Em 1970, precisamente no dia 7 de janeiro, saí daqui para participar da Missão Auxiliadora, promovida pelos Salesianos. Fomos para Rondônia. Uma semana de ônibus. Foi nesta viagem que conheci um chinês, chamado Song Sui Wan, ou José, ou Zé, como alguns o chamavam (mas o nome não colou).
Eu e meu inseparável violão, ele e sua inseparável escaleta.
Durante toda a viagem animamos o grupo e, já em Porto Velho, continuamos com nossa dupla em longos e agradabilíssimos saraus.
No dia 22 do mesmo mês, exatamente cinco para uma da tarde, a dupla foi desfeita. Fui avisado que meu pai (padrasto), Alberto Agostini, havia falecido, no dia anterior, aqui, e estaria sendo enterrado exatamente as duas da tarde. Havia uma hora de diferença de lá pra cá. Portanto...
Cheguei em Araras no dia 23 e segui meus descaminhos.
Song ficou por lá e andou por caminhos outros.
Até alguns dias atrás, nunca soube o que ele fez da vida, tampouco ele soube o que fiz da minha. Todavia, guardamos em algum lugar dos nossos corações a parceria.
Dia 27 agora, do Abril que já se foi, trinta e sete anos depois da desunião, sabendo que, exatamente neste dia, Song completaria cinco anos de bispado, aproveitei a união dos amigos Almir e Raquel para refazer a dupla.
Não toquei o antigo violão, já que as lesões da AR/ELA não mais me permitem o prazer, porém, ainda não comprometida, minhas cordas vocais fizeram as vezes das de aço. Ele, contudo, mesmo sofrendo a rudeza de Parkinson, soprou e dedilhou a antiga escaleta. Não fomos saudosistas, não! Muito embora alquebrados, cada qual a se modo, continuamos ousados: The heart of every girl foi a música da re-união.
Quando o nosso som se espalhou pela igreja, sentimos que cada coração ali presente, bateu de um jeito diferente.
Contente, alegremente.
A música acabou, silêncio não se fez, sem o play it again. Ainda bem.
Acho que nenhum de nós dois teríamos fôlego para um bis.
Feliz ele me viu e eu o vi feliz.
Não teremos outra oportunidade (talvez por isso eu tenha chantageado a Raquel e o Almir, que adiaram em um mês seu casamento, para dar-nos a alegria de, nos seus encontros, nosso reencontro).
Dom José Song Sui Wan seguirá seus caminhos colhendo almas para Deus.
Eu...
CARLOS ROCHA é jornalista, advogado, psicanalista e Diretor Responsável do Jornal de Ágora – Já!.
Fonte:Jornal de Ágora – Já! (Editorial), Ano III, Edição n.º 131, Araras (SP), Domingo, 06/05/2007, página 2.