Ministro, e ainda por cima da Cultura, cantando suas composições e tocando guitarra, não é de todo comum, não é vulgar. Só por mero acaso dos deuses no império colectivo da inteligência é que o exemplo se encima e se faz experimentar com realidade.
No Brasil, que eu saiba, é pelo menos a segunda vez que acontece tal desiderato. Pelé, o rei do futebol sob a polémica sombra de Maradona, foi ministro do Desporto.
Ocorre-me interrogar: quando será que os brasileiros presidenciarão uma mulher e enfim experimentem o afecto materno a governar tão enorme casarão. Naturalmente, embora não pareça, a mulher exerce um poder aglutinador. Observem esta lindíssima trova:
Dizem que as mães querem mais
ao filho que mais mal faz...
Eu a ti quero-te tanto
e tantas mágoas me dás...
Gilberto Gil veio a Lisboa e, ao decidir cantar, surpreendeu-me desagradavelmente, decepcionou-me e desde logo me tirou o som dos ouvidos. Não perdoo nunca o equívoco propositado, a incoerência, o sofisma político que mais e mais se expande vindo daqueles que se fingem humildes e afinal permanentemente se revelam sobranceiros.
Gil cantou e tocou exclusivamente para a "nata" política portuguesa, a dita "fina flor", para o empresariado negreiro, para a diplomacia que não cessa de trocar e negociar entre si material de guerra.
Já adiante, a chiquérrima sessão, quiçá gravada ao vivo, passará para milhões de CDs, "divulgando a cultura", mas, sobretudo e objectivamente, explorando o tecido social mais frágil e afinal aquele donde emana toda a força e a cobiça dos que são poderosos.
Observem e analisem bem, à pergunta de um jornalista, o que Gilberto Gil respondeu:
JD - E quanto a conflitos de alma? O seu percurso de homem-ético não se sentiu ferido com os episódios menos transparentes do Governo a que pertence?
GG - Não, porque o homem da ética vive com os homens todos, não restringe o seu viver ao contacto com os seus iguais. Tem de estar também no meio dos defeitos humanos. É responsabilidade dos éticos tolerar a existência dos desvios dos outros...
Ora, estimados Leitores, o nosso jornalista enunciou coerente e foi de uma elegância assaz delicada a colocar a questão. Só que, Gigi não cantou nem se disponibilizou para os homens todos e sim e tão-só para uns quantos seleccionados que têm deveras os maiores defeitos humanos e são responsáveis sem equívoco pela miséria que constantemente avassala a existência da maioria das gentes.
Enfim, resumindo, senhor ministro leia isto, ou não leia. Eticamente, meu caro, permita-me um muito breve desabafo: de cantigas e paleio está o mundo cheio. |