vária espécie, para os quais o épico brasileiro descobria suplícios que pouco ficam devendo pela brutalidade, pela novidade, pela originalidade, ao gênio inventivo do Fiorentino."
(CAMPOS,Humberto de."Dante e os Poetas Brasileiros" em: Crítica, IV Série, Obras Completas, vol.24. p.218)
Descrevendo a América, Pamórfio mostra todas as principais tribos do continente, dos índios americanos do norte, passando pelos mexicanos, pelos colombianos e pelos brasileiros. Vejamos um trecho sobre os índios brasileiros:
"O altivo carijó, que bebe ferro
Nas águas do Ipanema, e o tamoio
Cantor das selvas, domador das ondas,
E o tupi, que se crê prole tupânia,
Pisando a estância reservada à glória
De um grande império, maravilha da orbe,
se a lusa estirpe triunfar do inferno."
(Canto XX)
Observemos que segundo os versos, a terra ocupada pelos índios já está reservada pelo destino aos portugueses, desde que estes vençam os obstáculos que lhes são propostos. Assim, de certo modo, está em acordo com Gonçalves de Magalhães, onde seus heróis indígenas morrem para dar lugar a um novo império: Uma espécie de paralelismo entre a morte de Cristo para salvar a humanidade, e a dos tamoios para dar lugar ao Rio de Janeiro, capital do império.
Na parte em que Pamórfio fala das civilizações Asteca, Maia e Inca, há uma descrição das principais cidades, ocorrem falas de grandes chefes ou reis desses povos, como Montezuma, Manco Cápac e Viracoxa. Vejamos, p.ex., um trecho em que o poeta, na voz de Pamórfio, descreve e mostra a Colombo a cidade inca de Cuzco:
"E o vale de Cuzco, onde floresce
A nova Roma dos preclaros Incas!
Cidade santa, umbilical do Império,
Ao sol voltada, que a tutela e adita
Des que Manco Cápac, o demiurgo,
No cimo do Anacauri, a vara de ouro
Plantou, deixando o lagamar sagrado,
Em que o sol o gerara a bem dos homens.
Ei-la, a sede imperial, nobre, opulenta."
Ao comparar a cidade de Cuzco com a capital do império romano, procura o autor dar uma idéia da grandiosidade destas cidades. Cuzco, estima-se devia ter cerca de 60.000 habitantes, Tenochtitlán, capital dos astecas, cerca de 300.000, Gênova, cidade natal de Colombo, não tinha 50 mil àquela época, e Roma, no auge do Império 500 mil. Pamórfio é uma espécie de guia satânico, a mostrar ao navegante todas civilizações. Essa longa intervenção de Pamórfio dá ao poema um tom de caleidoscópio de culturas, atlas histórico do mundo, apontando para o momento da descoberta da América como o momento de união de dois mundos, o conhecido, o Velho Mundo e o Novo Mundo, ainda desconhecido do homem cristão, mas que, como mostra Pamórfio, revela grande riqueza e variedade. Há inclusive na exposição de Pamórfio um capítulo em que mostra a época dos dinossauros, nomeando e descrevendo as maiores figuras, verdadeira aula de história natural, coisa digna do arqueólogo Indiana Jones, famoso personagem de Harrison Ford, ou ainda o doutor do Jurassic Park que reconstitui à vida os dinossauros para diversão de turistas.
Ivan Teixeira, vê em Colombo influências do verso de Basílio da Gama, observa que essas duas epopéias abrem seu primeiro verso com um verbo, diferentemente das grandes epopéias clássicas, e cita alguns versos de O Uraguai que parecem recorrer em Colombo.
"...a presença de Basílio é marcante no Colombo. O poema de Manuel de Araújo Porto-Alegre incorpora muitas outras coordenadas, como, por exemplo, as sugestões do estilo rococó das traduções de Odorico Mendes, particular amigo do autor. Mas sua vocação romanesca e operística já se vislumbra em O Uraguay. Além disso, o verso decassílbado branco de Porto-Alegre, agrupado em longas sequências, não seria possível sem a experiência de Basílio, que lhe fornece a tonalidade, o ritmo e a sintaxe -, sobretudo para o prólogo do Colombo. O epílogo de O Uraguay também ecoa no final desse poema. Aí, o autor se despede igualmente do próprio texto, com alusões a América e ao brasílio sol ."
(TEIXEIRA, Ivan. Obras Poéticas de Basílio da Gama. São Paulo, EDUSP, 1996. p.27)
Notemos que Ivan Teixeira fala de um tom romanesco e operístico em Porto-Alegre. Para nós esse tom romanesco pode ser relacionado aos romances de capa-e-espada, como os de Alexandre Dumas, p.ex., e o tom operístico à uma visão teatral da epopéia, que permite-nos hoje comparar o Colombo com o cinema épico hollywoodiano.
Já no prólogo o poeta dá o ar de sua graça, comparecendo sob a figura do "bardo" que em diálogo com um coro exaltam as vitórias contra os mouros e a conquista de Granada e a fortaleza de Alhambra. No primeiro canto do poema, o poeta faz uma invocação cristã, nisso lembrando Bento Teixeira, mas é no canto VII, que suspendendo a narração, pede desculpas ao leitor e comparece para reclamar dos desígnios do destino, dos infortúnios da vida, da incompreensão da arte, por fim agradece a Dom Pedro II e ao poeta amigo, Magalhães, o apoio dado. Em determinado momento considera a poesia épica superior à pintura, no sentido de que a poesia épica servirá para a posteridade para reconhecimento dos povos, enquanto as pinturas poderão se perder com o tempo, pelo menos em termos de originais, não passava pelo poeta questões relativa à reprodutibilidade da obra de arte:
"Amanhã se erguerá do áureo sepulcro
Em que Roma jazer em outra Roma,
Que no céu não verá do Vaticano
A cúpula suspensa! O verme eterno
Que o mármor carcomeu do Capitólio,
A cruz ovante deixará somente,
Mas não a regra pontifícia, e os quadros
Germinados na mente endeusada
De Júlio, Rafael e Michelangelo,
O homem de três almas! Sobranceiras
A tantas ruínas, luminosas, vivas,
As grandes vozes se ouvirão ainda
de Petrarca, Ariosto, Tasso e Dante!"
(Canto VII, p.167)
Por esse trecho podemos ver como o poeta tinha uma preocupação em relacionar a pintura e a poesia. Auerbach diz-nos que o romance que tinha preocupações descritivas do começo do século XX é uma obra que já paga tributo ao surgimento do cinema. A possibilidade descritiva e a sucessão rápida do tempo incomodam a capacidade narrativa do romancista. Para Auerbach somente a poesia épica possui um pouco dessas possibilidades, mesmo tendo em conta todo o arsenal de normas que, de certo modo, limitavam essas possiblidades. De nosso ponto de vista, Porto-Alegre sabia dessas possibilidades e mandou as normas às favas.
"Há romances que procuram reconstruir um meio a partir de uma série de farrapos de acontecimentos, com personagens constantemente mutantes, por vezes reaparecidas. Neste último caso poder-se-ia presumir que o escritor tem a intenção de aproveitar para o romance as possibilidades estruturais que oferece o cinema; estaríamos porém, na direção errada, pois uma tal concentração de espaço e tempo, como o cinema é capaz de atingir - por exemplo, representar a situação de um grupo de pessoas espalhadas em muitos lugares, de uma grande cidade, um exército, uma guerra, um país, etc., mediante algumas imagens, no espaço de poucos segundos -, nunca poderá ser atingida apenas pela palavra escrita ou lida. Não obstante a épica possua grande liberdade na sua disposição de espaço e tempo - muito maior do que a do drama pré-cinematográfico, mesmo com desrespeito das severas regras da unidade clássica, o romance tem aproveitado nos últimos decênios dessa liberdade de uma maneira que não encontra modelos nas épocas literárias anteriores. Quando muito, há alguns laivos no Romantismo, sobretudo alemão, o qual não se ateve, porém, apenas ao material do real. Simultaneamente, porém, o romance conheceu, a partir do cinema, com uma nitidez nunca antes atingida, os limites da sua liberdade no tempo e no espaço que lhe são impostos por seu instrumento, a linguagem."
(AUERBACH, Erich. Mimesis. p.492)
Mais adiante, no final do canto VIII, o poeta demonstra sua esperança de que uma vez superadas as injustiças sociais (no caso, a maior de seu tempo: A escravidão.) e que possa o país livre de ditaduras, reconhecer na arte um valor de inteligência, cultuando seus melhores artistas:
"Quando a terra por livres mão lavrada
O crânio sepultar do último escravo
E do vil cativeiro as leis morrerem;
Quando o Brasil for livre; quando o engenho
Em regiões mais puras libetar-se
Da razoura fatal que ora o achana,
E a cerviz conculcar de seus tiranos,
Então erguida, triunfante e nobre
A terra de Cabral, regenerada,
Há de às artes prestar culto, solene,
E aos dons da inteligência, mór tributo."
(Canto VII, p.167-168)
A épica de Porto Alegre, cremos poder ter sugerido, revela certas nuances que merecem novas reconsiderações, uma vez que a decantada mediocridade do poema parece mais fruto de um projeto ainda incompreendido, ou ainda, de um projeto original cuja realização se fez sob riscos não devidamente calculados. Pode-se, em virtude de suas imagens, ou ainda, da forma como constrói seu poema, ver nessa obra elementos que se relacionam com aspectos da literatura que só recentemente a crítica tem questionado, como pensamos, fizemos ao relacionar O Colombo com o estudo que Umberto Eco faz do romance popular e do best-seller. Suponho até que o poeta tenha pensado seu poema como uma épica que pudesse ser popular, daí a colocar atrativos dignos dos romances populares, elementos quase kitsch, e fazer uma narração quase cinematográfica, antecedendo a técnica narrativa do cinema, porém, por obra do destino, ou por dureza da crítica, que exigiu do poeta uma épica tão séria quanto a sisudez dos literatos de então, irrefutáveis do ponto de vista teórico, acabando o poeta e sua obra amargando um olvido sepulcral.
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Notas:
1.As cartas de Porto-Alegre a Monte Alverne acham-se reunidas e publicadas em Cartas a Monte Alverne. PORTO-ALEGRE, Manuel de Araújo e MAGALHÃES, Gonçalves de. Apresentação e Seleção de Roberto Lopes. São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1964.
2.Fausto Barreto e Carlos de Laet informam que Porto-Alegre foi na adolescência aprendiz de relojoeiro. (LAET, Carlos de & BARRETO, Fausto. Antologia Nacional. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1943. p.344).
3.Comemorativo aos 500 anos da descoberta da América o cinema norte-americano produziu com direção de Ridley Scott o filme "1492: A descoberta do Paraíso" com Depardieu no papel de Colombo.
4.Existem apontamentos favoráveis ao poema de Porto-Alegre em Laudelino Freire (Estante Clássica de Revista de Língua Portuguesa, vol. XIII. Rio de Janeiro, 1924), em Teixeira de Melo (Ephemérides Nacionais), em Ângelo Guido (Diário de Notícias. Porto Alegre, 03/01/1930), em Guilhermino César, que apesar das duras críticas, ainda considera que o poema tem qualidades que devam ser observadas. (Histórias da Literatura do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, 1956).
5."O prefácio de Cromwell é de relevância duradoura e continua ainda hoje atual. Ao lado do combate às regras e da exaltação de Shakespeare é de importância o realce dado à categoria do grotesco. O dramaturgo inglês é para Hugo o mestre que soube fundir e plasmar num só alento o grotesco e o sublime, o horrendo e o cômico, a tragédia e a comédia. O drama dever ser realista e a realidade surge da combinação... de dois tipos: o grotesco e o sublime que se entrelaçam no drama, da mesma forma como na própria vida e na criação. "(ROSENFELD, Anatol. .O teatro Épico São Paulo, Perpectiva, 1994. p.70-71)
6.Quintus Enius (239 - 169 a.C.), poeta latino que entre suas obras consta Annales ("Anais"), poema extenso que devia ter entre 12 e 18 livros, que em hexâmetros datílicos contaria a história de Roma. "O imenso poema de Ênio (alguns acreditam que contava 18 livros) padece de males incuráveis; é mister, diz Aristóteles, que toda obra de arte tenha um começo, um meio e um fim; a obra de Ênio tem início, mas não tem fim, pois pode continuar indefinidamente, enquanto Roma existir; é prosaico, seco, pesado; Pérsio zombava da falta de arte de Ênio; e, de fato, faz-nos sorrir ver o poeta invocar as Musas a fim de que lhe digam os nomes dos generais romanos que lutaram contra Filipe. É inútil e até desairoso incomodar as Musas por tão pouco: bastava-lhe consultar os arquivos. (...) Contudo, o grande mérito do rude poeta Ênio é ter sido o precursor de Virgílio, o primeiro que em Roma concebeu a idéia de uma epopéia. (...) E Virgílio jamais se envergonhou de se apropriar de versos ou de passagens de Ênio; ao contrário, julgava que, em assim procedendo, valorizava mais a sua obra."(SPALDING, Tarsilo Orpheu. Pequeno Dicionário de Literatura Latina. p.79-80). Titus Maccius Plautus (254 - 184 a.C.), comediógrafo latino, entre suas comédias citamos "O Soldado Fanfarrão", "O Mercador" e "O Homem de Três Escudos". "Plauto se sobressai na habilidade com que maneja o idioma, cheio de vivacidade e colorido, de efeitos imprevistos e com jogos de palavras, muitos de sua invenção, que denotam o mestre consumado."(SPALDING, Tarsilo Orpheu. Op.Cit., p.167)
7.Vejamos novamente o trecho do descobrimento da América, e notemos como Porto-Alegre apresenta-nos os símbolos da corte espanhola: "Toma o pacto real, feito em Granada / E o pendão de Isabel, o novo lábaro,". Os versos estão em pleno acordo com Lessing, assim também, sucinta e ligeira é a descrição das roupas de Colombo naquele momento.
8.Compare-se esta descrição com a de Santa Rita Durão e a de Sta.Maria Itaparica. Porto-Alegre também fala da coroa real, e descreve a casca da fruta como a armadura de um guerreiro.
9.Neste verso o poeta compara a língua com a placenta pelo fato desta ser o órgão que "estabelece comunicação biológica entre mãe e filho"(Minidicionário Aurélio, p.394). A metáfora é agressiva, tanto na sonoridade (o "l" de língua endurecido pelo "p" e "t" da placenta), quanto pela imagem.
10.Essa imagem da lua bem poderia ser de Augusto dos Anjos. ("E o luar da cor de um doente de icterícia", em: As Cismas do Destino, II).
11.Essa é outra imagem que poderia ser típica de um poeta simbolista. O Sol como a boca de uma fornalha, e o céu repleto da fumaça que sai desse forno. Mais original que essa imagem, lembro-me de Costa e Silva ("o Sol é a maior das aranhas,/ Tarântula do Azul" em: "Tarântula").
12.Outra imagem que assemelha-se a Augusto dos Anjos: "E há de deixar-me apenas os cabelos / Na frialdade inorgânica da terra!"("Psicologia de um Vencido").
13.Todos esses trechos e vários outros mais de Porto-Alegre acham-se selecionados por Humberto de Campos em seu O Conceito e a Imagem na Poesia Brasileira (Obras Completas de Humberto de Campos. vol.29. Rio de Janeiro, W.M.Jackson, 1960)
14.A respeito do caráter real de Colombo, recentes estudos têm mostrado que se tratava de um homem ganancioso, e que talvez, tenha sido um dos maiores genocidas da história. A esse respeito indicamos um artigo da revista Superinterressante, "Colombo: Herói (ou Vilão?) do Novo Mundo", Nov./1991, p.76-84. Além dos livros: Diário da descoberta da América, Cristóvão Colombo, LP&M, Porto Alegre, 1986. As Memórias de Cristóvão Colombo, Stephen Marlowe, Ed.Best Seller, São Paulo, 1989. A Conquista da América, Tzvetan Todorov, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1991.
15.MOLES, Abraham. O Kitsch. Col.debates vol.68. São Paulo, Perspectiva, 1974.
16.Umberto Eco em estudo sobre Ian Fleming, criador do personagem James Bond, aponta que a obra desse escritor fica entre o Kitsch e a literatura diluída, midcult, apresentando no entanto, capacidades de envolvimento fortíssimas, apesar da inverossimilhança: "Nossa atenção é solicitada, abrandada, orientada para o campo das coisas possíveis e desejáveis. Aqui a narração torna-se realista, a atenção maníaca; para o resto, que pertence ao inverossímil, bastam poucas páginas, e uma implícita piscada de olho. Ninguém é obrigado a acreditar.
17.Mais uma vez, o prazer da leitura não decorre do incrível e do novo, mas do óbvio e do consueto. É inegável que Fleming emprega, na evocação do óbvio, uma estratégia de classe rara; mas o que essa estratégia nos faz amar está na ordem redundante, não do informativo. A linguagem realiza aqui a mesma operação da trama. O máximo prazer não deve nascer da excitação, mas do repouso.
18.Dissemos a seguir que a descrição meticulosa jamais constitui informação enciclopédica mas evocação literária. Indubitavelmente, se um mergulhador nada para a morte e eu vejo acima dele um mar leitoso e calmo, e vagas sombras de peixes fosforescentes que o talham, esse seu gesto inscreve-se numa moldura de natureza explêndida e eterna, ambígua e indiferente, que evoca em mim um certo contraste moral e profundo. Amplifique-se o momento da natureza apática e faustosa, e o jogo está feito. De hábito a imprensa, quando um mergulhador é devorado por um tubarão, noticia o fato e ponto final, pois então bastará que alguém acompanhe essa morte com três páginas de fenomenologia do coral para termos literatura?
19.Esse jogo, não novo, de uma cultura de transferência, identificada sucessivamente como Midcult ou como Kitsch, que aqui encontra uma de suas manifestações mais eficazes - diríamos a menos irritante, pela desenvoltura e pela bravura com que a operação é efetuada; não só que o artifício, no caso, pode levar à celebração de Fleming não como um perspicaz elaborador de estórias digressivas, mas como um fenômeno de invenção estilística." (ECO, Umberto. O Super-Homem de Massa. São Paulo, Perspectiva, 1991. p. 180).
20.Abraham Moles considera um Neokitsch, como um elemento, que no caso da cultura de massa, promovendo uma crise na funcionalidade dos objetos, provoca um crise na sociedade moderna: "É o neokitsch que aqui se opõe ao funcionalismo, ocasionando uma crise de valores funcionalistas na sociedade moderna. Vivemos numa época de crises filosóficas em que as doutrinas mais cuidadosamente estabelecidas são novamente questionadas à luz de uma nova evolução.
22.Assim, o funcionalismo se encontra em grave crise filosófica, na medida em que suas aspirações se acham em contradição com uma sociedade do neokitsch, da perempção incorporada, do amontoamento contínuo, crise que é muito fortemente sentida pelo estilista ou designer atual. A tese do funcionalismo, com efeito, se traduzia essencialmente na idéia da adequação dos objetos aos fins pelo estudo das funções." (MOLES, Abraham. O Cartaz. São Paulo, Perspectiva, 1974. p.170-171).
23.Umberto Eco coloca uma distinção entre Romance Histórico e Popular, que parece-nos útil para situar a poesia épica, em termos de narrativa, de Porto Alegre: "Portanto, o romance histórico, além do velho apelo à verdade histórica , é um romance de fundo exortativo, no qual predominam, propostas como modelos positivos, várias virtudes. E a tal ponto está cônscio o romance histórico de exercer funções que exorbitam da pura proposta de máquina narrativa, que a cada passo gera sua própria reflexão meta-narrativa, interroga-se sobre seus fins, discute com os leitores, como faz por exemplo, e mais que todos, Manzoni. O romance histórico é filho de uma poética bastante cônscia de si mesma, e continuamente se questiona sobre a própria estrutura e a própria função.
O romance popular, ao contrário, além de ter outras características que examinaremos mais adiante e que constituem sua marca ideológica fundamental, nasce como instrumento de entretenimento de massa e não se preocupa tanto em propor modelos heróicos de virtude, quanto em descrever com certo cinismo caracteres realistas, não necessariamente virtuosos , com os quais o público possa tranqüilamente identificar-se para daí extrair as gratificações a que nos referiremos." (ECO, Umberto. Op.Cit.,p.80). À certa altura da narração, Porto-Alegre interrompe-a para defender seu amigo Gonçalves de Magalhães das críticas que tem recebido pela publicação da Confederação dos Tamoios.
24.Flávio René Kothe assim coloca a função de uma leitura que busque a estratégia de encontrar e desvendar as alegorias de um texto: "A poética é uma retórica, mesmo quando expressamente declara que não pretende persuadir. A retórica é mais direta (e, portanto, mais honesta) em seu desejo de manipular vontades, alterando ou reforçando convicções; nesse processo, a poética é mais sutil, e assim mais eficaz. O texto, com toda a sua poética/retórica, é um conjunto de estratagemas para conduzir o leitor/ouvinte - que pensa que é ele próprio quem descobre o caminho - na direção que o autor quer. O poder acaba sendo o cerne do belo. A leitura alegórica do texto dispõe-se a decifrar o enigma da esfinge."(KOTHE, Flávio R. A Alegoria. São Paulo, Ática, 1986. p. 89).
25.Observa Umberto Eco que nos romances populares existe uma seqüência de pequenas revelações que tendem a gradativamente manterem o interesse pelo fio narrativo e, também, em doses homeopáticas ir cumprindo uma função de catarse do leitor. "Amiúde o romance popular, a cada abertura de capítulo, apresenta uma personagem misteriosa que ao leitor cumpriria ignorar: o desconhecido, no qual o leitor já terá reconhecido o nosso X... . Ainda uma vez temos um expedientezinho narrativo de pouca valia, graças ao qual o narrador introduz uma vez mais, em dimensão degradada, o prazer do reconhecimento. Cabe, todavia, observar que se, vistos pelo prisma de uma estilística do enredo, esses meios degradados constituem outros tantos remendos narrativos, considerados, no entanto, sob o ângulo de uma psicologia da fruição e de uma psicologia do consenso, eles funcionam às mil maravilhas, porque a preguiça do leitor pede exatamente para ser abrandada com a proposta de enigmas que ele já tenha resolvido ou saiba facilmente resolver."(ECO, Umberto. O Super-Homem de Massa. p.36-37)
26.Lembremos que no Vila Rica a bruxa Teriféa faz com que Argasso veja no lugar de sua amada deitada sobre uma pedra a figura de um tigre.
27.Segundo Kirkpatrick Sale, autor de The Conquest of Paradise, Colombo era um homem de paixões vulgares, devorado pela ganância do ouro, obcecado pelos títulos de nobreza, geógrafo confuso misturando astronomia e astrologia, navegador insensato certo de que recebia ordens diretamente de Deus e que, apesar de quatro viagens à América, nunca conseguiu entender onde tinha chegado. Além do mais, de uma ferocidade bestial com os nativos indefesos, trazendo consigo da civilização européia, a fogueira, a espada, além da tuberculose e da varíola. O herói de Porto Alegre, nesse sentido, mostra-se um misto do Colombo real, já que no século XIX ainda não se tinha a precisão do caráter real do navegador, com um fantoche de herói épico, daí a poder lutar em torneios de cavalaria ou acalmar os maremotos com estranhas orações, como faz no poema de Porto-Alegre. É um herói fictício, pura invenção folhetinesca, e Porto-Alegre, creio, tinha essa intenção, para com seu herói. Uma espécie de "Micrômegas" do poema épico, em tom solene.
28.CAMPOS, Humberto de. "A Filosofia de Pamórfio" em: Lagartos e Libélulas. Rio de Janeiro, W.M.Jackson, 1960. p.111)
29.Porto-Alegre no artigo "Elogio de Garrett" , cita o seguinte parágrafo do autor português: "Walter Scott ressuscitou a poesia dos tempos feudais, e nos entusiasmou por ela: Lamartine fez-nos chorar sobre a ruína dos mosteiros; Victor Hugo fez-nos carpir a soledade das nossas quase abandonadas catedrais. As artes do desenho acudiram ao reclamo da poesia e lhe prestaram os seus prestígios. Fez-se uma grande revolução, nos sentidos primeiro, depois nos sentimentos, depois nas opiniões. O feudalismo, que não inspirava senão horror ao homem, do século dezenove, começou a excitar-lhe a admiração; o monarquismo, que era aborrecido e desprezado, obteve dó e compaixão. E até aqui a revolução era salutar: ganhava a tolerância, ganhava a moral, ganhava a religião com ela; porque em verdade o filosofismo do século passado tinha derrancado tudo à força de corrigir e aperfeiçoar."(PORTO-ALEGRE, Manuel de Araújo. "Elogio a Garrett" em: Estante Clássica da Revista de Língua Portuguesa, vol.XIII, org. e seleção de Laudelino Freire. Rio de Janeiro, 1924.p.82-83)
30.É oportuna a observação de que Porto-Alegre no fim de sua carreira de escritor tenha se dedicado a escrever uma peça de teatro, Voluntários da Pátria, que segundo Sacramento Blake é pouco conhecida.
31.Sir Thomas Mallory escreveu Os cavaleiros da Távola Redonda, obra que compila um conjunto de lendas medievais anglo-saxônicas, e Fenimore Cooper escreveu O Último dos Moicanos, obra que procura demonstrar as virtudes guerreiras e o destemor do índio americano.
32.Culex, poemeto de 412 versos que conta a viagem da alma de um mosquito ao inferno. Durante a Idade Média dizia-se que Virgílio tinha sido feiticeiro, crendice que supõe-se devido ao fato de sua mãe chamar-se Magia Pola e de alguns acontecimentos infaustos em sua vida.
33.Comparar com o Manco Capac, do Guesa, de Sousândrade. Manco Capac é um lendário fundador do império inca. No canto I do poema de Sousândrade já há uma referência ao personagem , mas é no canto décimo primeiro que ele comparece com mais vigor: "Quem andou por aqui foi Manco-Cápac,/ Que um reino meigo paraisal fundara."(canto XI). No canto nono de Sousândrade também existe uma evocação a Colombo. Nos cantos XI, XII e XIII existe uma interpretação de toda a história das civilizações pré-colombianas e mexicanas.
34. Sendo pintor, Porto-Alegre deve ter notado a importância da perspectiva para o palco, ela permitia organizar o cenário, tendo como centro o protagonista da cena. "O ideal de ilusão máxima, se conduziu ao palco à italiana , foi por sua vez reforçado por esta cena. (...) A invenção da perspectiva central é, antes de tudo, expressão do desejo renascentista de conquistar e dominar a realidade empírica no plano artístico." (ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. São Paulo, Perspectiva, 1994. p.54)
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Comentarios
Miguelslop - 29/10/2024
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