Novembro de 2006. Uma semana de crise nos transportes aéreos. Sérios transtornos nos principais aeroportos brasileiros, causados por anormalidades no sistema de controle do espaço aéreo.
O assunto foi manchete nos jornais, revistas e telejornais. Principal assunto dos noticiários durante vários dias. Manchete-bomba em muitos jornais.
O governo federal interveio, o próprio presidente se mobilizou, convocou ministros para cuidarem pessoalmente do problema... Após uma semana, a crise começou a ser o foco dos altos escalões e prioridade na pauta das intenções.
Houve desconforto para milhares de passageiros, contratempos para muita gente, irritação e indignação. Natural e coerente que se previssem mortes também. Muitas, em conseqüência de acidentes.
Agora vem a pergunta: há quanto tempo se ouve falar das filas do INSS e dos cidadãos humilhados às suas portas madrugadas a dentro? Quantas vezes em sua vida ouviu falar ou foi vítima da inoperância do sistema de atendimento na saúde pública? Quantas vezes teve de se enclausurar atrás das grades de sua casa para evitar assaltantes, seqüestradores e estupradores que circulam livremente? Há quanto tempo tem notícias de caminhoneiros assaltados nas estradas ou imobilizados pelos buracos e estradas intransitáveis? Há quantos anos milhões de pessoas são humilhadas em rodoviárias nojentas e precárias? Quem sabe dizer há quanto tempo acontecem regularmente assaltos a ônibus urbanos e interestaduais, estes com agressões aos passageiros, que, depois do assalto, são trancafiados sem roupas no bagageiro dos ônibus nas madrugadas distantes das grandes manchetes, do glamour dos aeroportos e do conforto da primeira classe?
Como explicar que não se veja nenhuma aflição pública nem se ouça falar de reuniões de emergência entre autoridades por causa das 6.000 pessoas mortas nas rodovias a cada ano? Quantas serão as que morrem pelas mãos de assaltantes ou na trajetória das balas perdidas? Quantas morrem a cada ano nos hospitais cujas verbas foram desviadas antes de chegarem em socorro dos pacientes? Enfim, como explicar que a crise no sistema de tráfego aéreo tenha chocado tanto a grande mídia e sacudido as altas autoridades em prazos tão curtos, se comparados com as demais tragédias que não foram evitadas porque suas soluções dormem em gavetas burocráticas há anos? A questão aqui colocada não supõe que a crise aérea deva ser postergada ou subestimada. O que se propõe é uma simples comparação entre o tempo de reação e a repercussão político-social do colapso aéreo e dos demais colapsos nacionais.
Não darei resposta pronta. Prefiro formular outra pergunta. Não importa muito se o argumento parecer simplista ou sensacionalista, mesmo porque a questão que se discute é explosivamente escandalosa. Importa que a reflexão é pertinente e inevitável: se, de repente, pessoas influentes e poderosas que hoje viajam exclusivamente de avião passassem a depender dos ônibus visados por assaltantes, de rodoviárias nojentas, de estradas intransitáveis, do INSS e da saúde pública, esses setores estariam naquele estado de calamidade?