Há fatos que nos chocam ao primeiro contato. Por isto nos chamam logo a atenção, inclusive para uma explicação plausível, uma lógica qualquer. Se não a encontramos, surgem as comparações com isto e com aquilo.
Não faz muitos dias, uma pessoa de minhas relações íntimas me disse que ouviu um piauiense eleito a Prefeito, numa mesa de bar/restaurante, declarar alto e bom som a pretensão de "ensinar seu filho a roubar, mas roubar muito, porque é o que põe o homem para frente, no mundo em que vivemos".
Aqui não vai o nome de ninguém porque as palavras não foram gravadas e, assim, não teria como provar. Mas é fato verdadeiro. Se aquela autoridade vai fazer ou está fazendo o que diz, ninguém sabe. Mas que disse aquilo – disse mesmo, e foi ouvido por outras pessoas da sua mesa e das mesas vizinhas.
Diante disto, lembrei-me de ter lido na revista Veja (1-11-2000) uma matéria policial bastante chocante, onde era comentado o programa televisivo do famoso Ratinho mostrando uma menina de 3 anos ao ser torturada. O torturador, paranaense de nome Borelli, foi preso, é acusado também do seqüestro de um Boing 737-200, da VASP, ocorrido no último mês de agosto. A criança torturada é filha de um comparsa do seqüestrador Borelli. Porque o companheiro denunciou-o à Polícia, Borelli espancou a filha dele, não obstante possuir ele também um filho ainda pequeno. E justificou sua ação criminosa dizendo que no mundo do crime existe a ética de que traição nunca fica por isto mesmo. Na mesma ocasião, ao ser abordado pela imprensa, entre outras coisas, lhe escapou essa "preciosidade", porque saída da boca de um frio criminoso:
- "Eu, que não acredito mais na vida sem violência, diria a meu filho para pelo menos tentar não se envolver com o crime."
Infelizmente não pude transcrever as palavras ipsis literis do político. Mas a susbstância é referenciada sem rodeios. E entre o que diz o político e o vil seqüestrador há uma distância ética enorme. Se aquele fala por todos os políticos brasileiros, ou pela maioria, já podemos saber o porquê dos males do Brasil. Um deles, e o mais grave, é que o político consegue ser mais bandido que o bandido propriamente dito.
É aí que a gente tem vontade de concordar com o escritor americano Gore Vidal quando leva a fundo suas investigações sobre a elite dos Estados Unidos e coloca todos os "podres" nos seu romances, dizendo-nos que "é mais útil aprender sobre os algozes que sobre as vítimas".
Creio que nossos sociólogos e cientistas políticos deveriam fazer o mesmo: um estudo do fenômeno, compará-lo e indicar porque nossa sociedade é tão corrupta, tão anti-ética.
Quem dá o tom de uma nação, de uma sociedade, e a linha que demanda ao horizonte do futuro, é a elite. São quinhentos anos de absolutismo da nossa elite. Quinhentos anos de escravidão, ora índia, ora preta, ora branca (da pobreza e do analfabetismo).
Por que apenas condenar? Por que não estudar fundamente e mostrar os erros e mazelas da nossa elite político-administrativa, indicando assim a linha que a conduziu até hoje e daí tirar as lições convenientes?
O povo naturalmente se contamina com as intenções e as ações da classe dominante, inclusive na linguagem, nos símbolos, formando um chamado "inconsciente coletivo". Assim é que o Prof. Cristovam Buarque, em seu último livro, mostra quem são os inimigos da construção de um Brasil novo, diferente – não são somente a elite conservadora e os políticos corruptos, mas o imaginário desse sistema colonial inculcado na alma generosa do nosso povo, nesses 500 anos. Precisaremos de outros 500 anos para nos curarmos dele? Tomara que não.