Lendo o belíssimo texto do professor Toscano no Comércio de 6 de dezembro, intitulado “Pequenas frases, grandes lembranças” vieram como duchas frias as lembranças dos anos sessenta, numa vertiginosa jornada de ida e volta àquele passado, que tanto fascina a todos nós. Sei que o mestre não se lembra de mim. Mas, fui aluno dele na “Horácio Berlinck”, se não me engano em 1960 e 61. Interrompi o estudo porque minha família mudou-se para Barra Bonita em 1962. Aprendi a fazer estrelas de várias pontas com a circunferência e ficava admirado de ver o mestre girar o grande compasso no quadro sem quebrar o giz e sem escorregar a ponta do compasso do centro da circunferência. Todas as vezes que ele se retirava por alguns minutos da classe, nós alunos, liderados pelo “Elvis” – ainda trombo com este amigo pelas ruas –, corríamos até a lousa e ficávamos rabiscando aqui e ali. Nunca fui bom de desenho, mas gostava de pincelar alguns versos na lousa. Certa noite numa dessas investidas à lousa, desenhei a suástica na intenção de logo apagar. Mas, o aviso de que o professor retornava foi rápido e não tive tempo de eliminar aquele símbolo nazista feito com o giz deitado. O mestre Toscano não reparou no desenho logo de cara porque a porta de entrada ficava ao lado da lousa e, ao entrar, permanecia de costas para o quadro. Fiquei desesperado. Tentava fazer sinal para alguns amigos lá da frente apagarem o desenho rapidamente. Tudo em vão. O mestre viu o símbolo maldito. O gesto dele foi de tranqüilidade, mas de grande surpresa porque não tirava os olhos daquele símbolo. Caminhou até a lousa e ficou de pé olhando calado, triste até. Para minha surpresa ele não apagou o símbolo. Devagar se foi voltando para a classe, composta aproximadamente de quarenta ou mais alunos. Devagar também começou a falar. Naquela noite ouvi tudo que tinha direito sobre o que é um estado, ou um governo totalitário. Aprendi a lição de que o símbolo nazista em si não tinha nada de errado, mas o que ele representava tinha sim, muita coisa de errado. As lembranças que o símbolo evocava, eram tristes, eram terríveis para um período negro da História da humanidade, e naquele ano ainda eram coisas recentes. E o mestre Toscano sequer perguntou quem havia desenhado aquele símbolo. E os alunos também compartilharam de meu anonimato. O que aprendi naquela noite balançou todas as estruturas de minha alma, porque se casou a gentileza das palavras do mestre, embora duras, com o respeito ao meu anonimato. Tanto dele como da parte dos colegas alunos. Anos depois vivenciei também um período negro de nossa História. Jamais esquecerei as belíssimas lições de desenho do mestre Toscano. Jamais esquecerei do poeta e aventureiro Camões tão bem contado pelo mestre Toscano. O “Alma minha gentil que te partiste” ainda conheço de forma decorada e até há pouco tempo não sabia aonde havia aprendido. Ainda está na minha cabeça a opção do grande poeta, que preferiu salvar seus manuscritos de ”Os Lusíadas” ao invés da namorada, quando o veleiro afundou. É gente! O passado não parece, mas mora ao nosso lado e nem nos damos conta. E o passado é mestre porque não se trata de arquivo morto. Sem querer rebaixar aqui meus bons e extraordinários professores do passado, que foram muitos e muitos, uma vez que fui pela minha vida toda uma espécie de cigano, mudando de cidade em cidade, o professor Jose Raphael Toscano sempre será para mim um grande mestre! Simplesmente porque respeitava a pessoa do aluno, não o execrando publicamente. Coisa que não é comum hoje em dia. Nos dias que correm o professor tem motivo de sobra para ser um péssimo professor, em razão dos salários fajutos que o governo descaradamente paga, minando a carreira do professor. Apesar disso o professorado tem agido de maneira digna tanto para com os alunos, quanto para si mesmo, agüentando, tolerando um sistema que pune a todos: alunos e professores. Em breve enviarei a este jornal uma matéria já pronta, intitulada “O bom professor não é casuísta”, onde a opinião do professorado é interpretada de forma magnífica pelo “Jornal dos Professores” de agosto de 2006. Ao mestre José Raphael Toscano o meu carinho e a minha saudosa lembrança daqueles tempos inesquecíveis. E, professor, continue escrevendo, sim! Suas matérias são excelentes!
Jeovah de Moura Nunes
Jornalista e escritor
jeovahmnunes@hotmail.com
(publicado no jornal “Comércio do Jahu” nº 26810, de sexta-feira, 22 de dezembro de 2006 – página 2 – Opinião)