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Artigos-->UM DEPOIMENTO -- 08/12/2006 - 13:12 (Ivone Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UM DEPOIMENTO

(Ivone Carvalho)



O bom amigo e sempre companheiro Siqueira foi ao meu encontro. Talvez por ter sido bom demais é que Deus o tenha levado do nosso convívio material tão cedo. Material apenas, porque até hoje eu sei que ele está sempre por perto. Isso não me aborrece e nem me assusta, porque pouco tempo depois de sua partida ele veio me mostrar a Luz que encontrou no lugar em que todos pretendemos estar um dia, mesmo que cada um de nós não queira ir tão cedo para lá.



Bem, mas naquela noite ele fez questão de estar presente para me dar uma força, na expectativa de que, estando por perto, talvez eu me sentisse mais segura ou, até certo ponto, protegida. Ele era assim. Amigo para todos os momentos.



Eu ainda não tinha me formado, estava no último ano da faculdade, mas a confiança dele em mim fez com que ele fosse além de assinar, de olhos fechados, as petições que eu redigia como estagiária, mas única responsável pelo departamento jurídico da entidade sindical onde eu começava a minha nova vida profissional.



Aqui, obrigo-me a fazer um parênteses para mencionar que também o Mestre Mário Kauffmann será sempre alguém a quem devo muito do início dessa minha vida profissional, porque foi ele quem me deu o grande empurrão que todo iniciante precisa, confiando cegamente no meu trabalho.



Assim, nos casos em que o Mestre Mário não podia atuar, era o querido Siqueira quem me acompanhava nas audiências e, diante do juiz, apenas sentavam-se à mesa, para garantir a presença de um profissional habilitado, porque o comando e a atuação eles deixavam inteiramente para mim.



Foi assim que, antes mesmo do término do curso, o Siqueira, sabendo da minha decisão de montar um escritório no final do ano do ano letivo, me propôs que trabalhássemos juntos, num escritório nosso, onde pudéssemos voar com as nossas próprias asas. Tornamo-nos, então, sócios, inaugurando nossa primeira sala em sociedade enquanto eu ainda era uma quintanista de Direito.



Isso tudo acontecia com uma rapidez que eu não sonhava pudesse acontecer. No espaço de três meses minha vida mudava a olhos vistos, eu deixara de ser empregada, não tinha ainda um diploma, mas já tinha um sócio, um escritório e alguns clientes.



Sentia-me na obrigação de passar no primeiro exame que prestasse junto à Ordem, embora tivesse plena consciência de todas as dificuldades que encontraria, por muitos motivos. Dentre eles, o fato de quase não ter tempo para me dedicar aos estudos, pois, além de trabalhar e estudar à noite, acumulava as funções de dona de casa, esposa e mãe de crianças pequenas, a quem eu fazia questão de dedicar todo o tempo que eu não estivesse no trabalho ou na escola. Somava-se a isso tudo, o fato de não ter estudado numa faculdade chamada de “primeira linha”, de onde, segundo sempre se diz (o que me revolta até hoje) saem os melhores profissionais e os mais aptos a prestar qualquer tipo de exame, concurso ou enfrentar a nova carreira.



Mesmo assim, fiz minha inscrição e, antes mesmo do término do ano letivo, fui fazer o primeiro exame, o escrito, em São Paulo, pensando em “sentir” como funcionava, para que três meses depois, eu pudesse prestar aquele que eu considerava o “exame pra valer”, cuja inscrição eu também já fizera, mas que, por realizar-se na cidade-sede da faculdade, localizada na Grande São Paulo, dar-me-ia como vantagem o aproveitamento das notas dos relatórios e provas do curso de estágio profissionalizante que eu fizera na escola, aos sábados, durante os dois últimos anos.



Foi com uma alegria imensa que vi o resultado da prova que fizera em São Paulo. Quase dois meses depois do exame, eu recebia a aprovação que me permitia fazer a prova oral, o terror de todos, visando a habilitação profissional.



Aí começava a minha agonia. No dia seguinte, a escolha do ponto. Menos de dois dias para preparar a defesa que eu sustentaria oralmente diante de três examinadores e que seria seguida de uma avalanche de quase cinqüenta perguntas feitas pelos três, onde não se teria tempo nem mesmo para raciocinar ou escolher termos adequados para a resposta.



O meu amigo e sócio Siqueira sabia o estado emocional em que me encontrava. Foram três dias e três noites (desde a afixação do resultado do exame escrito) sem comer, sem dormir, sem sair do quarto, a não ser para os banhos rápidos que me mantinham acordada. Livros de Direito, espalhados por todo o quarto (naquele tempo não existia computador e, muito menos, a internet). Peça pronta e a entrega total ao estudo de tudo aquilo que já tinha visto nos bancos escolares e mais aquilo que não havia sido dado em aulas. Para os examinadores, não importa se você teve ou não a matéria. Importa, sim, o programa do exame.



Por tudo isso, o Siqueira fazia questão de estar presente, para me dar o apoio moral que ele sabia que eu precisava naquele momento.



Porém, ele não conseguiu chegar em tempo. Não sei se por sorte minha (na hora eu pensei em “azar”), fui a primeira, dentre uns trinta ou quarenta candidatos, a ser argüida pelos examinadores. As perguntas pareciam não terminar. Eu respondia a todas, incansavelmente, e parecia que isso os animava a perguntar cada vez mais, totalizando cerca de cinqüenta questões.



Quando o Siqueira chegou, eu já me encontrava no auditório, livre do exame. Ele se sentou ao meu lado perguntando se eu me sentia preparada. Respondi-lhe que eu já tinha sido argüida, que tinha sido a primeira. Ele simplesmente olhou nos meus olhos e viu o quanto eu precisava sair dali naquele momento.

Levou-me para um restaurante, sugerindo-me que primeiro jantasse e depois lhe contasse tudo, como foi.



Pediu o jantar e algo para bebermos. Eu pedi água. E foi bebendo essa água que desatei a contar-lhe tim-tim por tim-tim, desde a minha defesa, até a última questão. E, após o garçom entregar a conta do jantar dele e da minha água, contei-lhe as últimas palavras que ouvi dos examinadores:



- Parabéns, doutora. A senhora já é uma de nossas brilhantes colegas.



Ganhei o mais gostoso abraço que o meu grande amigo me deu em toda a vida! Acho que só aí eu me conscientizei do que acabara de acontecer naquela sala!



Foi com lágrimas nos olhos que ele me levou para casa, onde eu dormiria quase vinte horas, após mais umas quatro que usei para contar ao meu marido e às minhas pequenas filhas, como tinha sido o exame. Não adiantou insistirem para eu comer alguma coisa, porque tudo que eu precisava, naquele momento, era dormir.



No dia seguinte, fui à faculdade e, com a alma lavada, desmarquei o exame que eu julgara que seria o “pra valer”, e que se realizaria apenas um mês depois.



IVONE DA CONCEIÇÃO RODRIGUES CARVALHO

30/11/2002 – 24:00 H

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