Cheguei a uma padaria em Luís Correia, para comprar pão e bolos. Pela cor que apresentava um espécime, perguntei ao atendente:
- Este bolo - e apontei-o com o dedo - é de milho?
- Não! É de manteiga.
Não satisfeito, repeti a pergunta. E veio a mesma resposta.
- Mas eu quero saber é a massa. Não se faz bolo só com manteiga.
- Ah! Não sei.
Entretanto, vendo que precisava dar-me uma resposta melhor, pergunta a um colega mais próximo e me vem com a resposta pronta:
- É de maizena.
- Maizena é milho! - replico.
- Ah, é? Não sabia!
Este diálogo me faz lembrar outro. Trata-se de uma anedota muito popular que já ouvi muitas vezes, onde se mostram as diferenças entre os «pracianos» e os «matutos». Creio que estes dois termos foram bastante usados no Nordeste. E são praticamente desconhecidos nas demais regiões do Brasil.
A anedota é a seguinte: – O matuto entra na cidade. Vai à feira. Leva um couro de bode pra vender. Havia um praciano à porta de sua casa. Melhor, dizendo estava à janela. Justamente para caçar conversa com o matuto, aponta para o couro e pergunta:
- Meu amigo, é bode?
- Não, é couro.
- Mas é seu?
- Não, é do bode.
- Mas é pra vender?
- Se Deus quiser...
- E se Deus não quiser?
- Se Deus não quiser, eu vendo a quem quiser.
A história mostra justamente um praciano sendo «engabelado» pela dialética de um matuto matreiro, ajetivo que nada tem com “mateiro”, outra denominação de matuto.
É que os citadinos consideram todos os matutos uns abestados, justo porque às vezes não sabem ler nem escrever.
A generalização é um pecado grave, pode acabar com a lógica.
Mas essa dicotomia entre «matuto» e «praciano» está chegando ao fim, como outras tão conhecidas, ou seja, capitalismo e socialismo, o bem e o mal, homem e mulher. Imagine-se que já inventaram até um terceiro sexo. Pode?
Nossa população urbana cresce muito em detrimento da ruralista. Antes dos anos 1950, o Brasil era um país rural. Daí por diante as cidades foram crescendo, crescendo, e a maioria delas inchando mesmo.
Por viver na terra e da terra, o matuto estava próximo das origens, do natural. Esta era a vantagem. Sem dúvida nenhuma, sua desvantagem era ser analfabeto. Em nosso tempo de bancário, eu tinha muita pena dos matutos de mãos calejadas, que vinham à cidade tratar de seus negócios e, por serem analfabetos, viam-se obrigadas assinar os papéis com o dedo. Uma vergonha para o país.
Voltando ao diálogo da padaria, vemos como as pessoas de hoje, do campo ou da cidade indistintamente, não sabem mais distinguir o que é de milho, de mandioca, de arroz. Compram tudo no supermercado em garrafas, pacotes, latas, etc. Temos a ignorância das origens. Por isto é comum, quando se precisa de alguma coisa urgente, perguntar-se aflito:
– Quê que eu faço? A sabedoria popular encontrou a resposta correta:
– Não faça nada. Compre feito.
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*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, mora em Teresina, Piauí.