A luta entre bem e mal é antiga, fértil e repleta de lições. Sua história tem produzido espetáculos épicos, batalhas antológicas e vitórias que instruem e alimentam a confiança do homem na justiça e nos destinos da civilização.
Na mitologia, na ciência, na ficção moderna e na política, o bem e a justiça venceram muitos embates. Lúcifer despencou das alturas, Davi derrubou Golias, a penicilina dominou micróbios perigosos, a medicina controlou doenças mortais e os aliados esmagaram Hitler. Mas, apesar de todos os avanços e vitórias, ainda não se conseguiu acabar com o Detran.
A praga dos antigos DNER, dos pedágios abusivos, do seguro obrigatório, dos Detrans e outras atividades afins culminou em grandes impérios de arbitrariedade em tempos modernos, convertendo-se em ícone que lembra fraudes, corrupção, suborno, maracutaias dissimuladas e trincheira de ineficiência.
Não se prega aqui a sumária implosão do sistema. Antes, seria válido tentar saneá-lo pela raiz, revolucioná-lo inteiramente. Essa máquina há de valer muito mais do que custa ao contribuinte/usuário, pela ótica deste público, obviamente. Do contrário, tem de ser extinta.
Malabaristas escolados em labirintos burocráticos e áreas de sombra entre jurisdições, alçadas, regras e truques administrativos, alguns desses órgãos arvoraram-se em todas as formas de astúcia. Julgaram-se governantes, legisladores, juizes, corregedores, casa da moeda, gestores de orçamentos milionários, tribunal de contas e polícia armada (acredite: no DF, agentes do Detran trabalham armados!!).
Exímios projetistas de calvários, especializaram-se também em cavar desvios tão desastrosos no trânsito quanto engenhosos em setores onde não poderiam existir. Pariram filas intermináveis, inventaram taxas e tarifas e omitiram-se em muitos problemas do tráfego.
Mas quero me ater aos Detrans. No Brasil, um dos que reúne as piores qualidades provavelmente é o do Distrito Federal. Sob a complacência ou cumplicidade de dirigentes míopes, frouxos ou espertos, criou raízes profundas e erigiu o santuário do descaso aos cidadãos e o templo das próprias mordomias. O Detran do DF parece achar-se cativo em todos os domínios e direitos. Mas aquilo é tudo de ruim.
Abençoou quase 500 radares maliciosos no DF! Instalados com visíveis fins lucrativos, emboscaram dia e noite em ritmo frenético: uma multa por minuto, durante muito tempo. Um rio de dinheiro! Festa, felicidade e salários milionários no Detran e círculos compactuados! Indignação e frustração entre auditores e outros meios sérios. Alguns, mais ingênuos, ainda acreditavam que tanto dinheiro resultasse em correspondentes melhorias no trânsito e nas campanhas educativas, como determina a lei. Mas nem de longe...
Com isso, nas costas dos motoristas o Detran virou uma fábrica de dinheiro sem destino transparente. Nas barbas de políticos semi-analfabetos, um sólido reduto da burocracia cega, gênio de invenções escusas, ninho de vícios públicos, império industrial das multas de má fé. Enfim, o inferno dos cidadãos íntegros...
Notório produtor de embaraços alheios, o Detran tem sido também árbitro e patrocinador das próprias regalias. Torturador dos cidadãos, perseguidor dos motoristas inocentes, mas um pateta perdido em meio a contumazes fora-da-lei. Tudo fez esse maldito, exceto organizar o trânsito, instruir o público e oferecer segurança pra valer.
Nutriu-se no úbere de seres atrasados que galgaram o trono pelas trevas, pelo autoritarismo e populismo inconseqüente. Falsos governantes, mas legítimos posseiros de território público, alguns desses políticos ainda tentam se perpetuar, instalando uma dinastia da mesma cepa, à sombra da qual o Detran se fez sarcástico tirano.
Depois de décadas de reinado e despotismo, finalmente há luz no fim do túnel (aliás, mal sinalizado pelo Detran), ao alvorecer de um novo governo para o Distrito Federal. Pelo menos é o que sugere o anúncio das primeiras medidas na área de trânsito. Que os anjos digam amém! E que o fogo do inferno consuma aquela maldição.