A GRANDE FESTA DA MINHA CIDADE

Ó meu rico São João,
folgazão, velho tripeiro,
cá vou na rusga sambão
de chapéu à brasileiro...Já daqui ouço, lá em baixo na rua e ao redor do prédio onde habito, o peculiar e agradável banzé de São João, na grande noitada que se inicia e só termina quando o sol acordar pleno.
Esta noite, as ruas centrais do Porto vão encher-se de lés a lés, com milhares e milhares de pessoas friccionando-se ombro a ombro, batendo o martelinho ou o alho-porro umas às outras, em jeito de carícia fraterna que a todos sem excepção irmana, espécie de guerra-pacífica feita em esplêndida paz revigorante com algo de assombro milagreiro.
Por volta da meia-noite, vou comprar o Jornal de Notícias, que sai especialmente mais cedo, ansioso por ver se alguma das trovas, com que concorri, foi premiada.
O tempo, fora do habitual, não está convidativo: corre uma aragem um tanto ou quanto fria e o céu, bastante opaco, ameaça chuva. Mesmo assim, prevenido para uma eventual molhadela, daqui a pouco, com alguns amigos foliões, internar-me-ei no seio da multidão e deixar-me-ei deslizar até à Ribeira, nas Fontaínhas, onde cuidarei de arranjar um lugarzinho ideal para contemplar o fogo de artifício e, de seguida, saborear uma bela sardinha assada com pimentos e um bom tintol carrascão.
Sem antecipado projecto, se entretanto arranjar no meio e entre a confusão das delicadas causas da vida, com meu martelinho, uma velhota gaiteira, de manjerico não muito murcho, talvez me divirta muito mais do que à partida presumo, aplicando, se oportunidade houver, uma saudosa martelada no céu do magnífico santinho.
E pronto, estimados Usineiros, vou preparar-me para a folia: Ó meu rico São João,
mais uma vez, oh, cá vou,
fundir-me na multidão
enquanto me apalpo e sou.
António Torre da Guia
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