Eis aqui a íntegra do pedido de canonização do padre Miguel Afonso de Andrade Leite, protocolizado junto à Diocese de São João del-Rei na manhã de hoje, dia 26 de setembro de 2006:
São João del-Rei, MG, 26 de setembro de 2006.
Excelentíssimo e Reverendíssimo D. Waldemar Chaves de Araújo, Bispo da Diocese de São João del-Rei – MG:
nós - Osni Geraldo de Paiva, Wainer de Carvalho Ávila e José Antônio de Ávila Sacramento - cidadãos são-joanenses in fine assinados, aprendemos desde a mais tenra idade que para compreender a Igreja é necessário conhecer os santos, que são o seu sinal e o seu fruto mais amadurecido e eloqüente. Nossos antepassados já contemplavam o rosto de Cristo nas mutáveis e diversas situações difíceis de suas épocas. Foram eles que nos legaram os ensinamentos de que é preciso olhar para os santos como seres iluminados e que representam profundamente a fé no próprio Cristo.
Baseados nesta premissa, solicitamos à Diocese de São João del-Rei, na pessoa do eminente bispo D. Waldemar Chaves de Araújo, a abertura do processo visando à canonização do padre Miguel Afonso de Andrade Leite, nascido no arraial de São Miguel do Cajuru, um dos distritos deste município, religioso que foi exemplo de vida cristã e que soube bem viver, pregar e testemunhar o Evangelho (certidão de nascimento anexa).
Não nos referimos a esta causa como “de beatificação”, posto que na nova legislação canônica não visualizamos menção da beatificação como um fim. No cânone 1403, § 1, fala-se das causas de canonização e a mesma terminologia é usada na Constituição “Divinus Perfectionis Magister”, que rege todo processo de canonização e que fora promulgada pelo Papa João Paulo II, em 25 de janeiro de 1983. Assim, acreditamos ser a “beatificação” simplesmente uma fase da causa de canonização, uma parte do caminho a ser vencido, não se tratando, portanto, de duas causas distintas, mas de etapas ou fases de uma mesma causa. Desta forma acreditamos que a causa que ora provocamos poderá ser mesmo denominada de CANONIZAÇÃO. No entanto, se for outro o entendimento do bispado, isto não deverá ser motivo suficiente para sobrestamento do nosso pedido.
A causa apresentada tem função eclesial e social. Não é a canonização do padre Miguel, no nosso entendimento, mera busca de projeção ou estratégia expansionista promovida pela Igreja Católica da cidade de São João del-Rei, do Estado de Minas Gerais ou do Brasil. Se assim entendêssemos, estaríamos apenas promovendo uma indevida operação de marketing da santidade, com finalidade única de promover ainda mais a liderança do catolicismo como religião na sociedade civil contemporânea.
Acreditamos que os santos não têm necessidade de ser declarados como tais; nós é que precisamos de que a Igreja proponha novos modelos de santidade, capazes de nos ajudar a interpretar, em qualquer condição de vida, as mensagens do Evangelho. Reforçou muito esta provocação em favor do pedido de abertura do processo para a canonização do pe. Miguel o fato de o Papa João Paulo II ter dito, na cerimônia da Beatificação de Madre Paulina, em Santa Catarina, que "o Brasil precisa de santos, de muitos santos..." (homilia da missa de Beatificação, em 18 de outubro de 1991).
O padre Miguel Afonso de Andrade Leite, como acreditamos, faleceu em odor e fama de santidade, tendo exercido as suas virtudes cristãs em grau heróico. Benedito XIV definiu assim o conceito de fama de santidade: “é a opinião geral, manifestada publicamente, de uma maneira espontânea, pela maior parte do povo, sobre o martírio ou sobre a vida virtuosa e milagres realizados pelo servo de Deus, que induzem ao povo venerá-lo e pedir sua interseção.” Acreditamos que a canonização do padre Miguel Afonso de Andrade Leite satisfaz as exigências do exercício das virtudes heróicas, hábito nato pelo qual ele, movido pela graça divina, diante das maiores dificuldades, se comportou habitualmente de modo fora do comum, praticando árduos e contínuos atos de virtude com ânimo e satisfação. Se para a santificação exige-se o exercício heróico das virtudes teologais - fé, esperança e caridade, e as cardeais - prudência, justiça, fortaleza e temperança, em se tratando de religioso, acreditamos que o Pe. Miguel, além destas, também cumpriu o exercício heróico dos três conselhos evangélicos - pobreza, castidade e obediência.
A respeito de obstáculos insuperáveis à canonização, estamos crédulos na inexistência deles contra a abertura deste processo. A “Norma da Congregação Para as Causas dos Santos” e a “Divinus Perfectionis Magister” nos alertam quanto à necessidade da declaração do bispo sobre estes obstáculos, pelo que submetemos a análise e o encaminhamento do Nihil Obstat ao bispado desta Diocese.
Assim, neste momento, decorridos cinco anos, mas ainda antes dos 30 anos da morte do pe. Miguel (cópia da certidão de óbito em anexo), entendemos que o pedido da abertura deste processo de canonização se faz necessário, haja vista que se ultrapassarem trinta anos haverá a necessidade de justificativas da razão do porque não o fizemos antes. Então, atuando como meros provocadores da causa porque a conhecemos e nela acreditamos piamente, do mesmo modo, esperamos que a Diocese de São João del-Rei aceite-a, nomeando-lhe um postulador.
Alguns dados biográficos do pe. Miguel estão condensados na Revista da Academia de Letras de São João del-Rei, sob o título “Padre Miguel, um ‘santo’cajuruense” (Ano I – nº 1 – ano de 2005, pp. 113-125, publicação anexa); são relatos que ajudam a ilustrar a grandeza desta causa e apontam para provas testemunhais comprobatórias de alguns dos milagres a ele atribuídos, abordando, ainda que de maneira abreviada, o seu modo de vida, as suas atitudes para com a comunidade e a importância dos gestos por ele praticados. Alertamos o bispado para o fato de que a maioria das pessoas que testemunharam o virtuosismo do padre Miguel e/ou que por intermédio dele obtiveram graças ainda estão vivas, muitas delas já idosas, residentes nos distritos e sede deste município, as quais estarão sempre prontas a prestar seus testemunhos cristãos em reconhecimento da "fama de santidade" do padre Miguel. Essas pessoas, certamente que sob o sopro do Divino Espírito Santo, animaram-nos sempre a encaminhar à Diocese esta provocação da fase iniciática do seu processo de canonização.
Um filósofo francês do século XX, Henry Bergson, observou que "as maiores personagens da história não são os conquistadores, mas os santos". E Jean Delumeau, um historiador do catolicismo, convidava a verificar como os grandes impulsos da história do cristianismo foram caracterizados por um retorno às fontes, isto é, à santidade do Evangelho, suscitada pelos santos e pelos movimentos de santidade na Igreja. Nos últimos anos o então Cardeal Joseph Ratzinger afirmou que "não são as maiorias ocasionais que se formam aqui ou ali na Igreja, que decidem o seu e o nosso caminho. Eles, os santos, são a verdadeira e determinante maioria, segundo a qual nos orientamos. É a ela que aspiramos! Eles traduzem o divino no humano, o eterno no tempo".
Nesta época de crise das utopias coletivas, num período de desconfiança e de incredulidade em relação ao que é teórico e ideológico, achamos importante o renascer de uma nova atenção para com os santos, notadamente os nacionais e os locais – a exemplo de Nhá Chica, nascida no atual distrito são-joanense de Rio das Mortes, àquela época “Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno” – , figuras singulares nas quais encontramos não uma nova teoria e nem sequer uma nova moral, mas um novo desígnio de vida a narrar, um mundo novo a descobrir através do estudo, uma nova forma de amar com devoção e algo que nos impulsiona a realizar atos mediante a tentativa da aproximação com o próprio Cristo.
Assim, diante de tudo o que aqui vai escrito, sabedores de que aos bispos diocesanos é que compete o direito de investigar acerca da vida, virtudes, martírio, fama de santidade e milagres aduzidos ocorridos em sua Diocese, nós humildes signatários desta carta, respeitosamente apresentamos à Diocese de São João del-Rei o pedido para estudo deste caso especial, cuja abertura de processo ora colocamos nas mãos do nosso pastor D. Waldemar Chaves de Araújo.