Propósitos da Conferência de Aparecida
Dom Odilo Pedro SchererA V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, realizada em Aparecida (SP) de 13 a 31 de maio, contou com a participação de representantes de todos os países do Continente Americano; refletiram sobre a situação religiosa, social e cultural de seus povos, avaliaram os principais desafios postos à missão da Igreja e apontaram pista para o futuro da ação da Igreja, para que a presença católica continue a contribuir para a vida dos povos latino-americanos e caribenhos. O tema –
Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que, nele, nossos povos tenham vida – orientou os trabalhos da reunião.
Vivemos numa época de enormes mudanças culturais, caracterizadas, sobretudo, por uma forte afirmação da subjetividade e da autonomia e pela busca de satisfações individuais, estimuladas pela sociedade de consumo; tais tendências não são novas, mas hoje atingem as massas e, por vezes, colocam em crise a relação com as instituições orientadas por valores objetivos e universais e por verdades tidas como válidas para todos. A Igreja Católica sente os efeitos desse fenômeno. Há quem sugira que a solução estaria em adaptar os ensinamentos da fé e as normas morais à lógica do mercado, ao gosto da maioria e às tendências culturais sempre variáveis; mas a Igreja não pensa assim e continua a crer que a verdade do Evangelho é um bem para as pessoas e para toda a sociedade.
É um fato que muitas pessoas deixaram a Igreja Católica. O aumento da indiferença religiosa e a migração de católicos para outras comunidades e grupos religiosos não deixou indiferente a Conferência de Aparecida. Porém, nada de pânico, nem de apelo a soluções de choque; é preciso compreender bem o fenômeno da mobilidade religiosa, que é generalizado, com conotações claramente culturais e tem muito que ver com a afirmação da subjetividade e a cultura do efêmero; as pessoas têm dificuldades em aderir a instituições e organizações que lhes propõem algo de universal e definitivo, gostando de fazer suas próprias escolhas a partir de critérios pessoais, orientadas pelos sentimentos e pela busca da satisfação pessoal. Esta atitude não marca apenas a relação com a Igreja e as organizações religiosas, mas também as demais instituições que propõem doutrinas ou referências comportamentais objetivas. Basta pensar nas dificuldades da família no cumprimento de seu papel, da escola para educar e mesmo do Estado para fazer cumprir suas leis.
Diante disso, qual é a solução? A Conferência de Aparecida recordou que a proposta cristã para as pessoas e para o mundo não é, antes de tudo, a de uma doutrina ou de um código ético. A Igreja não prega a si mesma, mas o Evangelho; e o primeiro objetivo de sua missão é ajudar as pessoas a ter um encontro pessoal com Jesus Cristo e, por meio dele, com Deus. A Igreja não vê em Jesus Cristo um personagem do passado, objeto apenas de considerações intelectuais, mas alguém vivo e presente no mundo, como companheiro da humanidade. O encontro com ele, mediante a fé, suscita uma nova compreensão de vida, convicções, atitudes pessoais novas. Por isso a Igreja latino-americana partiu de Aparecida com o renovado desejo de propor o Evangelho de Cristo como um bem para a vida das pessoas e dos povos.
Propor o Evangelho de Cristo como um bem para a vida das pessoas e dos povos
Embora permaneça a mesma ao longo dos séculos, a mensagem do Evangelho é comunicada em contextos históricos e culturais bem situados; por isso, a própria fidelidade à missão requer da Igreja um discernimento constante para adequar sua ação às situações em contínua mudança. A Igreja quer valorizar mais seu próprio fundamento, que é sua relação com Jesus Cristo e com Deus; ela precisa e quer ser mais eficaz no anúncio do Evangelho e ao atendimento religioso à população. Numa palavra, a Igreja quer ser fiel à razão de sua existência, consciente que a evangelização é um processo dinâmico e jamais concluído; ela precisa estar em estado permanente de missão “para que, em Cristo, nossos povos tenham vida”.
O anúncio do Evangelho suscita a fé religiosa pessoal; mas propõe também uma visão de mundo, uma antropologia e uma concepção moral para orientar a convivência social. Na base dessa proposta se encontra a afirmação da soberania de Deus e de sua proximidade em relação ao homem e ao mundo. A fraternidade e a solidariedade entre todos os membros da grande família humana, a dignidade inviolável de cada pessoa e os direitos humanos, a justiça social, a paz e o zelo pelo patrimônio da natureza posto à disposição de todos os viventes são decorrências dessa verdade; ao longo dos séculos, tornaram-se mesmo referenciais compartilhados pela cultura de quase todos os povos, sobretudo ocidentais. A Igreja deseja continuar a propor esses referenciais e contribuir para que sejam acolhidos, de geração em geração, porque acredita serem importantes para a vida dos povos.
Sem negar que os avanços em vários setores da vida social, econômica e cultural beneficiam os nossos países, constata-se que ainda persistem situações contrárias à vida de amplos setores da população, em que se somam miséria e pobreza, fome, desemprego, falta de moradia digna e violência, desrespeito à vida, à liberdade e à dignidade das pessoas. Os católicos e a instituição eclesial, com sua vasta rede de organizações, têm muito a contribuir para a vida dos povos e querem fazê-lo com renovada consciência.
Juntamente com tantas outras instituições e organizações da sociedade, a Igreja deseja cumprir sua missão; para isso convoca seus membros, presente em todos os âmbitos da vida social, a desempenharem plenamente seu direito e dever de cidadania, partilhando suas convicções com a sociedade, bem conscientes da importância das propostas cristãs para a construção do bem comum. Está e a aposta da Conferência de Aparecida para a vida dos povos deste continente.
Dom Odilo Pedro Scherer é
Arcebispo Metropolitano de São Paulo.
Fonte: Propósitos da Conferência de Aparecida,
O ESTADO DE S. PAULO,
Espaço Aberto, Sábado, 09/06/2007, Página A2.
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“Fora da VERDADE não existe CARIDADE nem, muito menos, SALVAÇÃO!”LUIZ ROBERTO TURATTI.