Assim que terminaram minhas entrevistas em Alvorada do Iguaçu parti para Itacorá e Santa Helena. A vila de Itacorá, que ficava a 60 quilômetros de Foz do Iguaçu e às margens do Rio Paraná, foi submersa um mês após ter completado 15 anos de existência. Tudo desapareceu no fundo do imenso lago. As águas do Rio Paraná inundaram a terra como num dilúvio, nivelando com seu lençol prateado casas, galpões, armazéns, lembranças, vivências e convivências.
Talvez tenha sido devido às vivências que seu Bonorino resistiu um monte para sair do sítio apesar dos vários ultimatos dados pela Itaipu. Ele dizia que as águas não iriam chegar até sua propriedade. Eu soube mais tarde pelo Orestes Gasparini, um dos líderes do Movimento Justiça e Terra, que o velho resistia em sair do sítio porque estava convencido de que iria perder a alma caso fosse embora para outro lugar. Corria na região que Bonorino havia enterrado a mulher num capão de mato e tinha medo de não poder cumprir o juramento de ser enterrado ao lado dela. Naquela época havia muitas sepulturas espalhadas pela região. Quando represaram o rio, cemitérios legais e clandestinos também foram submersos pelas águas.
Quem me deu a dica sobre o seu Bonorino em Itacorá e de sua resistência para sair do sítio que seria inundado foi meu velho amigo Gonço, ou melhor, Gonçalino de Assis, que naquela época era soldado da Polícia Militar e servia em Foz do Iguaçu, no 14º BPM. Mais tarde ele foi promovido a cabo e finalmente se aposentou como sargento, depois de comandar os destacamentos de Santa Terezinha de Itaipu e de Itaipulândia.
Eu conheci o soldado Assis em 1980, quando o Brizola veio a Foz para lançar o novo PTB, idealizado um ano antes numa reunião realizada em Lisboa pelos brasileiros exilados na Europa. Apesar do País ainda ser governado pelos militares e as leis discricionárias estarem em vigor, o salão do tradicional Oeste Paraná Clube ficou lotado e muita gente acompanhou os discursos pelas caixas de som instaladas no lado de fora.
Brizolista da velha cepa, Gonço trabalhou comigo na organização do ato público. Naquela época ele me apresentou a alguns colegas de farda e eu tentei ganhá-los para a causa da democratização do País e do socialismo. Um desses foi um tenente que me causou uma baita decepção. Também quem mandou eu me iludir com o cara! O meu desapontamento aconteceu em 1983, quando esse PM arrancou um megafone de minhas mãos. Foi durante uma manifestação na porta da prefeitura. Ele pediu o megafone, eu não entreguei, ele puxou e eu segurei firme. Resultado: o megafone quebrou. Quebrou, mas eu não entreguei.
Isso aconteceu numa manhã de dezembro de 1983, quando fizemos uma manifestação contra o aumento de 40% no preço da passagem de ônibus. O povo já não agüentava tanta carestia e de repente o coronel Clóvis Cunha Bueno, prefeito nomeado de Foz do Iguaçu, havia tornado, com um canetaço, os empresários mais ricos e os trabalhadores mais pobres. Por isso a proposta de caminhar até a prefeitura pegou em todos os bairros.
Nove horas da manhã e estávamos lá, concentrados e pedindo a revogação do decreto que autorizava o aumento. Assustado com a multidão que se aproximava do prédio da prefeitura um vigia tentou fechar a pesada porta de ferro. Não conseguiu. A massa entrou na marra no prédio da prefeitura e acampou no gabinete.
Depois dessa refrega fomos atendidos pelo Wilson Batista, que era o ajudante-de-ordem do prefeito. Ele nos comunicou que o coronel Clóvis Cunha Vianna iria abaixar o preço da passagem, o que de fato aconteceu no dia seguinte.