Se o programa bexigueiro da RTP1, o «Contra Informação», lhe baptizou o boneco por «José Trocas», terá tido pelo menos dois dedos de inspirada fundamentação para assentar com coerência a piada, essa graça-engraçada que confrangedoramente rima com desgraça-desgraçada.
António Aleixo, no decurso dos seus azedos tempos de existência e em face da pelada realidade que se lhe deparava, em dado momento, sentindo as íntimas vozes trovejar, proclamou: Pra mentira ser segura
e atingir profundidade
tem de trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.Em palavras escritas atente-se e medite-se sobre o que o Primeiro-Ministro disse ao ser-lhe perguntado sobre a existência de dois registos de habilitação no Parlamento:
"Não serei o primeiro nem o último engenheiro técnico a ser designado de engenheiro, que, toda a gente sabe, é uma designação social e de cortesia. Nunca pretendi exercer a profissão de engenheiro".
Traduzindo óbvia e objectivamente: eu fui um estudante de engenharia que então já presumia ser engenheiro.
Na circunstância, perante esta declaração, creio que o benquisto Fernando Pessa, se estivesse vivo, daria um imediato saltinho sobre argumentativas delongas e exprimir-se-ia com o seu peculiar «dizia-tudo»: « - E esta, heim?!...».
Neste escandalozinho mais que subiu à berlinda do luso descontentamento, estou ao lado daqueles que não lhe atribuem a mínima importância. Não foi ao diploma de engenharia de José Sócrates que os portugueses atribuiram a primeira maioria legislativa ao PS. Sequer ao PS foi, como logo adiante se verificou nas eleições autárquicas e presidenciais. De resto, com o país de rastos economicamente, o que obrigou o nosso agente-técnico-de-engenharia a saber o que não sabia, um engenheiro a sério, presumo, jamais se envolveria em abruptos desideratos megalómanos. A troca bate pois com a baldroca, tal como, infelizmente, continua a bater.
Entretanto, valham-nos os prudentes e sensatos sinais que sabiamente - e quem sabe, sabe - vão emanando de Belém. Eles apontam-nos o sentido da presistente paciência, digna e cordata civilidade, sobretudo impelindo-nos na perspectiva de que mais lá para diante, dando suficiente tempo ao tempo, Portugal sacuda enfim as asas e feliz cante ao sol das manhãs.
Como está claro que «toda a gente sabe», mais logo, vou no inspirado ensejo vestir a fatiota cinzenta do tempo da outra senhora que agora é exactamente a mesma, colocar gravata azul-escuro com risquinhas brancas, convidar uma amiga que em aparência-sem-transparência possa fazer o mesmo, para irmos ambos jantar língua com puré ao snack-restaurante da Casa da Música. Quem sabe se a empregada ou o empregado de mesa me tratarão cortez e delicadamente por engenheiro. Ah, caramba, vou sentir meu pescoço a coçar-se de prazer nos rebordos do colarinho...
António Torre da Guia
Porto - Portugal |