Iam o rico e o pobre por uma estrada deserta, fazendo uma espécie de caminhada matinal programada. O primeiro porque comia demais, bebia demais, andava de carro, e os vasos circulatórios estavam entupidos de gordura; o outro porque comia de menos e, sem vitaminas e cálcios, os ossos enfraqueceram, estava ameaçado de osteoporose, além dos reumatismos próprios da idade.
De repente, um motoqueiro barrou-lhes o caminho, e foi descendo da máquina. Era um homem magro, alto, moreno, de cheio de manchas de tinta nas mãos. Puxou o revólver e foi apontando para os dois, que estavam muito unidos naquele instante, e falou rápido:
– É um assalto! – falou primeiro para o gordo.
Não deu pra desconfiar porque ele vinha vestido em uniforme de policial e usando o capacete de proteção exigido pela lei.
– É um assalto! – repetiu a mesma frase, agora mais em direção do magro, sempre com a arma apontada.
O gordo botou os bolsos pra fora da calça. Tinha algum dinheiro, mas não o suficiente para satisfazer o apetite do criminoso. Eram notas de 5, 10 e 50 reais, nenhuma de 100.
O magro automaticamente imita o gordo: botou pra fora os dois bolsos, não tinham nada, nem um níquel.
– Não se mexam! – ordenou.
– Estou liso e devendo... – desculpou-se, baixinho, o pobre.
O homem da moto virou-se pra ele e disse.
– Então, vai morrer. Para aprender a respeitar os direitos dos outros. Como é que o ladrão vai sobreviver? Prepare-se. Vai aprender que quando se sai de casa tem que botar no bolso uns trocados para o ladrão, assim como bota o do guardador de carro, o do estacionamento, o do ônibus, o da merenda... Nosso Sindicato já prevê isto.
O rico, vendo a aflição do companheiro de estrada, teve pena e tentou socorre-lo. Revirando agora os bolsos da camisa, encontra duas moedas de 1 real cada e entrega-as ao ladrão, apelando:
– Não faça isto, amigo, este pobre senhor só possui a roupa do corpo. Eu empresto-lhes estas moedas.
O ladrão recebeu os trocados, montou na moto e deu partida, enquanto eles tomavam nota, na memória, do número da placa, da cor e de outras características mais evidentes, para depois irem registrar o fato na Polícia, o que de fato fizeram daí a instantes. Estavam quase de frente com a Delegacia.
O delegado mandou o escrivão tomar nota de tudo.
No interrogatório, o ladrão negou tudo, enquanto ia repetindo: “não gosto de pobre”, “tenho raiva de pobre.”
– O que é que vocês querem que a Polícia faça com ele?
O rico:
– Solte o homem, Delegado. Ele bem que poderia ter-nos matado. Mas, não. Foi prudente. Vamos premia-lo por isto.
E o pobre:
– Tome a arma e lhe dê uma boa sova, Delegado. Depois, cana, muita cana nele, até aprender que com autoridade não se brinca.
O Delegado pensou, pensou... E, finalmente, opta por informar aos denunciantes que o Governo acabara de construir um anexo para abrigar os presos que não possuem família nem nada, os pedintes da rua e que vagam pelo mundo sem ter o que fazer – uma espécie de albergue onde os atendidos recebem comida, roupa e cama, além de assistência médica e religiosa. Só esqueceu de dizer que os albergados morriam às dezenas, logo que lá chegavam, sem explicação. Sempre de disenteria.
O ladrão foi pra lá.
O Delegado disse, quando assim decidiu:
– Ora, ora, ladrão que rouba pobre é esmolar.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora em Teresina, e- mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br
(Publicado no jornal “Diário dos Açores”, de Ponta Delgada, nos Açores, Portugal, em 13 de abril de 2007