Pressa, correria, rapidez. É assim que vivemos e terminamos o século XX e iniciamos o XXI: velocidade máxima. A sociedade estabeleceu que quanto mais rápido galgarmos vitórias, mais considerados seremos entendendo sucesso como ganho financeiro que por sua vez destaca nomes no cenário social: fulano, ciclano.
Nesta corrida não só se inclui a geração infantil (atividades extra escolares substituindo o lazer infantil) como o próprio vírus da ansiedade que por ser altamente contagioso para quem convive, a infecta. Provavelmente anos depois, já crescidos, a atual criançada seguirá o mesmo modelo exigindo dos seus pequenos que a correria se mantenha enquanto referência maior na “luta pela grandiosidade”.
Ao agitarmo-nos e prognosticarmos em querer sentir o brilho de moedas acumuladas, é pouco provável que percebamos que o tempo é inexorável e imutável estando a diferença apenas em como administramo-lo. Evidentemente ao investirmos nesta regra ditada pela sociedade de consumo, o espaço para o afeto diminui, as relações humanas minimizam, o olhar dirigido ao outro deixa de existir; o sentimento caloroso que envolvia familiares e amigos torna-se supérfluo. Ao reduzirmos a saudável convivência (com vivência), acarretamos o não desenvolvimento da tolerância, nos presenteamos com a cegueira emocional, deixamos escapar prazeres que tão facilmente e sem esforço, seriam coletados.
Ouvi certa vez de uma monja um alerta: “ ... não se esqueçam de que o carro novo de hoje será o calhambeque de amanhã...” Nunca havia pensado sob esta óptica. Refleti: o quanto se desgasta em busca de algo tão efêmero e quão frágil é nossa memória em relação aos nossos ancestrais pois, enquanto países orientais sentem a flor, os ocidentais explicam a biologia desta planta; enquanto o oriental saboreia o chá, o ocidental engole um sanduíche; enquanto o oriental aperfeiçoa as relações da beleza, o ocidental depura apenas a estética.
Fico a me perguntar porque ao valorarmos um aspecto, abandonamos outro? Porque são excludentes? Não há como agregar sabedorias, somar concepções, adicionar percepções? Abandona-se o equilíbrio da gangorra por enaltecermos apenas novas descobertas ou somos muito empobrecidos para conseguirmos esta união? Creio que somos prepotentes entendendo que o por vir racional deva ser exaltado desprestigiando aquilo que foi, abolindo o princípio fundamental inerente ao homem: somos tribais, dependentes de grupo, somos gregários.
Se assim podemos considerar, retomo o que acima mencionei, perguntando: ao refinarmos percepções, ao sentirmos o próximo, ao apurarmos olfato, audição e visão não estaremos nos reabastecendo de algo esquecido e tão necessário? Não estaremos alimentando com mais propriedade nossas necessidades emocionais?
Sequer aquilatamos nossas perdas: os índios mantém apuro auditivo, os esquimós discriminam visualmente inúmeras nuances coloridas, o refinado olhar afetivo do indiano encaminha-o à leveza espiritual. Enquanto isto percebemos que não mais possuímos acuidade auditiva - os sons se misturam; nosso olhar distingue apenas a coloração básica e o abandono da delicadeza perceptual nos oferece apenas a vida biológica.
Nossa rudeza de gestos expressando nossa ira em contraposição ao maneirismo nipônico parece evidenciar nossa brutal animalização, tipificada na figura da madre americana assassinada no norte do país. A frieza e a insensibilidade nos invadiram: nos deparamos com atropelamentos e passamos ao largo; tomamos conhecimento de catástrofes, chacinas enquanto almoçamos na frente da televisão, economizando tempo. Tempo? Tempo para que? Afinal, qual nosso projeto de vida? O que pleiteamos?
Eternizar-se marcando valores, carimbar memórias emocionais nos descendentes pelo que foi e não pelo que teve, é um legado indelével - os conceitos morais aprofundam-se e instalam-se muito além da superfície. Não haverá perdas, não haverá administração errônea que transforme o tudo em nada cumprindo assim o desejo de continuísmo que todo ser humano busca justificando em parte a necessidade da procriação.
Busquemos em nossos antepassados a sabedoria nascida da intuição, do empírico, da “faculdade de perceber, discernir ou pressentir coisas, independentemente de raciocínio ou de análise ... “ (Houaiss) , agregando à cientificidade que, mesmo desenvolvendo-se magistralmente, carece de sensibilidade algumas vezes.