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Artigos-->1974 - REPRESSÕES DA DITADURA E FUGA PARA O PIAUÍ -- 01/06/2007 - 10:39 (Jeovah de Moura Nunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(o texto a seguir foi escrito pelo meu irmão DOUGLAS MOURA NUNES, o qual vivenciou os momentos mais aflitivos de luta contra uma ditadura cruel, odiosa e acachapante em nossas vidas de jovens naqueles tristes dias. Tenho o prazer e a honra de publicar aqui neste espaço para que todos saibam, que nós não éramos alienados como muitos podem julgar, apesar das imensas dificuldades daqueles pavorosos tempos).





1.974 – Repressões da Ditadura e Fuga para o Piauí



(Douglas Moura Nunes)



Na década de setenta os jovens viviam a plena repressão militar no Brasil em tempo de grandes movimentos revolucionários. Compartilhavam agitações políticas e culturais com muito interesse e igual intensidade. Jamais aconteceram tantos movimentos e a década em epígrafe é a que trouxe mais violência em toda a história do chamado “Anos de Chumbo”. Os jovens criavam tantas idéias que o mundo parecia estar iminente às realizações de grandes transformações. Acreditava-se em mudanças coletivas através da conscientização de todos.

As expressões comumente usadas pelos jovens adolescentes da época eram: liberação, conscientização, piração, repressão, revolução, contestação.

Tinha o jovem uma idéia básica: contestar o sistema. Transformar o sistema, e o momento era aquele. Os fatos estavam acontecendo e aquela geração tinha certeza de que não dava para esperar mais. Acreditava-se na luta política, tudo era político e o marco da liberação mostrava aos jovens que já era tempo de plantar e a oportunidade de o mundo mudar era aquela.

Eles queriam o fim do regime autoritário a todo custo. Via-se ouvia-se, falava-se, comentava-se a luta armada. Mas aonde e como fazer isso? E foram os jovens, adolescentes ainda que embarcaram na aventura de uma luta para ver o Brasil livre. Para conquistar a liberdade de reunirem-se em grupo, de se enturmarem com novos amigos, de ir e vir e finalmente de poder cantar: “... quem sabe faz a hora não espera acontecer...”

Os adolescentes, mesmo imaturos, descobriram como era importante fazer as coisas unidas, compartilhando as alegrias e tristezas e lutar coletivamente. Sabia-se quando haveria passeata e as faixas estavam sempre prontas, pintadas com os dizeres: “Abaixo a ditadura”, “Fora imperialismo americanos”, “Abaixo governo corrupto“.

Estamos no ano de 1974, residindo na zona norte da capital paulista desde 1.966, Com a idade de 23 anos, trabalhava na Empresa Anser Eletrônica Ltda., na Av. Duque de Caxias, próximo ao Largo do Arouche.

Junto aos bons amigos, André Carlos, Cícero de Santana, Mauro e Zé Preston, todos os rapazes com idades entre 18 e 25 anos, estudantes de vários colégios da região do Bairro Carandiru e Santana, havíamos nos reunido para articular a nossa participação na manifestação que ocorreria brevemente. De fato, estava programada uma passeata para o dia seguinte as 16 hs., Formada por estudantes universitários e classes operárias.

Entretanto, sem a adesão de trabalhadores e estudantes, o movimento foi considerado um fracasso, com prisões de muitos companheiros nossos, como veremos a seguir.

Nessa assembléia, acontecida na casa de um deles na rua Milton no Bairro Izolina Mazzei, combinamos nossa participação com detalhes na passeata que teria início na Praça Ramos de Azevedo junto ao Viaduto do Chá, no centro da cidade.

Por nossa conta e risco confeccionamos as faixas, cartazes e bandeiras que iríamos afixar em pontos estratégicos do viaduto, ou seja, nos parapeitos do viaduto e postes, sendo o nosso compromisso importantíssimo como material de propaganda e de distribuição, mas por isso mesmo muito perigoso. Estávamos determinados em cumprir a missão a qualquer custo. Não ousamos nos curvar. Éramos operários, populares, estudantes, sindicalistas, trabalhadores de várias classes que lutávamos por uma causa justa. As passeatas e atos públicos, reuniões, assembléias estavam proibidas e foram reprimidas e desarticuladas em 1.968. Desde então quase não havia mais greves devido à forte repressão do governo; mas estávamos decididos a prosseguir, mostrar o nosso repúdio àquele governo que se fixou no poder na base da força e do medo.

Através de Atos Institucionais fecharam-se sindicatos e eram nomeados sindicalistas de confiança do governo, os chamados pelegos. Congelamento de salários; não se podia criticar o governo, seria crime de segurança militar; extinção dos partidos políticos; censura às correspondências; fechamento do Congresso; censura à TV, rádio, revistas, jornais, cinema e até a letras musicais e novelas. Pequenas concentrações eram logo dissolvidas pela polícia. Qualquer um poderia ser acusado de comunista e ser preso sem ordem judicial. Os soldados armados de fuzis prendiam milhares de pessoas: dirigentes populares, intelectuais, políticos.

Não éramos baderneiros como queria o governo ditatorial que acusava os estudantes de subversivos. Sempre que ocorria alguma manifestação, pequena que fosse, “os homens” chegavam descendo o cassetete e chamavam a atenção da opinião pública acusando os manifestantes de arruaceiros e depredadores dos órgãos públicos ou simplesmente de quadrilheiros. Sabíamos que poderia ocorrer a presença de policiais infiltrados em nosso meio, resultando em prisões e até o desaparecimento de algumas pessoas. Não ficava vestígio algum. Completo desaparecimento.

Colegas nossos desapareceram da noite para o dia. A família buscava hospitais, abrigos, delegacias, cemitérios sem encontrar qualquer sinal. Não os víamos mais. Eram amigos nossos costumeiros das nossas bebericagens, estavam sempre presentes. Mas logo sumiam e por isso eram considerados desaparecidos.

Os infiltrados eram silenciosos. Por isso nosso comportamento havia mudado de maneira drástica. Era “proibido” dar notícias para curiosos, aqueles que queriam saber de detalhes e coisas assim. Nós os chamávamos de metediço, aquele intrometido - O bisbilhoteiro que quer tudo saber. Mas mesmo assim era difícil e muito arriscado... Não tinha como saber quem seriam. Poderia ser um dos nossos. Poderia estar do nosso lado, colaborando conosco, mas não se podia saber. Ocasionava, por isso, uma grande preocupação. Tomavam-se precauções, desde mudança de nossos nomes e nossos endereços. Usamos sempre um codinome, desde que fosse nosso conhecido.

Dia seguinte lá estávamos nós sobre o Viaduto do Chá instalando as faixas e cartazes proibidos. Aos poucos foram chegando as manifestações, moças e rapazes e alguns outros simpatizantes do movimento. Alguns sobraçando livros, outros carregavam pequenas sacolas onde continha certamente ovos previamente decompostos, para maior efeito, outros aprestados com estilingues e bolinhas de gude, únicas armas que possuímos.

A Praça Ramos de Azevedo já aglomerava um pequeno grupo. Mas a cada momento crescia o número de pessoas: jovens estudantes na sua maioria. Concentravam-se próximo à fonte da praça, formando um circulo a sua volta. Quando o numero de pessoas chegasse a fechar os cruzamentos, parando o transito de automóveis, seria o início da passeata. O grupo crescia sempre e estava chegando o momento de descer o Anhangabaú até à avenida São João, depois avenida Ipiranga e rua da Consolação até a avenida Paulista, onde faríamos nova concentração em frente ao MASP. Depois a manifestação seria dissolvida e marcada uma outra alhures.

Entretanto, de repente, lá por volta das 18 hs., André Carlos e o Mauro chegaram num alarido ensurdecedor, gritava aos quatro ventos a chegada da polícia, carregando o que sobrou das faixas que não foram colocadas no parapeito do Viaduto do Chá. Na verdade, tratava-se da tropa de choque da Polícia Militar, antiga Força Pública que tinha quartel na avenida Tiradentes no Bairro da Luz, como há de ser ainda hoje. Montava-se, finalmente a comitiva de honra, os homens, a polícia.

Do alto da Praça Ramos de Azevedo, nas escadarias do Teatro Municipal onde eu me achava, pude ver a chegada do grosso da tropa, composta na frente de cavalarianos e de policiais armados de escudos e cassetetes, além de cães pastores alemães. Nosso grupo que se achava na praça subiu as escadarias numa corrida dificultada pelo encontro inesperado do grupo que descia, mas em seguida, sob a voz de comando, se reuniram em frente ao Teatro. Alguns empreenderam fugas espavoridas, desaparecendo para os lados da rua Xavier de Toledo e Viaduto do Chá, outros, dezenas deles, simplesmente recuaram postando-se como expectadores e dali passaram a meros assistentes de um drama que ficou inesquecível para muitos. Ficamos postados em frente ao Teatro esperando a chegado da tropa que continuava enfileirada abaixo da Praça. Aguardavam supostamente ordem de comando.

Estávamos bastante inferiorizados em número de manifestantes. Muitos fugiram juntando-se à população. Não contávamos mais que 150 pessoas. Não tinha mais volta, lutaríamos se preciso fosse.

Corações acelerados, esperamos. A nossa barricada era formada pelos próprios carros que ali se achavam e nossas armas, ovos, simplesmente e palavras de ordem. Não cessamos de gritar e cantar. Nosso rumor ecoava e repercutia no alto dos grandes edifícios e das janelas, e o que ouvíamos era aplausos e uma chuva de papel picado. A multidão nos apoiava. A emoção nos alcançava e nos dava alento para prosseguirmos naquele prélio. Eu pensava: “Se me evadir, quem tomará meu lugar, e o quê será de nós?”

Tomado por esses pensamentos, continuei junto aos companheiros esperando o que pudesse nos suceder. Sempre com as palavras de ordem e com o punho erguido, gritávamos: “Abaixo a ditadura”, “Fora imperialismo americano”. E o hino da Liberdade que era o nosso refrão: “... ou ver a Pátria livre ou morrer pelo Brasil”. E no fim, batendo no peito gritávamos todos juntos: “Brasil, Brasil, Brasil, Liberdade”.

Meia hora aproximadamente nesse impasse. De onde eu me achava, podia ver o Viaduto do Chá tomado de curiosos que esperavam impacientes o desfecho da batalha. A tropa policial permanecia em fileira aguardando ordens de seus superiores. Não contávamos, entretanto, com o estratagema da polícia que nos surpreendeu pela retaguarda, pela nossa esquerda, subindo pela rua Conselheiro Crispiniano, mais de cinqüenta policiais fechava a rua em toda a sua extensão.

Num relance, achei que a luta era iminente sem considerar, no entanto perdida, mas o fantasma das prisões estava presente dava-nos pretensão de retroceder, de recuar para lugar mais seguro. Procurei sair. Pela praça não se podia, estava fechada. Muito menos ainda pela rua Conselheiro Crispiniano que dá acesso para a avenida São João.

Pensei em contornar o Teatro Municipal para chegar até a Rua Xavier de Toledo e depois a sete de abril. Mas, de fato, estava errado. Fomos surpreendidos por dezenas de policias que caíram sobre nós sobrando cacetadas pra todo mundo. Foi um Deus-nos-acuda. Um tumulto generalizado se formou. Uma batalha se instalou naquela esquina antes tão calma, e por um segundo ficamos sem reação. Foi impensado. Inesperado. Repentino. Bem à nossa frente estavam os homens da lei. Capacete, escudo e cassetete de madeira atingindo a tudo e a todos. Ouviam-se gritos de dor, palavrões, pedradas voavam pra todo lado e o tilintar de botas e o barulho surdo das bombas de efeito moral. Densa fumaça branca se formou à nossa frente enquanto a borracha descia solta no lombo de todo mundo. Para a polícia não havia distinção de cor, raça, clero, estudante ou não, transeunte, populares, seja quem for que estivesse ali era motivo pra descer o cacete e prisões.

Sem preparo, apenas com estilingues e ovos, nossa única saída seria correr e a confusão foi maior. Quebra-quebra, pisoteamentos, palavrões. Ao meu lado, bem ao meu lado, agachado junto a um carro no meio da via pública, um rapaz companheiro do Mauro tinha sido atingido na cabeça por uma bomba de gás lacrimogêneo que explodiu a seguir debaixo do carro. Atingido, o sangue fluiu aos borbotões escorrendo pelo rosto empapando de sangue o asfalto. Ali mesmo ele ficou. Aquele lugar não seria mais o mesmo, tornou-se verdadeira zona de guerra onde cada um procurava se livrar da truculência dos policiais, enquanto outros reagiam com pedras, paus e estilingadas, que zoavam sobre a lataria dos carros. No meio do alvoroço, ouvimos alguém gritar: - “Pela 24! Pela 24 – Vamos pela 24!” Foi providencial. A saída, uma fresta se abria, era um alívio. Pois a Rua 24 de maio estava livre. Nem trânsito de automóveis havia. O pequeno grupo, como que dominado por um sentido de conjunto, movimentou-se em direção à Rua 24 de maio. Numa corrida sôfrega contornamos o Teatro Municipal e alcançamos a 24 de maio. Suspiramos aliviados. Havíamos nos livrado da prisão. Mas algo me perturbava, não conseguia visualizar meus companheiros. Teriam sido presos? Felizmente não, logo encontrei o pobre do Cícero e Zé Preston, que jaziam sentados no chão, com manchas de sangue na cabeça e hematomas por todo o corpo, contorciam-se de dor. Pode apenas dizer que o Mauro havia sido preso e levado num camburão da polícia e que o André havia escapulido pelo Anhangabaú. O Zé Preston estava em melhores condições e logo estava de pé, ajudou o Cícero a se levantar e caminhamos cambaleantes em direção à Praça da República. Não tivemos tempo de chegar à avenida Ipiranga quando em poucos minutos passava por nós um pelotão de soldados conduzindo cães pastores alemães.

Quando passavam bem próximos, tivemos ainda um pouco de sustento e de coragem para compensar nossa derrota e entramos a desafiar a polícia. A tropa em passos cadenciados, no ritmo dos passos, inicia a ajustar o escudo que os protegia quando em conjunto e em voz alta, gritamos: -“Um, dois..., um, dois...” - Foi o bastante!. De súbito, os soldados enfurecidos atiçaram os cães igualmente enraivecidos sobre a população que espavorida corria pra todos os lados, chocando-se uns contra outros num amálgama indescritível. Pessoas idosas sendo jogadas ao chão, vitrines estilhaçadas, desmaios e até disparos de arma de fogo. Novamente batemos em retirada conduzindo o ferido em direção à Praça da República. Com dificuldade, ocultando os ferimentos que Cícero carregava consegui levá-lo até sua casa no Bairro Jardim Brasil onde foi medicado. Depois das repreensões de sua família que não permitiu que o víssemos mais, voltamos para casa na companhia do Zé Preston que residia na Rua Feital. O André morava na mesma rua em que eu morava. na Vila Izolina Mazzei.

No dia seguinte soubemos da notícia que nos alarmou. A família preocupada com os seus ferimentos levou-o ao Pronto Socorro de Santana na avenida Voluntários da Pátria. Quando voltaram para casa no Jardim Brasil, esperava por eles uma guarnição da Política Militar que o levou à força para local ignorado.

Soube-se também que uma unidade móvel da PM esteve investigando, ou seja, indagando da população a participação de outros manifestantes residentes na região. Evidentemente que a população jamais se compactuaria com a polícia. Pelo menos tínhamos esse consolo e proteção. À tarde, André apareceu em minha casa muito assustado, falando da repreensão recebida de seus pais e que os mesmo o levaria para Jundiaí. Devido a prisão do Mauro e do Cícero, as coisas estavam muito difíceis; o melhor seria desaparecer por um tempo. Os jornais não relataram o episódio da Praça Ramos de Azevedo. Completo silêncio do fato ocorrido. Era como se nada houvesse acontecido. Ao contrário da família de meus amigos, a minha família sequer soube do sucedido. Era melhor assim, jamais quis envolvê-los nos meus problemas. Mas eu pensava: Não seria de todos o problema da nação? Mas estavam distantes dos problemas sociais que nos envolvia naquela época. Acredito que teriam medo de perder a pensão do governo que meu pai deixara. Preocupavam-se com os problemas domésticos supostamente muito mais em voga para eles. Acompanhei André até à sua casa ponderando e lamentando os amigos presos. Subindo a rua Milton até o posto de gasolina onde o Toninho e José Preto trabalhavam. Na nossa chegada, acercaram-se de nós e relataram que a polícia passara por ali minutos antes indagando sobre nomes e endereços de umas pessoas desconhecidas. “Ante nossa negativa seguiram pela Feital no sentido do Jardim Brasil” – disse ele.

“Pra mim chega”, - disse André dando meia volta e retornando para sua casa. Agradeci o silêncio dos amigos e passei em casa pegando apenas o mais necessário e fui para São Caetano do Sul, em casa de meu irmão Jeovah que residia na Rua Guia Lopes, onde permaneci por dois dias chegando a vender calcinhas na feira para ganhar uns trocados. Dias depois, após receber um pequeno ressarcimento da Amser Eletrônica Ltda., embarcava para Picos no Piauí, onde permaneci por quatro meses, trabalhando como Auxiliar de Topografia na Sondo técnica – Engenharia de Solos Ltda., no trecho entre a cidade de Picos e o povoado do quilometro 63 da Br 316.

Distante de tudo e de todos, isolados no meio da caatinga no chamado Polígono das secas, das terras interioranas de clima semi-árido e das menores densidades demográficas do Brasil, tinha a oportunidade de conhecer trabalhadores do sertão. Homens que lutavam e ainda lutam amargamente para sobreviverem, uma luta inglória numa terra igualmente opressora. A opressão aqui não era militar, não havia censura, nem proibições. Mas era igualmente causticante, ou seja: o isolamento. Suavizada pelo carinho do povo, a sua incrível maneira de tratar as pessoas, seu modo de falar e de cumprimentar acabaram me cativando. Encontrava-me na mesma estrada que poderia me levar para o grande centro, São Paulo, onde tudo acontecia. Por isso surgia de quando em vez na lembrança, a face rosada e transpirada de meus amigos na longínqua Rua Milton. No meio daquele som perturbador que é justamente o silencio das matas, onde somente o rastejar dos teiús, réptil lacertílio e das avoantes que vez ou outra quebravam o silêncio. Mas, enquanto perdurava o silencio, medrava em mim o desejo de sair do isolamento. Pensava: “Se estou isolado, estou preso! Preciso rever a liberdade”. Passo a cantar bem altas as canções antes proibidas. Ali não havia repressão e nem a truculência da ditadura, e eu cantava para o silêncio. “Quem me ouviria? Quem taparia a minha voz que incomoda tanto os militares”? Nas noites quentes da Pracinha Coração de Jesus, os picoenses pareciam desconhecer a tirania do governo e as lutas pela liberdade que ocorriam todos os dias no resto do país. Como a idéia da revolta contra os militares poderia chegar naquele recôndito triste e isolado do Piauí? Ditava em meu coração a convicção de que os militares meditam novas medidas de opressão contra o povo. Por isso, resolvi seguir esse farol de liberdade e jamais renunciar, seja por medo, seja pela prisão. Reanimado com esses pensamentos, retornei a São Paulo decidido a novos lances de luta contra esse regime que nos esfolava a carne e a alma.



(*Douglas Moura Nunes, picoense, jornalista, fundador do Jornal dos Bairros, fundou e dirige a Biblioteca Comunitária Saberler – Casa do Livro na cidade de Picos. E-mail: bibliotecabairrojunco@yahoo.com.br)



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