Em princípio presumi que a trindade terrena da Invicta Cidade era o Vinho do Porto, o Jornal de Notícias e o F.C.Porto, desse para onde desse a ordem e a desordem que o tempo impõe a todas as coisas (haverá por aí alguém que tenha dúvidas e queira debater este tema comigo?). Em súmula, como há muito me despedi de Deus (já não entro na Igreja da Trindade há 55 anos e a última vez que lá entrei ainda fui arrastado pela mão de minha mãe), esqueci-me, tal como tão demoradamente aprendi desde os primeiros passos, que Deus vai-e-vem e está permanentemente à volta.
Milhares de vezes passei, num e noutro sentido, pelo lado, o que faceia a extinta pedreira, do edifício da Ordem da Trindade e, como tantos outros transeuntes, naturalmente convencido de que vi e "li" quanto me rodeava, ora mais atento, ora completamente distraído e de olhos só voltados para o interior da minha vida, convicto de que a-sabia-toda, sabichão calcorreante que, vá aonde for neste belo país, qualquer indivíduo de imediato descobrre que sou do Porto.
Assim, "li", "reli" e fartei-me de "ler" o que de facto - constato sem óbice agora - sequer tinha lido mais ou menos, tal como o outro, com quem se está falar sobre miséria, se lhe pergunta se já leu "Os Miseráveis" e ele surpreendentemente responde que sim, que já leu três vezes, acrescentando: - Coitadinhos, aquilo eram tempos muitíssimo maus... Heureca, um tipo destes, que não sabe quem são os miseráveis, nunca leu infelizmente coisa alguma.
Então, o que é que há uns tempos a esta parte eu venho lendo assaz deveras, estupefacto com a enorme omissão que não li sobre a mesma tanta leitura que me passara sob os olhos? Li num deslumbrante ápice que a Ordem da Trindade, indiferente às sumptuosas peripécias que envolvem e cegam a "leitura" de tantos-e-tantos, ao longo de décadas, continua sem esmorecimento a ler profundamente na pele da vida a existência factual dos carentes extremos da cidade, minorando quanto possível a miséria que se expande entre as mãos dos autênticos miserabilistas que até em nome dos mortos-vivos conseguem passear-se untuosamente de Mercedes-Benz.
Em consequência, decidi que o Vinho do Porto, por ser o mais antigo, passasse a coroar a trindade hodierna da minha querida terra de azul-e-branco: Ordem da Trindade, Jornal de Notícias e F.C.Porto, com um simpático cão rafeiro ao lado. O resto, o grandioso resto está a levar o povo portuense para a mais triste das solidões, donde até os mais privilegiados estão a sentir imperiosa necessidade de fugir.
Profunda "meditação" sobre o "vácuo e a vulgaridade" (e não sou "meditador"):