Republico o artigo abaixo, atendendo o pedido de um leitor que me deu muita satisfação na época e muito mais ainda agora, ao confirmar o seguinte:
"Mensagem referente ao texto - autor.
Enviado Por:
Da cidade :
Doutora Ivone Carvalho,
"É com muito entusiasmo que mais uma vez parabenizo seu trabalho desenvolvido no site da Usina. Talvez se recorde de mim, mas sou o rapaz que após ler um de seus artigos desenvolveu um grande interesse pela área jurídica. Hoje graças a Deus e com muito esforço estou ingressando rumo ao 4° período do curso de Direito, sempre tomando como base estrutural seu artigo referente ao Exame de Ordem. Contudo, o motivo
primordial desse meu contato é para pedir dois grandes favores. Já procurei no site e não encontrei esse artigo, caso ainda possua gostaria de pedir a gentileza de me enviar, quero tomá-lo como base para uma futura apresentação de um concurso de oratória
que será realizado na instituição na qual estudo.
Desde já agradeço a atenção"
Segue o Artigo que publiquei na Usina de Letras em 30/06/2005, que continua retratando a realidade atual:
O EXAME DA OAB
(Ivone Carvalho)
Há bastante tempo que tenho sido instada a me manifestar, publicamente, sobre o exame de habilitação do bacharel em Direito junto aos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.
Evitei trazer a minha opinião ao público, por inúmeros motivos que não vêm ao caso, mas, agora, parece-me impossível manter-me calada ante os resultados do último exame realizado em São Paulo.
Com toda certeza a minha opinião desagradará à grande maioria dos meus leitores, porém, ressalto, desde já, que é impossível opinar sobre um assunto tão sério e de interesse de tantos, sem que se observe um imenso conjunto de considerandos.
No 126º Exame da Ordem, Secção de São Paulo, dos 21.132 inscritos, apenas 1.450 foram aprovados.A taxa de reprovação ficou em 93%,a maior de toda a história do exame, que começou a ser realizado em 1971 e concede licença para os bacharéis atuarem como advogados.
O tema é delicado e, com toda certeza, a minha opinião não irá de encontro ao que tantos gostariam de ouvir. Porém, ressalto que ao longo desses vinte anos no exercício da profissão de advogada, questionei, inúmeras vezes, sobre a necessidade de tal prova para a habilitação profissional do advogado.
E questionei por ver inúmeros bacharéis desestimulados por não conquistarem a habilitação para o exercício da profissão abraçada, vez que reprovados seguidamente em vários exames, revoltando-se por estarem formados após cinco anos freqüentando os bancos das universidades, dois anos de estágio supervisionado feito concomitantemente ao quarto e quinto anos da faculdade, além da apresentação (de alguns anos para cá) de u’a monografia também supervisionada e defendida ante mestres que lhes atribuem notas.
Agrava, ainda mais, essa situação, a condição econômico-financeira do formado que necessita ingressar no mercado de trabalho, já conhecendo, antecipadamente, o longo tempo que esperará para receber seus primeiros honorários e, em vez disso, é obrigado a desembolsar valores nada irrisórios para prestarem o temível exame, a cada reprovação e nova inscrição para uma nova tentativa.
Esclareço que não sou do tempo em que os bacharéis de Direito já deixavam a faculdade habilitados para o trabalho advocatício.
Entretanto, é preciso que se conheça a história para que se opine e se avalie sobre a necessidade ou não do famigerado Exame. E esta, nós conhecemos!
A instituição dos Cursos de Direito no Brasil, como a de tantos outros cursos, muitos deles mais modernos, não permitiu a proliferação, por muitas décadas, de faculdades, podendo-se contar nos dedos de uma única mão o número de instituições existentes em todo o país.
Seus Mestres, pessoas altamente capazes que, independentemente de muitas vezes irem se aprimorar fora do Brasil, viviam o Direito vinte e quatro horas por dia, participando ativamente da política, da sociedade, do povo, do Estado.
Advogados conheciam, como a palma da mão, a língua portuguesa, o latim, o Direito Romano, a Filosofia do Direito, o Direito Econômico. Participavam ativamente da elaboração e discussão de projetos de leis, pois conheciam todos os ramos do Direito que, a bem da verdade, eram em número muito inferior aos que existem hoje, razão pela qual é de suma importância, atualmente, a opção por uma ou algumas poucas áreas, para especialização.
O Advogado era como o Juiz, o Professor, o Médico, o Padre. Todos sabiam onde morava cada um deles, porque em cada cidade dificilmente se encontraria dois desses profissionais.
Não havia sequer tempo e estrutura, tampouco necessidade, de se avaliar um profissional após a conclusão do curso, até porque o ingresso na Faculdade já tinha sido a pior das provas a que ele se submetera, porque o número de vagas era mínimo e o número de escolas, irrisório. Assim, aquele que tinha a bênção de entrar na Universidade não media esforços para se dedicar com afinco aos seus estudos e, ao concluí-lo, estava totalmente apto para exercer a profissão.
Felizmente sob certa ótica e infelizmente sob outra, as faculdades de todos os cursos proliferaram criando possibilidades para que tantos brasileiros pudessem enfrentar seus bancos e se tornassem profissionais especializados. Óbvio que ainda estamos muito aquém da quantidade necessária ao atendimento da demanda de estudantes que acabam ficando sem o curso superior, quer pelo número de vagas, quer pela impossibilidade de suportar os seus custos. Infelizmente, o Estado ainda não conseguiu aumentar, tanto quanto devia, o número de faculdades e, por essa razão, infelizmente também, é preciso ter condições financeiras para enfrentar o curso superior, cujas anuidades extrapolam o orçamento da grande maioria das famílias brasileiras.
Essa proliferação, entretanto, obrigou a algumas profissões, através de seus Conselhos e Entidades que as representam, a instituição de regras mínimas e básicas para que seus profissionais possam atender, sem riscos, a sociedade, pois, não podemos esquecer, estamos falando de Direitos e, quando esse é o tema, temos que forçosamente comparar o Advogado ao Médico, o profissional que zela pelo Direito à Vida.
Nenhum médico, após o quinto ano de estudo, é julgado apto para praticar, isoladamente, a medicina, montar seu consultório, estabelecer-se em clínica, assumir uma cirurgia. Ele necessita da Residência para ser considerado capaz de praticar a medicina respondendo por seus atos. Ressalte-se que a residência não corresponde a algumas poucas horas de estágio em alguns dias da semana!
E, cada um de nós, quando necessitamos de um profissional da medicina, nos preocupamos com os seus antecedentes e com a sua formação. Eu, particularmente, jamais deixei de confiar no profissional jovem ou recém-formado, qualquer que seja a sua profissão, mas não posso negar que sou extremamente criteriosa nas minhas escolhas, pois a formação, a postura, a demonstração de conhecimentos e os antecedentes de qualquer profissional eu reputo de suma importância. Quando falo em formação, não me reporto ao nome da faculdade, pois isso eu jamais levei em consideração, já que defendo a tese de que o aluno faz a faculdade e não esta, o aluno.
Sou do tempo em que, para a habilitação, o bacharel em Direito era submetido a exame escrito dissertativo e oral. E para que você tenha uma pequena noção do que representava o exame oral, estou republicando, neste espaço, o texto que escrevi em 30/11/2002, sob o título UM DEPOIMENTO, através do qual é possível avaliar a tensão, angústia e ansiedade causada por esse exame. Se me permite, sugiro a leitura!
Hoje, não mais existe o exame oral. A média mínima para habilitação é seis, no exame dissertativo que é prestado por quem superou o exame com questões de múltipla escolha.
O exame não é fácil e nem poderia ser, mas não é capcioso! Ele abrange toda a matéria que foi ou deveria ter sido estudada durante os cinco anos de faculdade. E todos nós sabemos que raríssimos são os cursos que conseguem cumprir a grade horária integralmente. E, ainda que isso acontecesse, também sabemos que não basta ouvir falar sobre a matéria, tampouco estuda-la apenas para as provas, para que a conheçamos de forma a podermos responder toda e qualquer pergunta pertinente a ela, muitas vezes, alguns anos depois de a termos estudado.
Falta sim, o preparo dos nossos estudantes de Direito. Falta, talvez, o preparo de muitos dos professores que, possivelmente, sejam excelentes advogados ou operadores do Direito, mas que não possuem didática ou preparo suficiente para ensinar nossos estudantes.
Falta, sim, que nossas faculdades voltem a ser ESCOLAS no sentido estrito da palavra e abandonem o tino puramente comercial que encontramos em quase todas elas.
Falta, sim, que nossos estudantes de Direito se dediquem com afinco durante todo o curso, que se preparem todos os dias para a carreira que decidiram abraçar, que se conscientizem que não basta ser apenas mais um advogado dentre os mais de duzentos mil existentes só no Estado de São Paulo, que entendam, vez por todas, que o Direito muda a cada dia, a cada instante, por isso não é apenas para o exame de Ordem que ele tem que estudar, mas, sim, diariamente, para poder enfrentar o seu dia-a-dia de trabalho, para poder se colocar à altura da sociedade, do cliente que o procura e que nele confia, dando-lhe poderes para agir em seu nome, defendendo seus interesses patrimoniais, sociais, pessoais, familiares, vitais.
É preciso que algo de muito sério e importante seja feito para pôr fim a essa massa de 93% de bacharéis que não conseguem tirar uma nota seis para se habilitarem ao exercício da profissão.
Mas esse algo necessário não é, na minha opinião, em hipótese alguma, o fim do Exame de Ordem, pois é fácil imaginarmos o que ocorreria sem o Exame se, com ele, estamos nos deparando a todo momento com profissionais que sequer sabem escrever corretamente o idioma pátrio, muitas vezes perdendo ações pelo simples fato de não conseguirem expor suas idéias e defesas ou por interpretarem errado um simples artigo de uma lei; que sequer sabem interpretar um artigo codificado, que desconhecem a legislação concernente à área escolhida por eles mesmos para se transformarem num “expert”, que permitem chacotas e achaques de leigos a toda uma categoria composta de profissionais que dignificam a profissão, que respeitam o cliente, a sociedade, o Direito e, por todos são respeitados.
Todo estudante de Direito que abraçou a carreira por opção própria, por amor à Justiça, por desejar veementemente buscar no Direito a igualdade entre os homens, o respeito aos interesses individuais sem jamais prejudicar os interesses coletivos, por ter o dom da palavra oral e/ou escrita, por amar o estudo, a pesquisa, a atualização diária com tudo que diz respeito ao ser humano, enfim, todo estudante de Direito que deseja realmente advogar na essência do termo, não encontrará dificuldades para enfrentar o Exame de Ordem, tampouco o criticará, pois saberá que todos os colegas que serão os seus “ex-adversus”, estarão tão preparados quanto ele para defender suas causas e isso lhe servirá também como desafio para ser sempre o melhor.
O Direito requer bom senso, preparo, estudo, atualização, pesquisa, sensibilidade, critérios, humanismo, dignidade. O Direito não tem começo ou fim, pois ele existe em tudo que está à nossa volta, em tudo que nos diz respeito, em cada um dos nossos passos e até no ar que respiramos.
Advogar exige responsabilidade, conhecimento, maturidade, autoridade, determinação, respeitabilidade, confiança acima de tudo!
Por isso, não posso deixar de concordar com a primeira medida tomada pela Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo, imediatamente após o resultado do Exame de nº 126 que aprovou tão somente sete por cento dos bacharéis candidatos à habilitação para advogar, convocando todas as Faculdades de Direito do Estado, para uma reunião onde pretende, em conjunto com as mesmas, detectar o cerne do problema, propondo-se a ajudá-las a saná-lo.
O Exame de Ordem impõe respeito ao profissional, responsabilidade ao estudante, confiança ao cliente. Ele não pode e não deve ser extinto, sob pena de, em pouquíssimo tempo ouvirmos em todos os cantos do país, como já tenho ouvido em alguns lugares, que não é preciso um diploma para ser advogado, basta ler as leis. E é assim que muitos acabam optando por agir segundo os seus conceitos e procurando, depois, um advogado, para tentar consertar o que, geralmente, já não tem conserto e, se tiver, há que se encontrar um excelente profissional, advogado devidamente habilitado e qualificado e não um bacharel em Direito!