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Artigos-->ALCOÓLATRA MIRIM -- 10/01/2007 - 08:48 (Jeovah de Moura Nunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos






Lá no distante Piauí, quando possuía apenas dois meses de tempo na Terra fui compelido a beber uma grande quantidade de álcool pela minha irmã, a Nainha com dois anos de idade.

Minha mãe, jovem, apenas 21 anos, saíra por algum motivo qualquer, deixando-me numa rede a dormir sossegado. Minha irmã estava por ali a brincar, ora com sua boneca de pano, ora com alguns objetos de madeira. Naquele tempo as mamadeiras não eram como hoje, revolucionárias até no ajuste perfeito da boca do bebê. Era tão somente um bico de borracha enorme, que as mães adaptavam a qualquer garrafa. Claro que devidamente lavadas e enxaguadas.

Minha mana encontrou o bico de mamadeira em algum lugar e logo passou a procurar uma garrafa qualquer, onde por certo colocaria um pouco dágua com a finalidade de brincar comigo de “mama-nenê”. Coisa de menininha, claro. Deu zebra. Ela localizou uma garrafa de álcool. Ignorando o perigo que aquele líquido representava, fixou o bico da mamadeira e encaminhou-se até a rede onde estava minha pequenina pessoa a ronronar. Rolou então álcool pela minha boca, pelos meus olhos que eram – segundo minha mãe – azuis. Por algum tempo a mana, despreocupadamente, dava-me mamadeira etílica, enquanto me sufocava e certamente devia arder por dentro, já que até então a única coisa que me descia pela goela abaixo eram gostosos mingaus leiteiros. Quando minha genitora chegou, eu estava azul de tanto beber pinga, digo álcool mesmo. Foi um fuzuê danado! Minha mãe, no estilo típico daquela época, saiu em desespero correndo pelas ruas da cidade comigo nos braços e uma multidão atrás, curiosa e acostumada às tragédias entre crianças. Chegando a um lugar que devia ser um hospital – digo assim porque não consigo imaginar um hospital daqueles idos tempos, quando hoje os hospitais mais parecem viver um estado de guerra permanente – minha mãe recebeu a notícia triste do médico:

-Seu filho, senhora, está morto!

-Mas, ele ainda se mexe, doutor!

-Isto aí são os espasmos da morte.

E foi só. Minha pobre mãe lembrou-se de Deus e correu para a igreja de São Francisco de Assis. Lá chegando colocou-me sobre o altar-mor e fez uma promessa, que todos ali presentes ouviram:

-Se meu filho não morrer prometo que ele usará por dois anos a mesma roupa de São Francisco de Assis, dia e noite.

E assim foi. Não morri. Durante dois anos usei a batina de São Francisco de Assis. Tenho até uma velha fotografia, já amarelecida pelo tempo usando a tal roupa. Talvez até se transforme em capa de um livro de poesias. Era eu uma graça de gente em relação ao que sou hoje.

Sempre foram comuns no velho nordeste os acidentes com crianças, os quais terminavam em óbitos. Bem por isso as mães preocupadas com um filho acidentado saíam correndo pelas ruas, levando o pimpolho quase morto nos braços. Corriam porque não havia ambulâncias, corpo de bombeiros, nenhuma ajuda. Tão diferente do hoje repleto de recursos, que ainda assim pecam em alguns casos. O povo corria atrás das mães por curiosidade, ou pelo fato de não acontecer muita coisa interessante na cidade. Vivo no estado de São Paulo há 54 anos e nunca vivi um dia igual ao outro. Muito diferente do nordeste onde o marasmo e a falta de aventuras, ou do que fazer é uma constante com um calor terrível que em nada ajuda. Este texto faz parte do prefácio de um livro que nem sei se sairá e assim resolvi publicá-lo por ter um conteúdo diferente e curioso.





Jeovah de Moura Nunes

Jornalista e escritor



http://artigosjornalisticossemfronteiras.blogspot.com/





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