É possível humanizar o homem? Quem sabe dizer-nos?
Somos filhos da natureza e como tal, animais, com as mesmas características. Porque o nosso cérebro cresceu não quer dizer que nossos instintos primitivos foram apagados, sufocados, estejam mortos e sepultados. Não. Ao contrário, o homem dotado de razão se torna muito mais cruel do que antes. A crônica criminal está cheia de crimes bárbaros, às vezes em série, praticados por quem jamais se desconfiou que fosse capaz. Isto pessoalmente. E os crime contra a humanidade, os chamados genocídios e holocaustos, as guerras sem fim entre tribos e nações, muitas vezes abençoadas pelas religiões, outras vezes sustentadas por elas próprias e seus credos, etc.? Assim como nossos irmãos, antes nos contentávamos com a sobrevivência. Agora, queremos mais. Queremos dominar. Queremos ser eternos e superiores a tudo quanto existe na terra e nos céus. Quando negamos a possibilidade de que existam seres superiores a nós por esse mundo de estrelas e galáxias, por este sem-fim, sem-termo, esse tudo, justo demonstramos assustadoramente a prepotência.
Primeiro é preciso ir fundo na condição humana, na “natureza humana”. Há uma “natureza humana” ou apenas se criou esta expressão de abrandamento da nossa crueldade desde o início? Animais de antes da caverna, formos ao longo dos milhões de anos sentindo a nossa fraqueza e formando o que chamamos hoje de sociedade.
Em escritos anteriores afirmei que a nossa natureza é de anjo e demônio, pois que temos a possibilidade da humanização, da convivência pacífica em grupo, do amadurecimento e controle das emoções e reações mais primitivas, as quais não deixam de modo nenhum as feras mais feras para trás. Mas, para que minhas palavras sejam mais acreditadas, louvo-me nas lições de um filósofo – filósofos hoje são aqueles que sabem, antigamente eram apenas os amigos do saber – de nome Schopenhauer, citando-o literalmente:
“O homem no fundo é um animal selvagem e terrível. Nós o conhecemos unicamente no estágio subjugado e domesticado, denominado civilização: por isto nos assustam as eventuais erupções de sua natureza. Porém, onde e quando a trava e a cadeia da ordem jurídica se rompem, e se instaura a anarquia, se revela o que ele é. Entrementes, quem deseja se esclarecer a respeito também, sem tal oportunidade, pode colher a comprovação de que o homem não deve crueldade e intransigência a nenhum tigre ou hiena a partir de centenas de relatos antigos e modernos. Um exemplo de importância plena do presente é fornecido pela resposta obtida pela sociedade antiescravista britânica à sua pergunta sobre o tratamento dispensado aos escravos nos estados escravistas da federação norte-americana, da sociedade antiescravista norte-americana, no ano de 1840: Slavery and the Internal Slave-trade in the United States of Norte-americana... (Londres, 1841). Este livro constitui uma das acusações mais graves contra a humanidade. Ninguém tirará as mãos do livro sem espanto, poucos sem lágrimas.”
Entre outros testemunhos, o filósofo comenta também a seguinte obra (Travels in Eastern África, 1860, de Mac Leod), colocando-a na conta das que relatam os mais horrendos tratamentos dados aos escravos, desta feita o que chama de crueldade inaudita, friamente calculada e verdadeiramente demoníaca dos portugueses contra seus escravos em Moçambique.
Repito a pergunta inicial: – É possível humanizar o homem? Quem sabe dizê-lo? E quando? E como? Ou, já por causa do nosso egoísmo, alimentado com o individualismo do nosso sistema, o mundo está despencando para o abismo?
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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora em Teresina, Piauí. E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br