Tenho notado um certo saudosismo de boa parte dos ilustres personagens, que assinam as matérias editadas neste espaço opinativo por excelência. Nada contra. As lembranças são como “flashes” em nossa caminhada na Terra. E lembramos continuamente dos lugares em que vivemos mais tempo. No entanto, quem migrou do nordeste para São Paulo como nós, (eu e minha família), as lembranças ficam mais apagadas apesar dos “flashes” insistentes e até certo ponto incomodativos, em razão do excesso de aventuras vividas em muitos lugares, desde que voluntariamente minha família decidiu em definitivo morar em São Paulo aí pelos idos de 1953.
Quando chegamos em Jaú, em abril de 1957, fomos morar na rua Sete de setembro, naquele quarteirão entre a rua Humaitá e a Riachuelo. Todas as ruas eram cobertas de paralelepípedos, não me lembro de pequenos trechos asfaltados, mas deviam existir. Minha mãe vivia a me repreender em razão das brincadeiras de rua. Poucos carros passavam em comparação com o movimento de hoje. Mas, para nossos pais o trânsito já era bem grande. Então, ela abria a janela e gritava para sairmos da rua, quando passava um carro a cada vinte ou quarenta minutos. Lembro-me de que ficávamos admirando o comprimento da rua Sete de setembro. Isto porque viemos de Picos no Piauí e de São Simão, na região da antiga Mogiana. Ambas cidades pequenas. À tarde saíamos em grupo de até dez garotos, no intuito de jogar bola num pasto próximo. É onde hoje está erguido o hipermercado muito conhecido, ali na avenida das Nações. Jogávamos bola a tarde inteira. Alguns rostos daqueles garotos aparecem vez por outra nas minhas memórias. Minha vida, entretanto foi muito diversificada, mudanças várias ocorreram, então os nomes foram ficando para trás. Até mesmo do serviço militar obrigatório prestado em Brasília em 1964, deixou-me pouca lembrança. Mas, sei que de Jaú foram três jovens: eu, o Paixão e o Bueno. Cheguei a me encontrar com o Paixão algumas vezes depois que voltei para Jaú em 1988. Mas, o Bueno nunca mais o vi.
Quando criança íamos em bandos assistir os jogos do XV lá no Estádio Arthur Simões. Estádio que parece continuar existindo em razão daquela época de ouro das façanhas de nosso “timão”. Muitos garotos tentavam subir o madeirame que circundava o estádio nas alturas. Alguns conseguiam, outros eram apanhados pelos "fiscais”. Estes eram senhores de idade que portavam varas finas (de marmelo), as quais ao bater em nossas costas deixavam marcas. Então corríamos para nos esconder em grandes buracos escavados no meio das moitas. E ali ficávamos esperando uma oportunidade melhor. Um dia tive uma idéia. Transmiti ao nosso grupo que passou para outros grupos. E então pusemos em prática. Toda a molecada, num bando enorme e de uma só vez, numa gritaria também enorme invadiu o reduto tão cobiçado: o Estádio Arthur Simões. Parecia uma multidão de macaquinhos galgando as perigosas tábuas. Havia garotos de todas as idades. Até mesmo de cinco anos, que os mais velhos puxava-os para cima. E lá nos altos, os rapazes que entraram normalmente no estádio, ajudavam-nos com cordas, ripas e até camisas que eles tiravam com essa finalidade. Era realmente um ataque copiado dos filmes de índios, religiosamente assistidos aos domingos no Cine Jaú. A operação era muito perigosa, mas não havia outro meio. Nossos pais daqueles tempos não davam tanta importância ao futebol. Era coisa inútil no entender deles. Então dinheiro só para ir ao cinema. Acostumei-me a não pedir dinheiro ao meu pai. Lembro-me de ter começado um negócio de compra e venda de gibis, desde o Guri, passando pelo Superman, Tarzan, Supermarvel, Batman, Zorro e tantos outros. E lá na frente do Cine Jaú os negócios ferviam igual à Bolsa de Valores. E daí o dinheiro enchia meus bolsos para a preparação de novos negócios no outro domingo, sobrando dinheiro para assistir filmes e saborear os deliciosos sorvetes do Pereira a semana toda. Estes foram os primeiros passos de um menino nordestino recém chegado a esta querida cidade de Jaú. E as aventuras nunca terminaram, elas continuam até hoje cada vez melhores e mais inesquecíveis.