Era tarde da noite, enquanto meus olhos vermelhos de sono recusavam-se a encerrar suas atividades. Podiam bem, estarem vermelhos por outra coisa que fossem as letras na tela do computador, o batimento do monitor, a luz fria e incandescente no teto, ou mesmo o te-ahá-cê acumulado em horas de fumaça no meio da sala. Tanto fazia, mas de certo era o sono chegando, enquanto a noite ia seguindo em direção à lua.
Em outro lugar, naquela mesma hora, o farol ilumina a estrada toda de vermelho sinalizando uma parada eminente. A rua deserta proporcionava qualquer quebra de sistema, ou desobediência legal e impune da lei. Vermelho significa: Pare! Depende da maneira de ver as cores, e que todo mundo tem sua própria maneira. Alguns enxergam somente as cores que querem ver, e que talvez o vermelho não signifique nada pra elas. Mesmo assim o vermelho significa: Pare! Alguns enxergam o vermelho, mas simplesmente não obedecem, e principalmente àquela hora da noite.
Passava das duas da sexta-feira de finados, quando o sinal fechou em vermelho brilhante, mas ninguém viu. De um lado vinha um senhor de idade, cansado e com os olhos vermelhos de sono como os meus. O sinal que ele via era vermelho, mas ele também não via o verde mesmo assim, enxergava tudo em preto e branco, meio cinza e nublado, e guiava-se pela posição das luzes devidamente gravadas em sua memória e condicionadas à sua deficiência. Porém seus olhos vermelhos o impediam de concentrar-se. Cruzando em sua frente, vinham alguns indivíduos também com seus olhos vermelhos de te-agá-cê na mente, e para eles o sinal era verde, mas também de nada o fato lhes importava, devido a seus olhos vermelhos.
O sinal verde chocou-se com o vermelho, e o que os olhos vermelhos de uns que viram o verde e ainda assim não viram os olhos vermelhos do outro que não viu o vermelho. O que passaram nas horas seguintes foram chiliques de desespero e aflição, sirenes azuis, amarelas, verdes e vermelhas iluminava toda a estrada. Curiosos passavam vagarosamente com seus olhos amarelos de curiosidade, vislumbrando a cena da colisão. Alguns envolvidos possuíam olhos verdes de raiva, outros estavam vermelhos e ruborizados de sono e vergonha pela imprudência e desatenção. Era tarde da noite, porém todos poucos curiosos que passavam tinham os olhos azuis de satisfação por não terem participado do acidente, e ainda bem que não foi comigo.
A noite que já era curta, agora tornara-se longa e tediosa para aqueles indivíduos envolvidos na colisão. Eu já me encontrava no décimo quinto sono da noite e acordaria somente as dez da manhã do dia seguinte. Provavelmente, na hora exata em que tais indivíduos iriam começar a dormir para esquecer o ocorrido. Não senti pena deles, quando li sobre os acontecimentos nas páginas do jornal local. Era mais um relato dos acidentes de mais um feriado prolongado, e o que ficou comprovado depois de muitas perguntas e averiguações, é que o senhor de olhos vermelhos de sono, e que não viu o sinal vermelho de “Pare”, era daltônico e não prestou tanta atenção assim. Enquanto os outros pobres coitados que estavam de olhos vermelhos, e sem sono algum, foram autuados e detidos por porte ilegal de drogas e por trafegarem alcoólizados, mesmo tendo visto e confiado no sinal verde que sinalizava o livre acesso da avenida. Provaram mais uma vez que o destino havia pregado uma peça neles, e que aqui se faz aqui se paga, e estavam no lugar errado na hora errada, e todos os outros clichês pensados e imaginados estariam contra eles. Não tardaria para serem logo liberados, porém o prejuízo e a bronca que escutariam não valeriam pela falta de atenção e descuido que tiveram. Ficariam apenas com a certeza de que aqui se faz aqui se paga, e aquele velho daltônico haveria de pagar por tudo que fez.